9 Aldeias do Xisto para visitar uma vez na vida
Algures, no centro de Portugal, há lugares com cheiro a lenha e pão acabado de fazer, onde o tempo ainda corre ao ritmo da natureza. Na rede das Aldeias do Xisto, os saberes e tradições são o ponto de partida para partir à descoberta de um vasto e variado território, que nesta altura do ano ganha ainda mais encanto
SERRA DA LOUSÃ
Pena, Góis
Para aqui se chegar, pode-se contornar a Serra da Lousã por estrada asfaltada ou optar pelo caminho de terra que a liga à vizinha Aldeia de Aigra Velha, poupando quilómetros e ganhando nas vistas. É agora fim da tarde e o ar enche-se com o cheiro da lenha e do pão acabado de fazer. Na rua já se sente o frio, que anuncia para breve o rigoroso inverno da serra. É hora de cerrar as portas, acender a lareira e saborear uma bola de carne ainda fumegante, acabada de sair do forno. No dia seguinte, manhã bem cedo, nada melhor do que partir à descoberta desta aldeia, guardada por um castanheiro secular, que à entrada dá as boas-vindas a quem chega. O casario, construído na crista de um promontório, parece desafiar as leis da gravidade naquela margem esquerda da Ribeira de Pena, que por ali corre numa sucessão de pequenas cascatas. Na paisagem circundante destacam-se ainda os imponentes Penedos de Góis e o Parque Florestal da Oitava.
Casal de São Simão, Figueiró dos Vinhos
Encavalitada numa encosta, sobre um imenso vale, a Aldeia do Xisto de Casal de São Simão é o ponto de partida de um bonito percurso pedestre que percorre a margem da Ribeira de Alge, ao longo de levadas e antigas azenhas. Logo no início, atravessa-se a maior mancha de sobreiros do concelho de Figueiró dos Vinhos, numa imagem em tudo contrastante com a paisagem de pinheiros e eucaliptos que, nas últimas décadas, substituiu o bosque autóctone da região. Continua-se pelo Vale da Abundância, como ainda é conhecida a antiga área de cultivo da aldeia, onde hoje apenas persistem algumas árvores de fruto. A paisagem volta a mudar no "bosque reliquial", uma surpreendente mancha de floresta Laurissilva e verdadeiro monumento vivo do que foi esta região há milhares de anos. Ao som da água, continua-se ao longo da margem da Ribeira de Alge até às imponentes Fragas de São Simão, onde uma grandiosa escarpa, rasgada pela força da água, forma uma aprazível praia fluvial.
Cerdeira, Lousã
À chegada a uma das mais isoladas aldeias da Serra da Lousã, não é difícil imaginar a dureza das vidas de outrora, num ciclo que teve o seu epílogo há mais de 40 anos, quando uma discussão sobre a partilha da água acabou em tragédia para os últimos habitantes, como ficou imortalizado no filme O Fim do Mundo, de João Mário Grilo. Para a aldeia, o fim do mundo parecia de facto ter chegado com o golpe de sacho com que Augusto Constantino encerrou, em definitivo, a questão. No entanto, após cumprir pena, regressaria para partilhar os seus conhecimentos com os novos habitantes, vindos de várias partes do mundo, que então começavam a chegar. Como a alemã Kerstin Thomas, que tem na aldeia um ateliê de escultura e foi uma das responsáveis pelo renascimento da Cerdeira através da arte, com a exposição Elementos à Solta, que há mais de uma década espalha obras de diversos artistas internacionais pelos campos circundantes. Como seria de esperar, o melhor modo de conhecer a zona é a pé, pelos percursos pedestres que, pouco-a-pouco, também devolveram a vida aos antigos trilhos serranos, onde, quando menos se espera, é normal dar de caras com veados, corças ou javalis.
