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Guia para não especialistas: todos os detalhes que fazem a diferença na hora de beber whisky

Sabe por que motivo devia sempre olhar para o teor alcoólico do whisky antes de o beber? O grau alcoólico não é uma mera constatação de quantidade e revela muito sobre o método e a qualidade da produção. É um dos pequenos "segredos" que vamos revelar neste guia para conhecer melhor os diferentes estilos e regiões de whisky escocês.

Foto: Pexels
14 de março de 2025 | Bruno Lobo

Há 100, 150 anos, todos os whiskies escoceses tinham um toque fumado. Como não havia muitas árvores na Escócia, a turfa era o combustível mais fácil e acessível, e é a turfa que liberta esses aromas tão característicos. Diferentes turfas produziam diferentes sabores, contribuindo para a identidade de cada região. Mais tarde, a expansão dos caminhos de ferro trouxe outros combustíveis, como o carvão, levando as destilarias a abandonar a turfa e alterando, de facto, o sabor característico dos seus whiskies. Quem não mudou, nessa altura, foi porque estava mais isolado, como as ilhas de Islay ou Skye. Hoje, evidentemente, "a opção de utilizar maltes fumados é uma decisão consciente e um traço distintivo de cada whisky", explica Seb Kracun, da House of Scotch.

Seb Kracun
Seb Kracun Foto: DR

Seb é um escocês radicado em Portugal e está a dinamizar uma série de masterclasses sobre whisky no Kissaten, o novo bar do hotel Locke Santa Joana. Um espaço que está rapidamente a afirmar-se como ponto de paragem obrigatório para os amantes de whisky. Ou de música, porque também tem uma aparelhagem de som soberba.

Kissaten, no hotel Locke Santa Joana. À imagem dos bares japoneses, um local obrigatório para os amantes de whisky e de boa música.
Kissaten, no hotel Locke Santa Joana. À imagem dos bares japoneses, um local obrigatório para os amantes de whisky e de boa música. Foto: @CHARLIEMCKAY

Seb explicou-nos por que razão olha sempre para o volume de álcool no whisky e prefere bebidas com 46% ou mais de teor alcoólico. Isto porque a maioria das destilarias que não filtram os seus whiskies opta por engarrafá-los com esse valor ou acima. Abaixo desse patamar, o whisky tem de ser filtrado para não ficar turvo. "Em princípio, os whiskies não filtrados têm um sabor mais complexo e autêntico, assim como uma cor mais natural. É verdade que a maior parte das pessoas não repara nessas coisas, mas nós, os geeks, damos-lhes muita importância", continua. E é por isso que vamos encontrar vários whiskies que destacam essas informações – o volume de álcool e o facto de serem non chill filtered – no rótulo.

Mas, antes ainda, quisemos saber o que contribui mais decisivamente para o caráter final da bebida: o malte? A destilação? Os cascos onde envelhece ou o tempo que demora? Seb Kracun veste a pele de Marco Bellini para responder: "É tudo". 

A destilação é obviamente importante. O formato do alambique, a sua altura, a inclinação da conduta, o número de destilações, tudo isso influencia o perfil do whisky, determinando se será mais ou menos encorpado, suave ou intenso.

Os famosos alambiques da Glenmorangie, altos como uma girafa.
Os famosos alambiques da Glenmorangie, altos como uma girafa. Foto: DR

Depois, temos o tipo de carvalho dos barris, que "é mais importante para influenciar o sabor do que propriamente a sua utilização prévia". Ou seja, pode ter servido para envelhecer Bourbon, Jerez ou Porto, mas nenhuma dessas bebidas vai marcar o whisky tanto como o facto de ser carvalho americano ou francês. O primeiro, de longe o mais utilizado, contribui para criar um whisky mais leve, doce e frutado; o segundo, para um whisky mais complexo e rico em aromas e cor.

O whisky a envelhecer em barris na Macallan.
O whisky a envelhecer em barris na Macallan. Foto: DR

A cevada

Pode soar estranho aos apreciadores de vinho, mas a proveniência dos cereais não é considerada essencial na produção de whisky, e são raríssimas as destilarias que cultivam a sua própria cevada. Isso levou a uma certa uniformização das características da cevada, explica Seb, ao ponto de não ser vista como determinante para o resultado final. Ainda assim, acrescenta, "estamos a assistir a um contramovimento que procura fazer renascer algumas cevadas ancestrais, com mais impacto no sabor, e a destilarias que insistem em produzir a sua própria cevada". Entre essas raras exceções estão Kilchoman, Arbikie e Ardnamurchan.

