Alec Baldwin não foi o primeiro. As trágicas histórias dos acidentes com adereços em Hollywood
Se Hollywood tivesse aprendido com os seus erros, a morte da diretora de fotografia Halyna Hutchins devido a um erro ao ser disparada uma “arma-adereço” poderia ter sido evitada.
A diretora de fotografia Halyna Hutchins, uma estrela em ascensão na indústria do cinema, nomeada como "Alguém a Não Perder de Vista" em 2019 pela revista American Cinematographer, foi transportada por meios aéreos para o hospital depois de ser atingida com um tiro no estômago. A técnica de 42 anos viria a morrer mais tarde dos ferimentos sofridos. O realizador, Joel Souza, recebeu entretanto (de acordo com relatos divulgados) alta do hospital.
A rodagem do filme em curso no Novo México era para o western Rust, que conta a história de um fora-da-lei, interpretado por Alec Baldwin, cujo neto é condenado por uma morte acidental. Algumas figuras da indústria cinematográfica já estão a levantar questões quanto a estarem sequer a ser usadas em cena armas com balas de pólvora seca como adereço, quando hoje em dia os flashes de disparo proporcionam praticamente o mesmo efeito.
"Muitas vezes encontro resistência quando exijo armas completamente desativadas e que não-disparam, mas é esta a razão porquê", escreveu a realizadora Megan Griffths no Twitter. "Erros acontecem, e quando assim é, os erros matam. Nunca é preciso disparar qualquer arma durante as filmagens."
Olhando para a história dos acidentes nas rodagens de cinema de Hollywood, ela é capaz de ter razão. Afinal, esta está longe de ser a primeira vez que actores ou membros das equipas de filmagens acabaram na linha de fogo… e pagaram o preço por isso.
O Corvo (1994)
Um dos mais ignominiosamente conhecidos acidentes de filmagens de Hollywood ocorreu em circunstâncias trágicas semelhantes às de Rust. O filme, um melodrama gótico de super-heróis, é protagonizado pelo ator de 28 anos Brandon Lee, filho de Bruce, no papel de uma estrela de rock ressuscitada por um corvo para se vingar.
Durante uma cena de luta, um pequeno dispositivo explosivo, concebido para desencadear um tiroteio, estava escondido num saco de plástico. Mas, ao explodir, um fragmento de estilhaço voou e atingiu Lee no estômago, matando-o.
Ou será que foi mesmo assim? Este relato foi posteriormente contrariado por uma autópsia, que (noticiou o Los Angeles Times) encontrou uma bala calibre 44 alojada junto à coluna vertebral de Lee, que tinha sido disparada por outro ator do lado oposto da sala e que supostamente deveria estar carregada com balas de pólvora seca.
A mãe de Lee, Linda Lee Cadwell, alegou que "os membros da equipa de filmagens tinham ficado sem balas falsas e haviam indevidamente fabricado a suas próprias a partir de balas verdadeiras". Na verdade, alguns sugeriram que a morte de Lee tinha tétricas semelhanças com uma cena do filme de Bruce Lee Jogo da Morte, em que um assassino a soldo tenta matar uma estrela de cinema trocando secretamente balas de pólvora seca por outras verdadeiras durante as filmagens.
Cadwell ameaçou interpor uma acção judicial contra a companhia produtora do filme. Mas, embora a investigação realizada tenha concluído que a equipa técnica foi negligente, o procurador do Ministério Público recusou deduzir acusação.
Cover Up (1984)
O perigo de filmar com balas de pólvora seca foi mais reforçado ainda pela morte de Jon-Erik Hexum durante as filmagens da série de TV de acção-aventura Cover Up. Enquanto filmava o sétimo episódio da temporada no parque da 20th Century Fox, a personagem de Hexum tinha de carregar uma Magnum 44 com balas de pólvora seca.
Durante um atraso, e para combater o tédio, Hexum pôs-se a brincar com a arma, descarregando todas as balas menos uma e simulando a Roleta Russa. Ao fazê-lo, disparou uma bala de pólvora seca directamente para o interior do crânio. Não o matou de imediato, mas provocou-lhe uma hemorragia cerebral massiva, que deu origem a graves lesões no cérebro. Seis dias após o incidente foi declarada a sua morte cerebral. Com a permissão da mãe, os seus órgãos foram doados, incluindo o coração, que foi transplantado para um homem de 36 anos de Las Vegas.
