Prazeres / Artes

O Padrinho, 50 anos após a estreia em Portugal: as perguntas que precisam de resposta

Passou meio século desde que a obra-prima de Francis Ford-Coppola se estreou nos cinemas portugueses. Quais são as questões sobre O Padrinho que mais inquietam os cinéfilos? Aqui fica a resposta e as respostas a essas questões.

Foto: Getty Images
25 de outubro de 2022 | Diogo Xavier

"Se não sabes, google it." Há duas décadas que a humanidade vive assim. O "google it" funciona com tudo e o Google tudo sabe e a tudo responde, quer seja sobre a temperatura, a geografia, os astros, os segredos para uma pele luminosa, a distância entre dois pontos, a área de um território, a população desse território ou as melhores técnicas de mineração de ouro (é verdade, testámos a busca e há dezenas de respostas). Portanto, o Google tem solução para tudo. Aliás, para tudo e mais alguma coisa. Por exemplo, se introduzirmos um termo ou uma expressão no motor de busca, ele não nos dá apenas as respostas: apresenta, também, as perguntas relacionadas com o assunto que mais vezes são feitas pelos internautas (internautas ainda se diz? Ou já estamos demasiado adiantados na era da Internet para usar este tipo de terminologia?). O Google não se limita a esclarecer as nossas próprias dúvidas, ele acrescenta ainda as dúvidas alheias mais frequentes e sugere respostas para elas.

Ao contrário do que o parágrafo introdutório parece sugerir, este não é um artigo acerca do Google e das suas propriedades etereamente alquímicas. Encontramo-nos aqui porque faz 50 anos que se estreou nas salas de cinema portuguesas O Padrinho. Este é um filme que, mesmo 50 anos depois da sua estreia, ainda levanta questões e nós cá estamos para lhes responder.

Ao escrever "The Godfather" no Google, o motor de busca logo se apressa a informar que, sobre o tema, "as pessoas também perguntam":

Is The Godfather a true story? ["O Padrinho é uma história real?"]

A resposta é não. Há elementos que, de facto, o autor do romance original, Mario Puzo, um escritor ítalo americano radicado em Nova Iorque e familiarizado com a cultura italiana nos Estados Unidos, tentou transpor para a obra. No entanto, o próprio Puzo não só sempre refutou a ideia de que tinha importado episódios tal e qual realidade e os havia transformado em ficção, como chegou a queixar-se da falta de apoio da própria comunidade ítalo-americano de Nova Iorque por não conseguir obter da parte desta a ajuda, sob a forma de informações, com que contava.

Há uma personagem, em particular, que levantou suspeitas e gerou debates e celeumas. Trata-se de Johnny Fontane, um ator e cantor de origem italiana, outrora estrela maior de Hollywood, mas entretanto caído em desgraça por conta da perda de voz - e também da idade, que lhe foi mudando o palminho de cara. Foi por causa de Fontane que Don Vito Corleone fez a um certo produtor de cinema "uma oferta que ele não podia recusar". À primeira vista, podíamos estar a falar de Frank Sinatra, cujo percurso e relações são, em tudo, semelhantes aos de Fontane. Contudo, Mario Puzo sempre recusou que a personagem de um fosse inspirada no outro. Quem não foi na conversa foi Sinatra, que chegou a insultar publicamente o autor - e na cara deste. Por via das dúvidas, e para evitar eventuais chatices, o realizador Francis Ford Coppola optou por incluir no filme apenas uma pequena parte do todo que a personagem de Fontane ocupa no livro (e que é muito). Por via das dúvidas e porque nunca se sabe mesmo ao certo se aquilo de Fontane ser Sinatra era verdade - e se fosse, tinha amigos poderosos, e a verdade é que próprio enfiou a carapuça. Nunca fiando.

Al Martino, cantor americano, no papel de Johnny Fontane
Al Martino, cantor americano, no papel de Johnny Fontane

Is The Godfather the greatest movie ever? ["O Padrinho é o melhor filme de sempre?"]