O tipico 'Pagode' na Laphroaig.
O tipico 'Pagode' na Laphroaig. Foto: DR

Pagodes

O telhado com chaminé em forma de pagode é, provavelmente, o símbolo mais facilmente associado a uma destilaria – ainda que muito poucas sequem atualmente os seus próprios maltes. É nesse processo de secagem, em forno, utilizando a turfa como combustível, que os whiskies adquirem essa distinta característica fumada (pelo menos alguns).

Por ser um processo moroso e dispendioso, a maioria das destilarias prefere recorrer a empresas especializadas na produção de cevada maltada. Mesmo as poucas que ainda o fazem raramente produzem para suprir a totalidade das suas necessidades. É o caso de Balvenie, Bowmore, Highland Park, Glenfarclas ou Laphroaig, que mantêm uma percentagem de produção interna. Quase todas usam gás para alimentar o forno, em vez de turfa, embora possam recorrer à turfa durante algumas semanas por ano para produzir lotes mais fumados. Dunphail, Kilchoman e Springbank, por outro lado, são algumas das raras destilarias que fazem todo o processo de malteamento in house.

O Kiln (forno) para secar a cevada maltada na Springbank.
O Kiln (forno) para secar a cevada maltada na Springbank. Foto: DR

As 5 regiões do whisky escocês

Na Escócia, existem cinco regiões demarcadas, cada uma com um estilo distinto, influenciado pelo clima, pela geografia e pelos métodos de produção locais. No fundo, o seu terroir. As regiões são:

Highlands – Ocupa toda a parte norte da ilha e é a maior em área, sendo também a mais diversa em estilos. Aqui produzem desde whiskies mais leves a maltes salgados, junto ao mar e às ilhas. Ainda assim, pode dizer-se que a maioria é encorpada, com notas de mel, especiarias ou frutas secas.

Exemplos: Glenmorangie, Dalmore, Oban, Blair Athol.

Destilaria Glenmorangie.
Destilaria Glenmorangie. Foto: DR

Speyside – Geograficamente inserida nas Highlands, mas fortemente marcada pelo rio Spey, esta região tem características próprias e concentra o maior número de destilarias da Escócia. É conhecida por produzir whiskies ricos e frutados, com sabores a maçã, pera, mel, baunilha e especiarias. Muitos são envelhecidos em barris de Jerez.

Exemplos: Macallan, Glenfiddich, Balvenie, Glenfarclas.

Lowlands – A parte sul do país produz whiskies geralmente mais suaves e elegantes. Gengibre, caramelo e canela são alguns dos descritores mais associados a esta região, sendo os seus whiskies uma ótima escolha como aperitivo.

Exemplos: Glenkinchie, Ardgowan, Rosebank, Auchentoshan.

Islay – Uma ilha mágica, reconhecida pelos seus whiskies intensamente turfados e fumados, com uma salinidade característica e aromas a iodo e algas marinhas, devido à proximidade com o mar.

Exemplos: Laphroaig, Ardbeg, Lagavulin, Bowmore.

Campbeltown – Os seus whiskies são ricos em sabor, com notas fumadas, salinas, frutadas e caramelizadas. A região chegou a ser a capital do whisky, com mais de 30 destilarias, mas entrou em declínio, restando hoje apenas três, mas especiais.

Os 5 tipos de whisky escocês

A classificação do whisky escocês baseia-se no tipo de cereal e no processo de produção. Existem cinco categorias, mas duas dominam amplamente o mercado.

Single Malt Scotch Whisky − Feito numa única destilaria, apenas com cevada maltada e produzido em alambiques de cobre (pot stills). Normalmente, tem os sabores mais complexos e artesanais, sendo considerado o melhor dos whiskies. Existem cerca de 150 destilarias de whisky de malte na Escócia.

Exemplos: Glenfiddich, Glenlivet, Singleton, Ardbeg, BenRiach, Highland Park.

Single Grain Scotch Whisky − Também produzido numa única destilaria, mas geralmente à base de trigo, milho ou outros cereais além da cevada maltada. É destilado em alambiques de destilação contínua, o que lhe confere um perfil mais leve e menos intenso em sabor. Por essa razão, é usado maioritariamente para fazer blends, embora existam boas expressões engarrafadas.

Exemplos: Haig Club, Cameronbridge, The Leith Export Co. Single Grain, Loch Lomond Single Grain.

Loch Lomond Single Grain, feito de cevada maltada, mas em alambique Coffey.
Loch Lomond Single Grain, feito de cevada maltada, mas em alambique Coffey. Foto: DR

Blended Malt Scotch Whisky − Mistura de diferentes single malts de várias destilarias. O objetivo é destacar a arte do blend, criando um perfil mais harmonioso, equilibrado ou complexo.

Exemplos: Monkey Shoulder, Compass Box Orchard House, Johnnie Walker Green Label.

