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Os 7 pecados capitais de Jorge Jesus

Do erro do regresso à casa onde fora feliz à última tentação de rumar ao Flamengo, estes são os sete acontecimentos que levaram à demissão de Jorge Jesus do Benfica.

Foto: Getty Images
29 de dezembro de 2021 | Áureo Soares

Bastaram 31 segundos, tempo suficiente para o primeiro golo de três, para selar o destino do Benfica 2021/22 na Taça da Portugal. A derrota dos encarnados no Estádio do Dragão, com a consequente eliminação da prova-rainha do futebol nacional, que qualquer clube grande tem de querer ganhar, colocou Jorge Fernando Pinheiro de Jesus, 67 anos, três títulos de campeão português, uma Taça Libertadores com os brasileiros do Flamengo e uma plêiade de polémicas no currículo, com um pé fora do clube da Luz. Cinco dias passados, o treinador que atormentou o colega de profissão Rui Vitória quando eram rivais, que numa eliminatória europeia, provocou ao acenar com três dedos para tantos golos ao técnico do Tottenham em 2014, o líder que grita, gesticula, o de certa forma carismático míster que se fez ídolo no Brasil e foi condecorado pelo presidente da República não mais é. Basta dividir por dois os catorze meses que orientou o Benfica para chegarmos ao número que definiu a sua queda: os sete momentos que traçaram o destino de Jesus no Benfica.

1. O regresso

Julho de 2020. Jesus regressa a ‘casa’ após a conquista da Copa Libertadores, a espécie de Liga dos Campões que os sul-americanos pensam que compete com a europeia, ao comando do maior clube brasileiro, o Flamengo. O adágio diz-nos que não devemos voltar a uma casa em que fomos felizes. Foi precisamente o que fez Jesus. O retorno não animou os adeptos e os gastos astronómicos, a falta de aposta nos jogadores da formação, e o eterno estado de conflito interno, fantasmas afastados desde que Jesus deixara o Benfica em 2015, estavam de volta. Se a imprensa rejubilou, uma parte substancial dos benfiquistas viu com maus olhos o regresso de um treinador que deixara o clube pelo eterno rival Sporting.

Gabriel Barbosa e Jorge Jesus celebram depois do Flamengo derrotar o Independiente del Valle no Rio de Janeiro, 2020
Gabriel Barbosa e Jorge Jesus celebram depois do Flamengo derrotar o Independiente del Valle no Rio de Janeiro, 2020 Foto: Getty Images

2. As contratações de peso financeiro 

O argentino Dí Maria, o sérvio Matic ou o espanhol Rodrigo foram alguns dos jogadores que Jorge Jesus lançou durante a sua primeira passagem pelo clube, entre 2009 e 2015, e cujos passes foram vendidos a preços até então sem par no futebol nacional. Em 2020, porém, a tentativa de importação de talentos foi uma das receitas para o desastre. Do Brasil chegaram Everton ‘Cebolinha’, do Grémio, e Pedrinho, do Corinthians. Com duas diferenças para os exemplos citados. A primeira é que, se Dí Maria, que seria vendido ao Real Madrid para iniciar uma carreira internacional ímpar, chegou jovem e por um preço apetecível, Cebolinha contava já 25 anos e custou 20 milhões. A outra é que um deslumbrou, outro desilude a cada jogo. 

3. Forte com os fracos

Tal como o de 2009, este Benfica de Jesus é aquele bully do terceiro ano que bate nos meninos do primeiro e foge dos rapazes do quinto. Na época 2021/22, com quinze partidas disputadas, o "rolo compressor" da Luz logrou duas vitórias avassaladoras, 7-0 a um Belenenses afetado pela Covid-19 e um expressivo 7-1 ao Marítimo em pleno estádio da Luz. Nem a acidental vitória sobre o irreconhecível Barcelona, também na Luz, escondia o óbvio: esta equipa é forte com os fracos e fraca com os fortes. Ao primeiro teste a doer, Jesus cedeu perante o Sporting do seu ex-pupilo Rúben Amorim, também em casa, por 1-3. A gota de água haveria de cair no Estádio do Dragão, com três golos de um FC Porto que entrou a matar e mesmo depois de reduzido a 10 controlou o jogo sem que o "mestre da tática" valesse aos jogadores encarnados.

