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E se o seu nome desaparecesse da Internet? Só precisa de 250 mil libras

Limpar a nossa imagem online é uma preocupação diária para pessoas como Khloé Kardashian, Adele e muitos poderosos a nível mundial – mas é possível.

27 de maio de 2021

"Quando uma pessoa quer limpar a sua reputação online, vem ter connosco", diz John Giacobbi, fundador da Web Sheriff, a autoproclamada "maior especialista mundial em policiamento da internet".

 No espaço de apenas algumas horas, John prometeu fazer de mim "a melhor versão que posso ser" (pelo menos online), sinalizando qualquer selfie inestética numa festa do escritório, tweets insensíveis e resultados embaraçosos na pesquisa pelo nome "Samuel Fishwick" (ele dir-me-á se tenho o mesmo nome, por exemplo, que um larápio condenado).

 Se eu estiver disposto a desembolsar até 25.000 libras por mês pelo pacote Ultra High Net Worth da Web Sheriff – tal como Adele, Radiohead ou quaisquer outros dos seus clientes de topo –, a empresa travará batalhas online por mim durante todo o ano.

Adele
Adele Foto: Instagram

 O software utilizado monitoriza a internet em busca de quaisquer menções à minha pessoa que sejam feitas online. Em seguida, a empresa põe em ação a sua inteligência artificial "cease and desist" [ordem de cessação de uma atividade injuriosa, sob pena de ação judicial] (um programa informático que adverte incansavelmente os fornecedores da web de que há uma equipa de advogados prestes a intervir), dirigida aos fornecedores de links enganosos ou incorretos nos principais resultados que surgem no motor de busca da Google quando se pesquisa o meu nome e fazem desaparecer quaisquer imagens ou vídeos pouco lisonjeiros (92% das pessoas não olha para os resultados muito depois da primeira página, diz-me um analista, e 99% nem sequer chega à segunda página) – acionando a sua equipa jurídica sobre qualquer fornecedor de serviços de internet (ISP) que me negue o meu "direito humano" de ter um nível razoável de privacidade.

 A equipa também pesquisa a dark web e limpa as "caches" [área de memória] dos dados acerca de mim. Qualquer pessoa pode enviar um email a um fornecedor de dados e solicitar que seja apagada informação que esse fornecedor tenha publicado sobre ela ["direito a ser esquecido"], nos termos do Regulamento Geral sobre Proteção de Dados [RGPD]. "Mas descobrimos que há websites russos muito nebulosos que tendem a ‘mandar-nos à fava’ a menos que tenhamos por trás uma equipa de advogados".

 Parecer angélico no mundo online é algo que custa dinheiro, especialmente se você for o tipo de millennial [nascidos em 1981 e 1996] pateta que tem vindo a dizer coisas tontas aos seus seguidores digitais durante grande parte da sua jovem vida adulta. Todas as pessoas, "desde os magnatas até aos adolescentes são alvo de ciberbullying", merecem um direito básico à privacidade, diz Giacobbi (no caso de clientes menos abastados, ele oferece serviços pro bono). 

 Não gosta da pessoa online que o mundo vê? Desembolse mais uma ‘pipa de massa’ para um facelift digital. Khloé Kardashian, estrela de TV e influenciadora das redes digitais, 36 anos, acaba de gastar uma pequena fortuna em custas judiciais para tentar – e conseguiu – que fosse eliminada da internet uma foto sua em biquíni junto a uma piscina. Uma das suas assistentes terá alegadamente publicado a foto por engano – a foto não está retocada, o que é mau para a sua imagem – e a sua equipa argumentou que a fotografia infringia os direitos reservados de Khloé Kardashian.

 Não é de admirar. "Numa era em que toda a gente cria conteúdos, no fundo todos são uma marca ou uma potencial marca", sublinha Eric Schiffer, presidente do conselho de administração da consultora Reputation Management Consultants, sediada em Los Angeles. E uma foto pouco glamorosa não se adequa à jovem marca Khloé, o que significa que isso pode penalizar os seus lucros.

Khloé Kardashian
Khloé Kardashian Foto: Twitter

 Se fosse eu a ter fotos embaraçosas em biquíni, poderia pagar a Eric Schiffer uma taxa entre 5 e 10 mil dólares por mês – por cada canal de media social – para me realizar a análise do "ADN da marca" e da "persona pública": um relatório de 30 páginas que me diz aquilo que os meus fãs querem e as perceções mais comuns que têm de mim na internet, e que me apresenta uma estratégia para garantir que os resultados "subótimos" na pesquisa pelo meu nome ("Samuel Fishwick está a usar um casaco de pele verdadeira, de 45.000 libras, enquanto compra bolachas recheadas na Sainsbury’s", por exemplo) são retirados da internet e substituídos por novos conteúdos mais admiráveis que refletem o meu verdadeiro eu – talvez uma série de vídeos TikTok a enfatizar a minha paixão pelo bem-estar animal.

