À beira de um ataque de nervos?
Alegria e melancolia, família e solidão, afectos e sobressaltos. O espectro emocional do Natal oscila entre o reconfortante e o exasperante, mas há pistas seguras para manter o equilíbrio (até para os mais stressados). Fomos recolher testemunhos e ouvir especialistas.
Quando, numa conversa de circunstância, alguém perguntou com uma ponta de ironia "Mas os homens também stressam no Natal?" as respostas começaram a saltar como pipocas numa panela. Umas menos doces do que outras e as opiniões dividiram-se. Calei-me. Segundos depois, eu era assaltada pela memória do Natal passado. Já passava das três da tarde da véspera do Dia de Natal quando o meu marido, semblante relaxado de quem está, finalmente, a desfrutar de uma merecida pausa de final de ano, pegou no casaco e nas chaves do carro e disse: "Já volto. Vou só ali fazer umas compras." Eu, com uma bebé com menos de dois meses no colo, a ceia por preparar, os convidados prestes a chegar e as hormonas em plena revolução, senti que só podia ser uma alucinação resultante da privação de sono. Respirei fundo. "Como assim, compras?" Voltou, umas horas depois, com o porta-bagagens cheio e o plafond do cartão de crédito vazio. Stress? Nada disso. É Natal, é Natal!
O exemplo não tem pretensão de ser paradigmático. Pelo contrário. Uma pesquisa rápida na Internet confirma, com dados estatísticos incluídos, a ligação entre as palavras Stress e Natal. Um estudo de 2015, realizado pelo Healthline, um site de saúde norte-americano citado pelo departamento de Neurobiologia da Harvard Medical School, avançava que 62% dos inquiridos admitiam ter níveis elevados de stress durante o período de festas. Um outro estudo, também de 2015 (levado a cabo pelo especialista em finanças Think Finance e divulgado pela cadeia de televisão norte-americana NBC News), adiantava mesmo que 45% dos norte-americanos dispensavam este período de celebração, preferindo passar directamente para os primeiros dias do novo ano. Tão stressante como correr uma maratona (sim, é mesmo verdade, há outro estudo a comprová-lo), o Natal é uma época particularmente exigente: os presentes, os preparativos, os familiares, os excessos. E, no princípio de tudo, as expectativas.
Sempre que pensamos em Natal, o cérebro encarrega-se de nos providenciar um portefólio de imagens perfeitas: a família reunida em torno de uma mesa farta. Os presentes espalhados em redor da árvore iluminada. Aquele primo querido que chega de longe, saudoso. A sensação de aconchego e de calor perfeitamente enquadrada pela janela decorada com flocos de neve. E quando a experiência pessoal, por algum ou vários motivos, não nos deu este tipo de arquivo afectivo, a publicidade encarrega-se de fazê-lo: basta ligar a televisão e lá estão os anúncios a hipermercados com os clichés do costume. "As expectativas são certamente o motor central do stress e da frustração que tantas vezes se experiencia no Natal", confirma Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica e coach profissional, para quem aproveitar o melhor da época implica aceitar a realidade tal como ela é, sem conotações positivas ou negativas, mas "simplesmente encarando-a de frente e tornando-a o melhor possível". E isso passa por aceitar que, muitas vezes, a nossa realidade não é a tal dos anúncios televisivos. Se o Natal ainda é sinónimo de família, a família já não se resume apenas ao modelo clássico, o que implica alguma elasticidade mental e emocional. Pedro Lima, actor, de 47 anos, tem uma experiência ampla o suficiente para falar do assunto com propriedade. Filho de pais separados, confessa que cresceu a sentir algum stress por nem sempre poder celebrar a quadra onde queria e como queria. Mais tarde, viu-se ele próprio na posição de um pai separado impedido de viver o Natal em sintonia com os valores da quadra, mas com o tempo formou uma nova família e, com ela, vieram novos rituais: "Desde então, eu tenho como preocupação proporcionar a todos momentos de alegria e não stressar ninguém. Há alguns períodos de stress para estar tudo organizado, mas são marginais quando comparados com todo o período de harmonia que normalmente se vive em nossa casa." Casa cheia, diga-se. Além do primogénito João Francisco (filho do seu primeiro casamento), Pedro tem quatro filhos (Emma, Mia, Max e Clara) com Anna Westerlund. "Montamos a árvore de Natal sempre todos juntos. Fazemos umas bolachas de gengibre e uns caramelos que deixamos ao Pai Natal. Dia 24 celebro exclusivamente com a minha mulher e com os quatro filhos mais novos, abrimos um presente antes do jantar, comemos fondue e dançamos depois do jantar até ao momento da visita do Pai Natal. No dia 25 celebramos com a família alargada e o meu filho mais velho junta-se a nós. Casamos a gastronomia portuguesa com a sueca e somos uns 30 à mesa. Às vezes, inventamos umas performances para melhorar ainda mais a disposição."