Dormir
Casa do Neveiro
Pena, Góis
- 239 704 089
Hotel Parque Biológico da Lousã
Parque Biológico da Serra da Lousã, Miranda do Corvo
- 239 095 054
www.hotelparqueserradalousa.pt
Palácio da Lousã Boutique Hotel
Rua Viscondessa do Espinhal, Lousã
- 239990800
Cerdeira - Home for Creativity
Cerdeira, Lousã
- 239160799
www.cerdeirahomeforcreativity.com
Comer
Museu da Chanfana
Parque Biológico Serra da Lousã, Miranda do Corvo
- 239538444
www.parquebiologicoserralousa.pt
O Burgo
Santuário da N. Sra. Da Piedade, Lousã
- 239991162
Sabores da Aldeia
Candal, Lousã
- 239991393
Facebook: Sabores da Aldeia
SERRA DO AÇOR
Fajão, Pampilhosa da Serra
A aldeia fica num vale, perto da nascente do rio Ceira, com o seu casario em xisto espalhado pela encosta. Um ponto de partida é o pátio da antiga cadeia e tribunal, edifício imortalizado nos famosos Contos do Fajão, um conjunto de histórias populares recolhidos pelo monsenhor Nunes Pereira, cuja casa museu é também merecedora de visita demorada, para apreciar as pinturas e xilogravuras deste padre artista. O melhor, mesmo, é vaguear pelas ruas sem grandes planos, descobrindo locais tão emblemáticos e outrora tão importantes para a vida da aldeia, como o forno comunitário, o lavadouro público ou a antiga escola primária. Fajão localiza-se no coração da Serra do Açor, junto à formação quartzítica denominada Penedos de Fajão e sobranceira à margem esquerda do rio Ceira, uma paisagem digna de postal, que pode ser apreciada em formato panorâmico, desde o miradouro da Nossa Senhora da Guia, também ele sobranceiro à aldeia.
Benfeita, Arganil
Ao contrário da maioria das aldeias vizinhas, na Benfeita é o branco da cal que marca a paisagem. Construída em redor do ponto de encontro das ribeiras do Carcavão e a da Mata, que a partir daqui seguem juntas em direção ao Rio Alva, o som da água corrente embala o visitante na subida à famosa Torre da Paz. Feita apenas de pedra fixa com terra, foi construída nos anos 40, em honra de Salazar, por este ter mantido o país a salvo da Segunda Guerra Mundial, mas entretanto transformou-se num monumento à paz. Conta-se que a 7 de maio de 1945, por volta das duas da tarde, a pacata aldeia terá sido uma das primeiras localidades portuguesas a ter conhecimento da rendição da Alemanha. Ato contínuo, alguém subiu à torre e tocou 1620 badaladas, correspondentes ao número de dias que tinha durado o conflito. Nesse mesmo ano, a torre foi equipada com um novo relógio, preparado para ser ativado automaticamente nesta data. Desde então, a cada dia 7 de maio, às duas da tarde em ponto, o sino da torre toca as tais 1620 badaladas em honra da paz no mundo – sem nunca ter avariado.
Sobral de São Miguel, Covilhã
Ponto de passagem da antiga rota do sal, a aldeia é uma das mais bem preservadas da região, conforme se pode apreciar nas casas de arquitetura típica do bairro do Caratão, onde se armazenava o sal vindo do litoral, antes de seguir para as terras da raia. Não é aliás inocente o slogan que recebe o visitante logo à chegada, "O Coração do Xisto", tal é quantidade de edifícios em xisto, naquele que será, porventura, um dos maiores aglomerados, em Portugal, deste tipo de construção, muito embora algumas das casas estejam hoje rebocadas e caiadas de branco. Para conhecer este património único, o melhor é deixarmo-nos perder pelas ruas e quelhas da aldeia, acompanhando, em seguida, o curso da Ribeira do Porsim, que cruza o casario em direção a Zêzere.
Comer
O Pascoal
- das Flores, Fajão, Pampilhosa da Serra
- 235 751 219
Facebook: O Pascoal
Dormir
Quinta da Palmeira
- Principal, 36, Cerdeira, Arganil
- 23 572 125
ZÊZERE
Janeiro de Cima, Fundão
Junto às margens do rio Zêzere, esta aldeia ribeirinha é hoje muito conhecida pela aprazível praia fluvial, com o seu açude a convidar a banhos nos dias mais quentes e onde, ainda hoje, atracam as tradicionais barcas. É daqui que parte o Caminho do Xisto de Janeiro de Cima – Ó da Barca, um trilho pedestre com cerca de 10 km que percorre a velha estrada dos Covões (contruída em 1912) e os antigos caminhos dos mineiros, com vista para as chamadas conheiras ou moledos, os montes de pedras amontoados ao longo de séculos, resultantes das antigas explorações de ouro e estanho. Um pouco mais para dentro, no centro histórico, pode ser apreciada a tradicional arquitetura da aldeia, onde o xisto é substituído pelos seixos rolados, provenientes do leito do rio, na construção das casas. Outra tradição antiga é a do linho. Na recém-recuperada Casa das Tecedeiras, onde funciona também um centro interpretativo que dá a conhecer todo o ciclo do linho, os visitantes podem até experimentar um tear antigo.