 Se houver um esqueleto no meu armário digital de que me envergonho verdadeiramente, posso recorrer à Reputation Defender. A empresa cobra 250 mil libras pelos seus "Reputation Defender Services" [serviços de defesa da reputação] – um exaustivo solucionador "único" que promete eliminar qualquer reputação digital "negativa" em três meses.

 "Trata-se de uma fusão entre relações públicas e gestão digital", explica Tony McChrystal, o diretor das atividades da Reputation Defender na Europa. Se você for um presidente executivo cuja antiga empresa onde trabalhou foi investigada por fraude, a função de Tony McChrystal é certificar-se de que o seu "curriculum digital" – a primeira página que surge nos resultados do motor de busca da Google – não menciona esse episódio. A equipa de McChrystal irá criar uma vastidão de páginas na rede profissional LinkedIn e remodelar as contas das redes sociais e websites dedicadas ao seu brilhantismo.

 "Basta olharmos para Elon Musk (presidente executivo da fabricante de veículos elétricos Tesla e da empresa de incursão espacial SpaceX) para percebermos que praticamente 50% da reputação de uma empresa pode ser atribuída ao seu CEO", diz McCrystal. "Se questionar as pessoas na rua, ficará surpreendido ao constatar que são poucas as que sabem aquilo que as empresas de Elon Musk fazem. Mas pode atribuir-se o valor de mercado de uma empresa à reputação de um CEO". Quando Musk publica tweets patetas, tais como quando divagou a dizer que "na minha opinião, o preço das ações da Tesla está demasiado alto" ["Tesla stock price is too high IMO"], o valor de mercado da empresa diminuiu em 11 mil milhões de libras.

 "Mas normalmente estamos a lidar com egos que foram fortalecidos através de um grande sucesso, que chegaram àquele nível ao confiarem nesses instintos, por isso metade do desafio é fazê-los perceber de que forma funciona o público online", explica Schiffer. É por isso que lhe pagam tão bem.

 O milhão de clientes de McCrystal ( ou pelo menos os 10% desse milhão que pagam 10.000 libras por ano pelo seu pacote de "privacidade de dados") também podem dormir descansados por saberem que a sua equipa anda a remover e a limpar os "mais de 100" websites mundiais de intermediação de dados – as águas paradas da internet, onde a informação sobre si, como a sua idade, morada e estado civil, é comprada e vendida.

 Eles percorrem as funcionalidades de segurança, verificam todos os posts passados que foram publicados nas redes sociais e assinalam qualquer problema que possa vir a lume mais tarde e que deve ser removido já. Veja-se, por exemplo, o caso de Alexi McCammond, uma jovem de 27 anos que tinha acabado de ser apontada como a nova editora da Teen Vogue – até que alguém desenterrou tweets que ela tinha publicado aos 17 anos. "És tão gay", diz um desses tweets de 2011. Foi despedida. "O que para uma pessoa é uma piada, para outra pode ser uma grande ofensa", afirma McCrystal. 

 É verdade. Após o pico da primeira vaga de influenciadores em 2015, uma agência de talentos descobriu que apenas uma influenciadora da sua equipa é que tinha conseguido evitar publicar tweets que poderiam ser considerados racistas.

 "Muitas vezes você precisa que alguém faça uma retrospetiva e observe a sua pegada online de maneira objetiva", diz Sara McCorquedale, autora de Influence: How Social Media Influencers Are Shaping Our Digital Future. "Desde os confinamentos que há um foco muito maior na presença digital, pois tudo transitou para o online, e mesmo as celebridades agem agora como influenciadoras porque as pessoas estão a utilizar as plataformas de uma maneira muito mais comercial e substancial".

 A sua reputação online vale o seu peso em receitas – por isso, compensa levar um xerife [alusão à Web Sheriff] até à cibercidade. Como é que eu sou visto?, pergunto a John Giacobbi. Há mais de 700 imagens de mim online "se bem que sejam, na sua maioria, favoráveis", diz-me, ao mesmo tempo que me sinto aliviado por ouvir que o meu "rasto digital" não é atualmente popular "no setor ‘adulto’" (ou seja, não há vídeos de sexo comigo, basicamente).

 O maior risco, diz Giacobbi, é a "ciberespeculação" ["cybersquatting" – nomes de domínios, como SamFishwick.com, que podem "cair nas mãos erradas" e denegrir o bom nome Fishwick]. Por isso, John Giacobbi comprou um domínio com o meu nome, num "gesto de boa vontade". Aparentemente, não há muito com que me preocupar "devido ao facto de não ser uma lenda do rock nem uma estrela de Hollywood", diz-me. Não sou, mas só por enquanto.

 Samuel Fishwick/The Telegraph/Atlântico Press

Tradução: Carla Pedro

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