O episódio foi transmitido. Mas no final da temporada, a sua personagem foi morta e no ecrã foi mostrado um tributo a Hexum.
Midnight Rider (2014)
Ao adaptar a autobiografia do músico Greg Allman My Cross to Bear [trad. livre: A Cruz que tenho de carregar], Randall Miller planeou filmar a sequência de um sonho numa linha de comboio no estado norte-americano da Geórgia. A cena envolvia a personagem principal, desempenhada por William Hurt, a acordar numa cama de hospital em cima de uma ponte ferroviária de cavaletes de madeira sobre o rio Altamaha.
A produção estava lá ilegalmente – tinha-lhes sido previamente negada autorização para filmarem naquele local. Contudo, Miller decidiu avançar na mesma. A insensatez da sua decisão ficou clara momentos mais tarde, quando as câmaras já estavam a rodar e um comboio surgiu disparado na direcção do local de filmagens a cerca de 97 km/h. O elenco e a equipa de filmagens debandaram, tentando sair das linhas a tempo. Mas muitos não conseguiram. Sete pessoas ficaram feridas e a assistente de câmara Sarah Jones foi morta.
Apesar da tragédia, Miller fez pressão para recomeçar imediatamente as filmagens. Mas, depois de um processo cível e de protestos por parte da indústria do cinema, o projecto foi encerrado. Quatro dos envolvidos foram acusados de homicídio por negligência e violação de propriedade. Miller foi condenado a uma década na cadeia, mas foi libertado após um ano de prisão apenas; os outros arguidos receberam 10 anos de pena suspensa.
Cyborg (1989)
Em finais dos anos 1980, o artista de artes marciais Jean-Claude Van Damme construiu a sua carreira a fazer papéis de lutadores-matulões em violentos filmes de acção. E também se consagrou como uma pessoa irritadiça e com quem era difícil trabalhar.
Esta combinação tóxica atingiu o apogeu no local de filmagens de Cyborg, um sinistro e distópico filme tipo dá-lhes-com força que se inspira em igual medida na anime japonesa e no filme Blade Runner. Van Damme estava relutante quanto ao projeto e a sua aversão era aparente no seu comportamento no local de filmagens. O coordenador de acrobacias Tom Elliot testemunhou em tribunal que teve de avisar Van Damme depois de uma desavença entre o artista e um duplo, Timothy Baker, ter terminado com Van Damme a pontapeá-lo repetidamente entre pernas, deixando-o incapaz de se levantar durante vários minutos.
Mas o pior acidente de Cyborg ocorreu quando Van Damme golpeou o seu coprotagonista, Jackson Pickney, com um punhal-adereço durante uma cena de luta. Pickney ficou cego permanente do olho esquerdo e processou Van Damme, exigindo 485 mil dólares pelos danos sofridos. Cyborg acabou por ser o último filme lançado pela Cannon Films, que faliu pouco tempo depois.
Violação de Privacidade (1993)
Um thriller erótico completamente trucidado pela crítica, o romance de Philip Noyce é quase por completo passado num dado apartamento de Brooklyn. Isto é, à excepção de uma estranha cena de corte em que a câmara faz um voo a pique sobre um vulcão em actividade, filmando o seu interior em ebulição.
Esta perigosa cena foi filmada fazendo pairar um helicóptero sobre o vulcão Kilauea, no Havai. Mas o helicóptero perdeu a potência nos motores e despenhou-se cerca de 46 metros abaixo da borda da cratera. Os três homens a bordo – o piloto, Craig Hosking e dois operadores de câmara, Chris Duddy e Michael Benson – ficaram perdidos no meio dos vapores asfixiantes. Eles tentaram escalar dali para fora, mas Hosking decidiu voltar para trás e usar o rádio para pedir socorro.
