Jeep: 80 anos e nem uma ruga
Já aqui tínhamos escrito: 2021 é um ótimo ano para efemérides automóveis. Há oito décadas nascia, em contexto de guerra, um carro que se tornou uma marca, uma categoria de veículos e uma tendência automóvel: Jeep, o indestrutível, o vencedor da II Guerra Mundial, o que passa por cima de toda a folha.
Um breve enquadramento histórico
1940: apesar da pouca vontade da opinião pública americana, era mais ou menos inevitável que os EUA viessem a entrar na II Guerra Mundial. Os combates em curso na Europa, com o avanço imparável das tropas alemãs, iam eliminando rapidamente – não foi à toa que se lhe chamou "blitzkrieg", guerra-relâmpago – um a um, a resistência de diversos países, até restar apenas a Grã-Bretanha. Mau grado uma lei "anti-combate-na-Europa" (resquícios do primeiro conflito mundial) que lhe impedia qualquer envolvimento militar extra-fronteira, o presidente Franklin Delano Roosevelt pouco mais podia fazer do que dotar as forças armadas americanas de equipamento atualizado, e isso incluía um novo veículo 4x4 de reconhecimento, barato de produzir e prático de utilizar em qualquer tipo de terreno.
Com base nos desenhos do engenheiro Karl Probst (americano, apesar do nome), três construtores – Bantam, Willys e Ford – produziram 1500 exemplares cada do novo modelo, introduzindo-lhe cada um as modificações que acharam pertinentes, e submeteram-nos a testes exigentes levados a cabo pelo exército.
O ‘design’ vencedor foi o da Willys, que ganhou o concurso para a produção, ficando a Ford como segundo fabricante – no fim de contas, era preciso assegurar volumes de fabrico que poderiam ser impossíveis de cumprir por um só fabricante.
A 15 de julho de 1941 (menos de cinco meses antes do ataque japonês a Pearl Harbor ditar a entrada dos EUA na II Guerra Mundial), Washington entregava o contrato de encomenda a ambos os fabricantes. Até ao final do conflito, em 1945, quase 650 mil "jeeps" seriam construídos.
Nome de origem protegido
Há duas teorias – aliás, três, mas uma é, digamos, um pouco mirabolante – para o nascimento do nome "jeep": a primeira, e mais popularmente aceite, poderá ter sido a aglutinação do termo "general purpose" (numa tradução liberal, "pau para toda a obra") cujas iniciais em inglês se pronunciam "djipi" – daí até "jeep" poderá ter sido um saltinho.
Outra teoria refere que o termo "jeep" já era usado na I Guerra Mundial para identificar um soldado caloiro, inexperiente, acabado de se apresentar na frente de combate; mas também se aplicava a uma qualquer peça de equipamento, nas mesmas circunstâncias, acabada de chegar ao teatro de guerra. O novo carro encaixava bem nesta teoria, já que era um equipamento ainda pouco testado e que tinha que ser sujeito a algum trabalho de preparação.
Por último, a terceira e talvez menos verosímil teoria refere a personagem Eugene the jeep, uma criatura meio animal, meio mito, que apareceu em 1936 na banda desenhada de Popeye, o Marinheiro. Segundo a descrição na própria tira de BD em que "nasceu", o jeep é "pequeno, capaz de se movimentar entre diferentes dimensões e de resolver problemas aparentemente impossíveis" (sic). Talvez isto tenha levado os primeiro soldados que tomaram contacto com o novo carro a adotar este nome...
Especificações técnicas do jeep Willys
Comprimento de 3.36 m por 1.57 m de largura e 1.32 m de altura mínima (1.77 m com a capota colocada).
Altura ao solo: 22 cm.
Peso: 1113 kg.
Carga útil: 540 kg (estrada) ou 360 kg (em todo-o-terreno).
Lotação: 3 a 4 lugares.
Motor: Willys 4 cilindros, 2200 cm3, a desenvolver 54 a 60 cavalos.
Caixa de 3 velocidades + marca atrás + 2 relações de redução.
Depósito de gasolina de 57 litros e autonomia de 483 km.
Velocidade máxima: 105 km/h.
Pós-guerra: nova vida, nova marca
Entretanto, em 1943 tinha sido constituída uma empresa que receberia os direitos de fabrico logo que o grande conflito terminasse. De imediato pediu a patente do nome e do logo – e se o nome jeep se tinha instalado definitivamente como veículo de todo-o-terreno para fins militares, o mesmo nome mas com maiúscula (Jeep) passaria a designar uma nova marca. Assim, depois de 1945, o Jeep continuou a ser fabricado nos EUA para fazer face ao esforço militar de reconstrução dos principais teatros de guerra, por parte dos americanos e dos seus aliados. E viu também ser-lhe adicionada uma nova versão denominada CJ (‘civilian jeep’): o CJ5, parente mais velho do Wrangler, modelo ainda em produção.
Com o fabrico do modelo militar a ser posteriormente assegurado por terceiros – França, Brasil e outros países, até mesmo o Japão – ao abrigo de licenças de montagem, o esforço da Jeep virou-se definitivamente para o mercado civil, com os anos 50 e 60 a verem nascer novos modelos que, mantendo linhas de raiz mais ou menos semelhante e inspiradas no Willys original, alargaram a oferta da marca a um mundo que começava a viver anos gloriosos de paz e crescimento económico.
Mudança de dono – tantos donos...
A Jeep viria a ser vendida em 1953 ao conglomerado Kaiser-Frazer, que 17 anos mais tarde, em 1970, a venderia à AMC – American Motors Corporation. Esta seria comprada em 1987 pelo gigante Chrysler, um dos ‘Big Three’ (juntamente com a Ford e a General Motors). Com a fusão da Chrysler e da Mercedes em 1998, e posterior "divórcio" em 2007, seguir-se-ia a junção à Fiat em 2014, que se fundiu, já este ano, com o Grupo PSA (Peugeot-Citroën-DS), criando a Stellantis. Nesta, a Jeep continua a gozar de autonomia e de um interesse muito especial por parte dos novos acionistas, que vêem na marca americana um ícone do Automóvel, com uma invejável história e um percurso único. Mas tem que dar lucro...
E o futuro, a quem pertence?
A incógnita bate à porta. As tendências mais recentes parecem condenar marcas que não sigam os novos ventos da mobilidade sustentável, que não reajam às alterações de comportamento dos mercados e dos clientes-alvo, e que não sejam capazes de fazer a transição dos combustíveis fósseis para outros mais ecológicos. A Jeep, jovem de 80 anos, depara-se com um dilema: adaptar-se e evoluir, integrada num grande grupo e fazendo uso das vantagens inerentes – a Stellantis é o sexto maior fabricante automóvel do mundo – ou permanecer agarrada a um conceito convencional do Automóvel, correndo o risco de estagnar, de parar... e morrer.
A presente adoção de motorizações híbridas nos vários modelos que compõem a atual gama Jeep indica que o aviso foi recebido e entendido, e que o rumo é o correto. Veremos como reagirá o mercado.
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Já aqui o havíamos afirmado: 2021 é um belo ano para efemérides automóveis. E esta é uma das mais importantes.
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