Como a pandemia fez crescer o adultério
Flirtar através de sms, andar “à caça” nos sites de encontros, entusiasmar-se online… Sem que se passe verdadeiramente ao ato, engana-se o tédio ou testam-se os limites de um casal, e abre-se uma janela para os desejos mais profundos.
O tédio, os dias que pareciam não ter fim, a vida limitada às dimensões de um apartamento parisiense de 30 metros quadrados: por altura do anúncio do reconfinamento em França, no passado dia 28 de outubro, Arthur sentiu um profundo desgaste. E também alguma excitação. Tal como tinha sucedido aquando do primeiro confinamento, Laura, a sua companheira, decidiu ir para casa dos pais no campo. "Disse a mim mesmo (…) que iria experimentar seduzir livremente na Internet", confessa o jovem de 29 anos. A ideia era adular o seu ego perturbado pela solidão ou reprimir a sua angústia? De qualquer das formas, o isolamento levou Arthur a partir virtualmente as trancas da monogamia tradicional. "Estou bem com a Laura, mas, neste período angustiante, sinto necessidade de arejar as ideias. O Tinder é o meu único espaço de liberdade".
Recordes no número de conexões
Ao condenar-nos a todos ao distanciamento social, o confinamento limitou as nossas interações. As reuniões são realizadas, na sua maioria, por mensagem instantânea. Beber um copo com companhia é algo que se faz por vídeo. A infidelidade não foge à regra. As conversas ambíguas já não surgem nos recantos dos bares, mas vivem-se às escondidas no smartphone. "Há muito tempo que os ecrãs são suportes do adultério", diz Michael Stora, psicólogo e cofundador do coletivo francês OMNSH (Observatoire des Mondes Numériques en Sciences Humaines – Observatório dos Mundos Digitais em Ciências Humanas). "Mas numa situação tão stressante como a da pandemia de covid-19, a profusão das tentações assume uma forma de ‘felicidade virtual’ que permite por vezes suportar a realidade. Saltitar por entre pessoas na Internet é algo que apaga temporariamente os nossos afetos negativos".
Assim, os sites de encontros tornaram-se o disfarce para as pequenas seduções do dia-a-dia. "Não esperávamos isto, mas registámos um aumento recorde das conexões e das inscrições no primeiro confinamento", diz Solène Paillet, diretora de comunicação da Gleeden Europe. Entre 17 de março e 11 de maio, o site especializado em adultério viu o seu tráfego disparar 260% e o seu número de inscritos subir mais de 170% em França. O mesmo aconteceu com o Tinder. O número de swipes – comando gestual que consiste em arrastar o ecrã para selecionar um perfil – aumentou 42% no pico do período de confinamento. Neste caso, o 19 de abril foi o dia de mais "tagarelice". Nesse dia, os utilizadores enviaram em média 72% mais mensagens em relação ao início do mês de março. As formas de utilizar a aplicação evoluíram: agora, também se pode conversar via videochamada. Todos os concorrentes do Tinder oferecem esta mesma funcionalidade, que tem um sucesso cada vez maior.
Um trunfo para suportar este período
A vontade de comunicar, em todas as circunstâncias, de testemunhar o que se sente perante um acontecimento inédito, leva algumas pessoas a voltarem-se para os seus passados amorosos. Segundo um estudo realizado no fim de março junto de 1.400 pessoas, por investigadores da Universidade do Indiana, EUA, 25% dos inquiridos disse ter voltado a contactar um(a) ex.
Rose, designer gráfica parisiense com 33 anos, enveredou por esse caminho. A partir de 18 de março começou a trocar mensagens com Maxime, sem o conhecimento de Tom, o seu atual companheiro. A cumplicidade de outrora renasceu muito rapidamente. As mensagens escritas quebram a monotonia do quotidiano. As interações virtuais tecem a teia de uma vida paralela empolgante e com novas cores.
A jovem telefonava às escondidas e enviava fotos sexy enquanto o seu companheiro estava numa videoconferência na sala ao lado. "O confinamento, para muitos, fez da comunicação pela Internet um aspeto incontornável. A Internet tornou-se um poderoso trunfo neste período", sustenta Valérie Charolles, investigadora em Filosofia no Institut Mines-Télécom e autora do livro Philosophie de l'écran (Éditions Fayard).