Conseguiu contactar as autoridades e uma equipa de resgate encontrou o helicóptero caído no espaço de algumas horas. Os outros dois homens, no entanto, continuavam desaparecidos. Duddy acabou por encontrar um caminho até uma zona de ar fresco, mas Benson permaneceu preso abaixo da borda da cratera durante dois dias, até que membros de uma equipa de resgate tropeçaram nele.
Extraordinariamente, os seus únicos ferimentos foram alguns problemas respiratórios menores devido aos vapores tóxicos. (No entanto, as imagens captadas para aquela sequência ficaram destruídas).
A Noite dos Mortos-Vivos (1968)
O icónico filme de terror de George A. Romero criou muitos dos tropos do franchise
zombie: hordas de gente arrastando-se, armas improvisadas… e produções cinematográficas feitas no joelho. Produzido com uma ninharia de orçamento, Romero e a sua equipa cortou todos os custos possíveis para ainda assim dar ao filme a sua atmosfera autenticamente arrepiante.
Isto incluiu membros do elenco a voluntariarem-se para lhes ser ateado fogo durante uma cena em que são rechaçados com cocktails Molotov. O guionista do filme, John A. Russo, e o actor Bill Hinzman – que fazia o papel do aterrador "vampiro do cemitério" – elevam ambos os braços no ar. Durante as filmagens, tudo correu de acordo com o planeado. Russo foi posto a arder durante a cena do lançamento dos Molotov, ao passo que Hinzman ensopou a camisa com combustível de isqueiro, de modo a que esta se incendiasse quando uma personagem se defende dos vampiros com um ferro em brasa.
Só que atrás da câmara, as coisas começaram a dar para o torto. Um membro da equipa técnica, Gary Streiner, foi encarregado de regar uma cadeira com gasolina para uma cena de luta. O primeiro take correu sem percalços, mas durante o segundo, quando Streiner tentava acrescentar mais gasolina, o recipiente de repente pegou fogo.
"Eu só cheguei lá e comecei a despejar gasolina por cima", recordou ele mais tarde. "E o líquido foi dar com uma brasa incandescente num sítio qualquer… e uma chama elevou-se para o recipiente que eu tinha na mão. Eu saltei para trás e, de repente, estava a arder!"
Por sorte, Hinzman estava por perto e abafou as chamas antes de Streiner ter ficado ferido com seriedade.
xXx (2002)
Depois do sucesso do filme Velocidade Furiosa, a sua estrela, Vin Diesel, e realizador, Rob Cohen, estavam nos píncaros da Lua. O seu projecto seguinte tinha Diesel como um atleta de desportos radicais recrutado pela NSA, que vogava na crista da onda do sucesso de ação-colisão.
Contudo, a sua conta de proezas deixou marcas na sua equipa. Numa dada cena, o duplo de Diesel, um ex-SEAL da Marinha dos EUA, Harry O’Connor, deveria supostamente dirigir um parapente entre os pés da Ponte Palacky, em Praga. Ele passou no primeiro take com sucesso, mas durante o segundo, colidiu com a estrutura e partiu o pescoço, o que o matou instantaneamente.
Depois disso, Cohen divulgou uma declaração acerca do incidente: "Tivemos 500 duplos envolvidos neste filme – 499 não sofreram um arranhão. Isto demonstra até onde estamos dispostos a ir para trazer este tipo de experiência intensa até ao espetador. Os duplos sabem que correm perigo. Eles ganham a vida graças ao perigo. A maior parte das vezes, não faz mal. Às vezes, infelizmente, faz."
Mas decorridos 20 anos, à medida que vai emergindo uma imagem mais completa do que aconteceu com Baldwin no local de filmagem de Rust, esse "às vezes" poderá já não chegar. Sem dúvida, mais vozes irão questionar por que razão elenco e equipa técnica têm de continuar a arriscar as suas vidas em nome do entretenimento.
E, numa altura em que as condições dentro de Hollywood estão já sob um escrutínio mais apertado do que alguma vez estiveram, alguns poderão dizer que estas desculpas não são suficientes. Numa altura em que mais uma vida se perde durante a rodagem arriscada de um filme, será que está finalmente na altura de dizer "corta"?
Alex Diggins/The Telegraph/Atlântico Press
Tradução: Adelaide Cabral
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