Blended Grain Scotch Whisky − Uma mistura de diferentes single grains de várias destilarias. Menos comum, mas em crescimento, impulsionado pela popularidade das versões japonesas. Tende a ser ainda mais suave e equilibrado do que um single grain.

Exemplos: Compass Box Hedonism, Grant’s Elementary 8 Year Old Oxygen, Blended Grain 30yo TBWC.

Blended Scotch Whisky − De longe o whisky mais consumido em todo o mundo, combina whiskies de malte e de grão. O objetivo é criar um perfil equilibrado e fácil de beber. As percentagens variam, podendo os blends premium ter até 40% ou 50% de single malts. E os mais comuns entre 20 e 30%.

Exemplos: Johnnie Walker, Cutty Sark, Chivas Regal, Dewar’s.

 Cutty Sark. O barco que inspirou o whisky foi comprado em 1895 pela empresa portuguesa Joaquim Antunes Ferreira & C.ª e navegou entre Portugal e as colónias até 1922.
Cutty Sark. O barco que inspirou o whisky foi comprado em 1895 pela empresa portuguesa Joaquim Antunes Ferreira & C.ª e navegou entre Portugal e as colónias até 1922. Foto: DR

Destilaria

Duas, duas e meia, três… a magia da destilação

Após a malteação (que transforma a cevada em malte), a moagem, a brassagem – onde a farinha é demolhada, formando um líquido açucarado conhecido como wort –, e a fermentação, obtém-se uma espécie de cerveja, chamada wash ou "cerveja do destilador". Só então se passa ao verdadeiro processo de criação do whisky, em alambique.

Os famosos alambiques da Glenmorangie, altos como uma girafa.
Os famosos alambiques da Glenmorangie, altos como uma girafa. Foto: DR

A esmagadora maioria das destilarias escocesas realiza duas destilações, preservando o corpo, a complexidade e a robustez dos seus whiskies. Algumas, no entanto, recorrem a uma terceira destilação, conferindo um caráter mais delicado e elegante – algo mais comum na Irlanda do que na Escócia.

Exemplos: Rosebank, Springbank, BenRiach, Benromach.

Mais rara ainda é a "destilação dupla e meia", utilizada por algumas destilarias de Campbeltown, como a Springbank. Neste método, parte do lote é destilada três vezes e outra parte apenas duas, criando um equilíbrio entre um estilo robusto e um mais leve.

Foto: @CHARLIEMCKAY

Água. Sim, não, talvez?

Gelo não é geralmente bem visto, pois "fecha" os aromas e sabores do whisky. O mesmo acontece com uma quantidade excessiva de água, que dilui demasiado a bebida. No entanto, um pequeno fio de água pode "abrir" ainda mais o whisky e melhorar a experiência. Mas, no fim das contas, as próprias marcas afirmam: cada um bebe como quiser.

Nunca guardar o whisky deitado

Ao contrário do vinho, o whisky não deve ser armazenado na horizontal, mas sim na vertical, pois o elevado teor alcoólico pode danificar a rolha se estiver em contacto permanente. Por outro lado, se a garrafa for guardada por um longo período, há o risco da rolha secar. A solução? Dar um bom abanão à garrafa a cada seis meses, para humedecer a rolha.

Uma vez aberto, tem uma grande vantagem sobre o vinho e pode manter-se aberto durante um ano sem perder qualidades.

O mito da idade

Ao contrário do vinho, o whisky não envelhece na garrafa. Se tiver um whisky de 12 anos guardado há dez, continua a ser um 12 anos, não um 22 anos. Não vale a pena vangloriar-se.

O Kilchoman The Port Cask Matured, uma edição limitada, envelhecida em pipas de vinho do Porto, será um dos whiskies presentes em prova.
O Kilchoman The Port Cask Matured, uma edição limitada, envelhecida em pipas de vinho do Porto, será um dos whiskies presentes em prova. Foto: DR

Provas no Kissaten

Estas provas no Kissaten são uma rara oportunidade para explorar a diversidade do whisky escocês sob a orientação de um especialista. Cada sessão custa 35, começa às 19h e dura 90 minutos. Os participantes terão ainda a oportunidade de adquirir as garrafas em prova com desconto.

26 de março – Sustentabilidade na produção de whisky, com seis néctares da Mc’Nean, aclamada destilaria escocesa com certificação de emissões líquidas zero e produção 100% orgânica.

9 de abril – Uma viagem por Campbeltown, com seis whiskies da Glen Scotia.

30 de abril – Sessão dedicada à Kilchoman, a única destilaria de Islay com produção totalmente própria, "da cevada à garrafa", com sete whiskies para provar.

Saiba mais Sabores, Prazeres, Bebidas, Whiskey, Escócia, Glenmorangie, Campbeltown
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