Álvaro, Oleiros
A Aldeia do Xisto de Álvaro é na verdade uma vila, outrora pertencente à Ordem de Malta e na qual passava um primitivo Caminho de Santiago. Fica encavalitada numa escarpa sobranceira ao rio e a vista panorâmica sobre o espelho de água vale por si só uma visita à pequena localidade, também conhecida pelo seu vasto património religioso, no qual se destacam mais de vinte capelas e igrejas. Uma das mais interessantes é a Igreja da Misericórdia, construída no século XVI e posteriormente acrescentada de uma ala lateral, já em finais do século XVII, por ordem do capitão de cavalaria José Rodrigues Freire, "em cumprimento de uma promessa, por ter sobrevivido às batalhas em que participou, algures em França". Está sepultado ali mesmo, "conforme foi seu desejo", debaixo de um simples alçapão de madeira, que pode ser levantado a pedido dos visitantes que desejem ver o esqueleto. Quando o tempo está quente, é no entanto a praia fluvial que a maior parte dos visitantes procuram. Além das margens do rio, dispõe de uma piscina flutuante, dividida em duas partes, uma para adultos e outra para crianças. Conta ainda com parque infantil, zona de merendas, bar de apoio e quem tiver um barco ou um caiaque pode sempre partir à descoberta dos braços de rio que se formam no leito das ribeiras.
Comer
Fiado
Rua do Espirito Santo, 5, Janeiro de Cima, Fundão
- 272 745 024
Facebook: Fiado Restaurante
Adega dos Apalaches
Rua Sra. das Neves, Roqueiro, Oleiros
- 934 028 365
Dormir
Casa de Janeiro e Casa da Pedra Rolada
Rua do Espírito Santo, 1, Janeiro de Cima, Fundão
- 969 339 830
Vilar dos Condes
Vilar Fundeiro, Madeirã, Oleiros
- 968 632 907
Facebook: Vilar dos Condes – Turismo Rural
TEJO-OCREZA
Figueira
A última paragem é na Aldeia de Figueira, já no concelho de Proença-a-Nova, cujo núcleo histórico, apesar de desabitado (ou talvez por isso) é um dos mais bem preservados de toda a rede das Aldeias do Xisto. Consta que a curiosa disposição urbanística da aldeia, bastante plana e com uma rua longitudinal bem definida, a partir da qual partem diversas quelhas, ora paralelas ora perpendiculares, que desembocam num conjunto de entradas, se deve às alcateias de lobos, outrora comuns por aqui. Assim, à noite, estas ruas eram fechadas, de modo a evitar o ataque destes predadores aos animais domésticos, permanecendo ainda hoje os vestígios de algumas dessas portas.
João Matias, um filho da terra, fez da aldeia o seu "projeto de vida". É proprietário de uma casa de alojamento local e do restaurante Ti Augusta, no qual recuperou pratos caídos em desuso, como o Afogado da Boda, um guisado de cabra que se comia nos casamentos, ou o plangaio, enchido feito de farinha, ossos e carne de porco. A diferença faz-se também sentir nos acompanhamentos, feitos de acordo com o que a terra dá nas diferentes alturas do ano. "A menos que o cliente nos peça, nunca servimos batata ou arroz", avisa, com humor, junto ao forno comunitário, que antigamente era o ponto de encontro da aldeia. "Era tão concorrido que as pessoas marcavam de véspera a hora de cozer o pão", conta num desfiar de memórias que continua à mesa, já na companhia de pão quente, azeitonas e queijo fresco de cabra acabado de fazer.
Comer e Dormir
Casa Ti’Augusta
Quelha do Cimo dos Montes, Figueira, Porença-a-Nova
- 274 822 134
Facebook: Casa Ti’Augusta
Aldeias do Xisto
A rede das Aldeias do Xisto engloba 27 aldeias de 21 concelhos da região centro do país, distribuídas por quatro unidades territoriais: Serra da Lousã, Serra do Açor, Zêzere e Tejo/Ocreza. Apesar de terem o xisto como elemento comum, as aldeias são bastantes diferentes entre si, tanto na paisagem (natural e humana), como ao nível da gastronomia, artesanato, alojamento, animação cultural e atividades ao ar livre, aglutinando à sua volta centenas de operadores turísticos da região. É ainda cruzada por centenas de quilómetros de percursos pedestres e dispõe de dezenas de praias fluviais.
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