Gabriel Byrne interpreta Samuel Beckett em novo “biopic”
“Dança Primeiro, Pensa Depois” retrata a vida do dramaturgo irlandês, prémio Nobel da Literatura – para mal dos seus pecados –, membro da Resistência Francesa, “bon vivant” da cena parisiense, marido infiel e tantas outras coisas. Chega aos cinemas a 4 de janeiro.
Tirando o seu nariz três vezes partido, que lhe confere algumas semelhanças de perfil, Gabriel Byrne não é muito parecido com Samuel Beckett. Pouco importa. Esquecemo-lo nos primeiros minutos. Em Dança Primeiro, Pensa Depois – famosa frase da peça À Espera de Godot de autoria de Beckett – seguimos a vida do famoso escritor existencialista irlandês, não numa narrativa linear, do berço à cova, mas ao longo dos diversos erros que cometeu ao longo da vida. O filme foi realizado por James Marsh, que dirigiu outro filme biográfico famoso – A Teoria de Tudo, sobre a vida de Stephen Hawking –, e tem argumento do também famoso e premiado escritor escocês Neil Forsyth. E, desde o momento em que pôs os olhos no argumento, Marsh soube que o seu Beckett só podia ser interpretado por Gabriel Byrne. E é fácil perceber porquê.
Dança Primeiro, Pensa Depois começa com o anúncio de que Beckett acaba de vencer o prémio Nobel da Literatura ao mesmo tempo que este, na plateia, declara à mulher tratar-se de "uma catástrofe". O prémio trazia-lhe uma notoriedade e atenção do público que o escritor não procurava nem desejava. De resto, o escritor era famoso pelo seu desejo de reclusão. Este é o Samuel Beckett de Gabriel Byrne, mas depressa conhecemos também o Samuel Beckett de Fionn O’Shea – que retrata o artista quando jovem, para parafrasear James Joyce, que também faz parte do elenco, interpretado por Aidan Gillen. Conhecemos também a sua mãe, May Beckett, uma mulher altamente crítica, austera e controladora – o que explica muito do seu estilo tragicómico e da sua tendência para a ironia e para a comédia negra. É mais um caso do humor a ser usado como arma de defesa, tão comum em artistas – e pessoas comuns – com infâncias difíceis. Génio literário do século XX, o trabalho de Beckett explora a literatura de autorreferenciação, ou auto-ficção, os fluxos de consciência, a experimentação linguística, e é um expoente máximo do Teatro do Absurdo, a par de Eugene Ionesco, Jean Gedet e Harold Pinter.
Samuel Beckett é um daqueles artistas que parece ter vivido meia dúzia de vidas nos seus não muito longos 83 anos e, qualquer uma delas isoladamente, já daria o comum dos mortais por satisfeito. Beckett é dramaturgo, escritor, poeta, contista e diretor de teatro, e foi assistente de James Joyce. Nasceu na Irlanda, em 1906, mas viveu em Paris durante quase toda a sua vida adulta, onde sucumbiu aos prazeres de bon vivant – conheceu a mulher, Suzanne, numa cama de hospital, depois de ter sido esfaqueado por um chulo, perante uma pequena plateia de prostitutas –, e onde se tornou membro da Resistência Francesa, durante a Segunda Guerra Mundial.
Suzanne, a mulher de toda a vida, interpretada por Sandrine Bonnaire, era uma mulher prática que promoveu a sua carreira e permaneceu ao seu lado apesar das muitas infidelidades, que eram natural fonte de amargura e rancor. Em especial no que toca ao caso de mais de três décadas que o escritor manteve com a jornalista da BBC Barbara Bray, cuja existência Suzanne tolerava com azedume. No filme, vemos a dor que a situação causa aos três. A resposta natural de Beckett a esse sentimento é escrever uma peça sobre o triângulo amoroso, intitulada Play; com Barbara, em consequência, a escrever uma review para um jornal britânico.
Esta biografia, escrita por Neil Forsyth, é pouco usual no sentido em que conta a história de vida do autor através dos seus erros e fracassos – algo de que Samuel Beckett estava dolorosamente consciente –, num argumento que Marsh caracteriza como "subversivo e audacioso". Dança Primeiro, Pensa Depois chega às salas de cinema a 4 de janeiro.
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