Jorge Jesus durante o jogo entre Ajax e Benfica (Torneio de Amsterdão) na Holanda, 2009
Jorge Jesus durante o jogo entre Ajax e Benfica (Torneio de Amsterdão) na Holanda, 2009 Foto: Getty Images

4. Haja capote

Quem são então os culpados pelos desaires da equipa comandada a pulso por Jesus? Em 2020, a primeira derrota na Liga, frente ao SC Braga, teve na sua génese os erros individuais dos jogadores. Meses depois, a culpa passaria a recair sobre a Covid-19. Já em novembro deste ano, os responsáveis pelo fraco trajeto da equipa eram os jornalistas. Jesus pode ter falhado no banco mas no capítulo de sacudir a água sagrou-se campeão com larga distância para os rivais.

Jorge Jesus durante o jogo entre o Benfica e o Barcelona (Liga Europa da UEFA) no Estádio da Luz, 2021
Jorge Jesus durante o jogo entre o Benfica e o Barcelona (Liga Europa da UEFA) no Estádio da Luz, 2021 Foto: Getty Images

5. A mudança de presidente

Vamos abster-nos de tecer considerações acerca de processos judiciais em curso. Mas a verdade é que a detenção de Luís Filipe Vieira e a sua posterior resignação do cargo de presidente do Sport Lisboa e Benfica constituiu um rude golpe nas aspirações de Jorge Jesus. A falta de apoio de Rui Costa, sucessor de Vieira, veio apenas confirmá-lo. Cedo ou tarde, o clube poria um ponto final nesta história. Foi mais cedo do que tarde.

Luís Filipe Vieira na cerimónia de entrega de prémios Quinas de Ouro 2019
Luís Filipe Vieira na cerimónia de entrega de prémios Quinas de Ouro 2019 Foto: Getty Images

6. Diz-me com quem jantas…

Com Jesus ao comando do Flamengo, em 2019, e, nos dois últimos anos, com Abel a treinar o Palmeiras, os dirigentes, jornalistas e público brasileiros aperceberam-se do óbvio: os seus treinadores já não estão entre os melhores do mundo e a vaga foi ocupada pelos herdeiros de Mourinho. Assim, após um ano falhado, a diretoria do Flamengo estava na Europa para contratar um treinador. O alvo era aparentemente Jorge Jesus, mas uma série de reviravoltas dignas de filme de suspense, levaram os brasileiros a tentar Paulo Sousa. Pelo meio, terá havido, conta a imprensa, um jantar de confraternização entre Jesus e os representantes brasileiros. Tudo deu em nada. E, no fim, nem Flamengo nem Benfica terão Jesus como técnico.

7. Easy, Pizzi

Jorge Jesus celebra com os jogadores o jogo entre o Benfica e o Standard Liege (Liga da Europa da UEFA, grupo D) no estádio da Luz, 2020
Jorge Jesus celebra com os jogadores o jogo entre o Benfica e o Standard Liege (Liga da Europa da UEFA, grupo D) no estádio da Luz, 2020 Foto: Getty Images

Qualquer guru da gestão dirá que um líder tem de saber rodear-se de profissionais competentes, com experiência e, no caso do futebol, capazes de exercer controlo sobre as hordas de fanáticos que pretendem derrubá-lo. Na sua segunda encarnação como treinador encarnado, Jesus fez o contrário, ao promover futebolistas novos no clube, e demonstrou o seu desapego pela experiência de jogadores com anos de casa. Pizzi, que o treinador colocou a treinar à parte do restante plantel após uma crise de balneário depois da derrota com o FC Porto, é o derradeiro exemplo das falhas de gestão de RH de Jesus. Os jogadores mostraram-se solidários com um colega de profissão com nove épocas de clube e braçadeira de capitão e recusaram treinar-se em semana de novo clássico com os portistas, desta vez para a Liga. O resultado é este: Jorge Jesus está novamente em período sabático. A história da sua segunda vinda para o Benfica é, mais do que trágica, uma comédia e a radiografia perfeita da paixão portuguesa por homens providenciais. Adeus, Jesus.

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