O Natal é uma altura particularmente exigente para o chef José Avillez que gosta de manter bem viva a tradição: "Em criança, eu adorava ver as mesas cheias de pratos natalícios, os avós ainda lá em casa, as histórias engraçadas de família que se contavam e os presentes que chegavam no fim da noite. Mas confesso que o que me interessava mais era o jantar e a ceia." Hoje, a sua grande preocupação é a de criar boas memórias para os filhos. De preferência, com o stress bem afastado do quadro familiar. Habituado a um ritmo intenso de trabalho, ao longo de todo o ano, admite ter várias estratégias para libertar tensão (o exercício físico, as oito horas de sono, as fugas em família) e diz contar com uma equipa experiente e profissional que o ajuda a atravessar a época sem grandes sobressaltos. E, claro, não dispensa a ajuda preciosa da mulher, responsável pela compra dos presentes. O que nos leva ao outro lado da moeda… Serão as supermulheres o elemento que retira pressão à equação doméstica do Natal? "Tudo o que envolve família e afectos sobrecarrega mais as mulheres, menina", assegura-me, carinhosamente, Júlio Machado Vaz. Tentei ir mais longe, averiguando junto ao experiente psiquiatra e sexólogo se haveria razões específicas para o stress masculino: "Do que ouço, temos tendência para deixar a compra dos presentes para a última hora e os pedidos das mulheres que fazem girar a engrenagem também. E depois lá vêm uns stressantes ‘puxões de orelhas’…", graceja. A psicóloga Filipa Jardim confirma a suspeita com a frieza da estatística: "Alguns dados, como os provenientes de uma investigação da Associação Americana de Psicologia, têm evidenciado que as mulheres tendem a experienciar maiores níveis de stress no Natal, tendo maiores dificuldades em relaxar e em desfrutar desta época do ano. Apesar de todas as evoluções sociais a que assistimos nas últimas décadas, a verdade é que as mulheres ainda asseguram o dobro do trabalho doméstico e do cuidado dos filhos em relação aos homens, mesmo quando trabalham a tempo inteiro fora de casa. Assim, na época de Natal, a par de todas as tarefas e responsabilidades habituais que têm, somam-se as compras e embrulhos de prendas para a família e amigos, as decorações, os cartões natalícios, as refeições caseiras especiais, as surpresas e a limpeza acrescida." Cansados? Elas não: "É realmente por tantas vezes assumirem o comando e ficarem com a maior parte das tarefas inerentes ao espírito de Natal que o stress tende a ser superior. Tudo isto, naturalmente, com a expectativa de estarem sempre bem-dispostas, bonitas e bem-arranjadas." Já os homens, explica a especialista, stressam particularmente com as compras e com a gestão do orçamento familiar. Elas mais perfeccionistas (e mais gastadoras), eles mais práticos (e relaxados).
Como Pedro Rodrigues, de 43 anos, director de cena no Centro Cultural de Belém (e, há que dizer, um dos meus amigos mais chegados). Sempre que lhe ligo na tarde do dia 24 de Dezembro encontro-o na cozinha, imerso nas suas actividades favoritas: cozinhar e ouvir música (Frank Sinatra é um dos clássicos do seu Natal). É sempre ele que assegura a ementa da Consoada para toda a família. E, no caso, toda é mesmo toda: "Eu recordo-me do ano em que comprei um livro de culinária, que adoro, A Cozinha Ideal, de Manuel Ferreira. É um livro com receitas fantásticas, creio que dos anos 40, ou seja, de um tempo em que não havia margarinas ou óleos alimentares. Como estávamos no Natal, decidi fazer bolo-rei e sonhos, mas as doses eram muito generosas e devo ter cometido algum erro nas medidas. Resultado? A massa do bolo-rei cresceu tanto que transbordava do alguidar… Dava para sustentar uma pastelaria. Em relação aos sonhos, terei feito mais de mil e, não contente, ainda fiz um panelão de creme de pasteleiro para os rechear... Depois, passei a tarde a telefonar a familiares, a pedir-lhes emprestado o forno para cozer os bolos-reis. Acabou por ser um presente original, com direito a entregas ao domicílio." Mas, claro, sem stress. Até porque cozinhar é terapêutico.