As dissimulações usadas por Rose apimentaram a sombria vida à porta fechada com Tom. Essas artimanhas também revelaram à jovem as insuficiências do seu atual companheiro. "Cheguei a culpabilizar-me, mas a presença permanente do Tom irritava-me. Aquele jogo de sedução com o Maxime era a minha válvula de escape", recorda-se.
Desgaste, nervosismo, promiscuidade: esta combinação produz, nos casais confinados, um efeito ampliador que está longe de ser sempre prazeroso. As manias do outro já não são enternecedoras, os seus hábitos tornam-se insuportáveis. Os ataques de irritação escalam até aos inevitáveis conflitos. À medida que a imagem do companheiro se vai corroendo, o edifício do casal, que se julgava inafundável, começa a rachar. "O casal urbano do século XXI não está habituado a passar todo o seu tempo em conjunto", sublinha Valérie Charolles. "Por norma, os dois elementos do casal trabalham fora de casa. Cada um pode ter uma vida social própria. O confinamento impõe a fusão das nossas diferentes identidades e revela ao mesmo tempo a nossa necessidade de autonomia. O sentimento de intrusão do outro na nossa esfera mental pode ser muito difícil de gerir".
Uma transgressão estimulante
Isabelle, uma contabilista com 45 anos, encontrou uma escapatória nas conversas com Hervé, um dos seus colegas, na plataforma Zoom. Muito rapidamente, as interações profissionais ganharam uma nuance mais íntima. "Entre atentados e o reconfinamento, eu não me sentia bem", desabafa Isabelle. "Tinha a sensação de que já não controlava nada, de desempenhar um papel secundário num filme-catástrofe. Com o Hervé, recuperei um pouco de leveza e de confiança em mim mesma. Sentia-me compreendida".
Psiquiatra, refinado observador da vida conjugal e autor do livro Le Nouvel Ordre sexuel (Éditions Kero), Serge Hefez comenta: "Nós acreditamos, com demasiada frequência, que ter um parceiro é algo que pode preencher todas as necessidades de um indivíduo. Num contexto em que uma pessoa tem o seu cônjuge ali mesmo ao lado, falar sobre os pensamentos mais íntimos com outra pessoa é uma transgressão estimulante". O telefone impõe-se, assim, como o último bastião da nossa independência, o jardim secreto das nossas vidas estáticas. "É um objeto transicional, um boneco de peluche", reforça Michael Stora. Torna-se uma extensão de nós mesmos. No fundo, o digital funciona como a ligação ao outro, mas também absorve a nossa solidão. Por força de tanto se percorrer o ecrã, às vezes perde-se o contacto com a realidade".
Neste universo onírico, o imaginário alimenta a fantasia. Sem contacto físico, apenas resta a sensualidade da voz, o som de uma mensagem a entrar, a excitação perante uma fotografia. É difícil, neste contexto, considerar que existe uma real infidelidade. "A infidelidade virtual é cerebral. Muitas vezes só existe na cabeça de quem está a vivê-la", resume Michael Stora. E nas entranhas do seu telefone.
Reencontrar a vitalidade do desejo
De tanto ver a sua companheira permanentemente colada ao smartphone, Tom, o parceiro de Rose, começou a ficar com dúvidas. E depois vasculhou o telemóvel dela. A traição foi revelada e o casal coabitou num ambiente de "cortar à faca", apesar de Rose ter parado de falar com Maxime. "Sem o estímulo do fruto proibido, as conversas com ele perderam todo o interesse", reconhece Rose. "Por outro lado, ficou tudo em pratos limpos com o Tom e falámos da nossa relação de coração aberto. Paradoxalmente, este episódio acabou por nos reaproximar".
Serge Hefez confirma: "O facto de enfrentarem uma dura prova juntos permite construir uma nova forma de ligação, reinventar a solidariedade em conjunto. As infidelidades virtuais, quando não se transformam em verdadeiras histórias de amor, podem acabar por servir o casal. Uma pessoa que se distancia do seu companheiro consegue conquistar espaço mental. E é possível, nessa altura, voltar a impregnar a relação com a vitalidade do desejo".
Ao distanciarmo-nos, reencontramo-nos. Ao confiarmos noutra pessoa, descobrimo-nos a nós mesmos. Uma viagem interior que nos mergulha nos segredos das nossas identidades, longe do espartilho das nossas vidas imobilizadas.
Créditos: © Leslie Rezzoug/Madame Figaro
Tradução: Carla Pedro
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