É uma pergunta curiosa para se fazer ao Google, se tivermos em conta o grau de subjetividade que comporta. Parece ser unânime entre cinéfilos que O Padrinho seja visto como "um dos melhores filmes" da história do cinema. O site The Greatest Films classifica a obra de Coppola em segundo lugar, atrás de Citizen Kane, O Mundo a Seus Pés (1941), de Orson Welles, e à frente de 2001: Odisseia no Espaço (1972 – curiosamente, o mesmo ano de O Padrinho), de Stanley Kubrick. Por ocasião dos 50 anos da estreia do filme nos EUA, a BBC lançou um artigo em que perguntava "será que não percebemos nada acerca do maior filme americano de sempre?". No site IMDB, O Padrinho surge em segundo lugar na lista dos melhores de sempre, com a mesma pontuação que o líder, Os Condenados de Shawshank (1994), de Frank Darabont. A resposta a esta pergunta nunca será perentória, definitiva – mas não nos chocaria que se alguém entrasse agora pela redação e dissesse "meus amigos: O Padrinho é o melhor filme de sempre". Em princípio, toda a gente iria olhar e dizer "ok, está bem".

Cartaz de O Padrinho
Cartaz de O Padrinho

Who turned down The Godfather role? ["Quem recusou papéis em O Padrinho?"]

São muitos os nomes associados a grandes papéis no filme de Coppola que acabaram por não integrar o elenco, ora porque foram recusados, ora porque eles próprios recusaram. O papel de Michael Corleone foi particularmente cobiçado por toda uma nova geração de atores, por exemplo: Martin Sheen (que chegou a ser considerado para o papel de Tom Hagen – que ficou para Robert Duvall –, também, e que acabou por filmar com Coppola Apocalypse Now. James Caan, que acabou por ficar com o papel de Sonny Corleone, também quis ficar com o papel que acabaria por caber a Al Pacino. Pacino foi uma exigência não-negociável de Francis Ford Coppola para realizar o filme. O próprio Coppola, porém, chegou a ser posto em causa pela Paramount – no seu lugar, os estúdios queriam que estivesse Warren Beatty a quem, diz-se, também destinariam o papel de Michael. Para o papel de Sonny, o tal que coube a Caan, a Paramount chegou a equacionar Anthony Perkins, que ficou conhecido pelo desempenho imaculado como psicopata em Pshycho, de Hitchcock. Também para o papel de Tom Hagen – um irlandês adotado, em criança, pela família Corleone – também o nome de Paul Newman chegou a entrar nas contas. Há rumores de que Frank Sinatra chegou a ser considerado para o papel de Vito Corleone, mas só pode ser piada. Primeiro, porque Sinatra nunca aceitaria trabalhar com Mario Puzo, depois porque Marlon Brando é Marlon Brando e o papel ficou para ele. A lista continua, mas os nomes e os papéis tornam-se cada vez menos prováveis. Todos, exceto um: Robert Redford podia ter ficado com o papel de Michael Corleone, mas Al Pacino terá sido demasiado bom nas audições.

Al Pacino como Michael Corleone
Al Pacino como Michael Corleone

Why did Marlon Brando refuse Oscar? ["Porque é que Marlon Brando rejeitou o Óscar?"]

A 27 de março de 1973, Marlon Brando era para ter subido ao palco da cerimónia de entrega dos prémios da Academia de Cinema de Hollywood para receber o Óscar de Melhor Ator Principal pelo seu desempenho como Vito Corleone em O Padrinho. O ator não só não foi ao palco, como não assistiu à cerimónia ao vivo. No seu lugar, Brando enviou Sacheen Littlefeather, uma atriz nativa-americana. Littlefeather fez o discurso de recusa que Brando escreveu e no qual se lia que era inadmissível o tratamento dado aos nativos americanos no cinema produzido nos Estados Unidos, em que os índios eram representados como vilões que os cowboys deviam aniquilar. O discurso, polido e educado, foi recebido com surpresa e, por parte de alguns dos presentes, com algum gozo. No geral, Sacheen Littlefeather acabou por ser, de certo modo, ridicularizada. Academia decidiu, este ano – 49 anos mais tarde –, em agosto, pedir-lhe formalmente desculpas pelo tratamento. Mais vale tarde do que nunca.