A palavra maldita também tem sido progressivamente banida do dicionário do director criativo do projecto O Apartamento, Armando Ribeiro, de 46 anos. Solteiro e sem filhos, há muito que redefiniu a sua ideia de perfeição. Existem natais perfeitos? Existem famílias perfeitas?, pergunta-me, com a sua calma habitual. "Com o passar do tempo, o Natal passa a ter um simbolismo diferente em comparação com a época em que éramos crianças. Não considero isso mau ou triste. Pelo contrário, eu acho que se há coisa que aprendemos ou deveríamos ter aprendido, é que Natal deve ser todos os dias e devemos tratar bem todas as pessoas com respeito, com carinho e com atenção." Essa, para ele, é a verdadeira magia do Natal. E quando assim é, abre-se espaço para novos rituais: "Há muitos anos que viajo nesta época. Nos últimos anos fui à India, ao Japão, a Bali e a Singapura, entre outros destinos. Gosto de viajar nessa altura porque, para mim, simboliza também o fecho do ano. E também gosto de iniciar o novo ano num lugar desconhecido e procuro sempre algo de novo que simbolize uma descoberta. Este ano irei novamente para a Índia." A psicóloga Filipa Martins da Silva corrobora a eficácia da ideia: "A cada ano e à medida que nos desenvolvemos, temos a oportunidade de construir um Natal que nos faça sentido, mais do que compararmos o que vivemos com o que poderíamos idealmente viver ou com o que já vivemos no passado. O grande desafio é esse: viver um Natal feliz, construindo a cada ano a nossa própria definição de felicidade, de acordo com a fase de vida e as nossas circunstâncias." Mesmo quando essas circunstâncias implicam ausência, perda ou dor: "O Natal é uma ocasião para gozar a companhia da família e isso não tem preço. Há factores inevitáveis – saudades, preocupação pelos que amamos, o desejo de que tudo corra pelo melhor. Mas é preciso não nos deixarmos enredar pelos aspectos secundários que nada acrescentam ao espírito da quadra", explica Júlio Machado Vaz. Mesmo quando há melancolia à mistura: "[As memórias] dos natais em casa dos meus avós sentam-se sempre a meu lado e uma ou outra rabanada torna-se agridoce. Mas uma piada dos meus netos resolve a questão e eu convenço as recordações a esperarem pela Consoada tardia que sempre lhes reservo, sozinho. Guardo a nostalgia para o regresso a minha casa. A sala enche-se de fantasmas, os sorrisos das fotografias alargam-se e eu conto aos que já partiram como vão os garotos… À minha mesa há sempre lugares vazios e dolorosos, mas não podemos deixar que as saudades estraguem a satisfação dos mais novos que nos enchem de ternura." Porque aos olhos de uma criança, o Natal será sempre uma festa. Mesmo que, para trás, tenham ficado semanas de stress.
Natal sem stress
Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica e coach profissional, alinha as estratégias fundamentais para (tentar) eliminar o stress do Natal.
- Em primeiro lugar, importa que se reserve algum tempo para se reflectir sobre os valores fundamentais no nosso Natal do ano corrente, para então definirmos prioridades e estabelecermos um plano. O que é mais importante e a que queremos dedicar mais tempo e energia?
- Criar um orçamento com um limite de despesas, bem como antecipar as compras evitando a azáfama dos últimos dias. Com algum planeamento, é possível poupar-se tempo e dinheiro e, ao mesmo tempo, personalizar-se mais as prendas, investindo assim mais nos afectos e menos nos bens materiais. Presentear alguém não implica necessariamente gastar dinheiro ou, pelo menos, não implica gastar muito dinheiro.
- A partilha de tarefas em família é uma mais-valia para se garantir que ninguém fica assoberbado e que todos conseguem desfrutar desta época.
- Ter a capacidade de valorizar mais o que se tem e menos o que está em falta. A gratidão deve ser servida abundantemente nesta época do ano. Mais do que a mágoa ou o negativismo.
- Falar com a família com algum tempo de antecedência para que se possa, ano a ano, desenhar um Natal que sirva a todos, de acordo com os desafios de vida presentes. Para tal, impõe-se diálogo e cooperação.
- Se, por algum motivo, a distância imperar, poderá ser uma alternativa integrar-se celebrações natalícias comunitárias.
- O autocuidado e a auto-observação assumem-se fundamentais para garantir uma boa gestão emocional numa época do ano que pode ser propensa a emoções mais intensas e desafiantes.
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