Marlon Brando enviou a atriz nativa-americana para rejeitar o Óscar que lhe foi atribuido pela Academia.
Marlon Brando enviou a atriz nativa-americana para rejeitar o Óscar que lhe foi atribuido pela Academia.

Who is the biggest crime family in the world? ["Qual é a maior família do crime do mundo?"]

É mais uma curiosa questão que parece apoquentar os cinéfilos que fazem de O Padrinho um dos maiores filmes de culto (agora, perguntem: "Será O Padrinho o maior filme de culto de sempre?") do cinema ocidental, pelo menos. Consultámos um site da especialidade, The Mob Museum, para chegarmos a uma resposta mais ou menos conclusiva. Percebe-se que é um site especializado logo porque não considera que "o mundo" é Nova Iorque ou, sequer, apenas os Estados Unidos. Máfia há muita e muitas latitudes e longitudes. Assim, The Mob Museum identifica cinco pontos fortíssimos com famílias mafiosas: Rússia, Japão, Itália, México e, finalmente, Estados Unidos. Na Rússia, a mais temível família foi liderada por Semion Mogilevich que, entretanto e segundo o FBI, foi "retirado", o que pode significar muita coisa quando se trata da Rússia. Shigeharu Shirai liderava, com os seus cabelos e tatuagens exóticos, o principal gang da Yakuza. Foi preso na Tailândia em 2018. Em Itália, Matteo Messina Denaro é há muito – desde 2011, pelo menos – procurado pelas autoridades. Porquê? Porque liderava uma família na Sicília-natal de Vito Corleone (já agora: Corleone não era nome de família de Vito, Corleone era o nome da aldeia d’O Padrinho e existe mesmo, é real). Nemeseio Oseguara-Cervantes, mais conhecido como "El Mencho", era o chefe do cartel de droga mexicano Nova Geração de Jalisco. O cartel inclui uma série de gangues locais de várias cidades - é impressionante. Nos Estados Unidos, Matthew Madonna era o chefe – ou, como escreveria Mario Puzo, se pudesse, "o don" – da célebre família Lucchese, que em 2017 viu 19 dos seus membros, incluindo Madonna, presos por práticas criminosas. A família terá dado origem a outro filme de máfia, mas como o artigo é sobre O Padrinho não fica bem dizer que era o Tudo Bons Rapazes (1990).

A família da máfia ítalo-americana, Luchese, foi retratada no filme Tudo Bons Rapazes (1990)
A família da máfia ítalo-americana, Luchese, foi retratada no filme Tudo Bons Rapazes (1990)

What do oranges symbolize in The Godfather? ["O que é que significam as laranjas em O Padrinho?"]

Finalmente, uma pergunta de verdadeira curiosidade cinéfila: sim, que história vem a ser essa das laranjas no filme. Há quem diga que há várias cores associadas a diferentes emoções e ações, como se os quadros cinematográficos fossem compostos como pinturas de autores como Edward Hopper (ver New York Movie, de 1939). Na cena em que Vito Corleone é atacado com tiros à queima-roupa quando se dirige para o carro, vários cestos com laranjas são espalhados pelo chão. Há, ao mesmo tempo que se ouve o som dos disparos, uma explosão de cor: num cenário azul escuro de alcatrão, com personagens vestidas também de escuro e ainda com um automóvel preto no enquadramento, uma explosão de cor que se derrama pelo ecrã. Talvez as laranjas, em si, não signifiquem mais do que o derramar do sangue quente e de cor forte d’O Padrinho. Fica a sugestão.

Saiba mais O Padrinho, 50 anos, Cinéfilos, Cinema, Francis Ford-Coppola
Relacionadas
Mais Lidas
Artes As obras mais emblemáticas do Museu de Arte Proibida

Com uma seleção de mais de 200 obras de arte censuradas, proibidas ou denunciadas em algum momento, o novo espaço, em Barcelona, promete pôr os visitantes a pensar sobre os motivos e as consequências da censura, com obras que vão de Goya a Banksy.