Burel Chiado Interiors. A Serra da Estrela volta à capital
Lisboa recebe com curiosidade a nova loja da Burel Mountain Originals. Dedicada exclusivamente à decoração e design de interiores, conta uma bonita história, entre mantas apetecíveis e cortinados "acústicos". Tudo em lã, evidentemente.
Quando pensamos em burel pode ocorrer um viés comum, semelhante ao que acontece quando associamos imediatamente um produto a uma marca, devido à sua notoriedade. "É o maior elogio que nos podem fazer", graceja Margarida Andrade Santos, Head of Marketing da Burel Mountain Originals, a propósito da confusão espontânea entre o tecido burel e a empresa da Serra da Estrela, focada na sua produção. "As pessoas já nos chamam de burel, o que é espetacular", prossegue.
Encontramo-nos na mais recente loja inaugurada pelo grupo, a ampla Burel Chiado Interiors, cujas janelas rasgadas dão para a tranquila Serpa Pinto, perpendicular à não-tão-tranquila rua Garrett, que termina nos Armazéns do Chiado. Ali perto ficava a primeira "Burel" de todas, um espaço minúsculo, cujos painéis em exposição chamaram à atenção de uma arquiteta que os levou até às paredes dos novos escritórios da Microsoft em Portugal. Estávamos em 2012 e foi a alavanca que a empresa precisava e que, consequentemente, a popularizou junto de um público vasto.
Anos antes, Isabel Costa e João Tomás haviam decidido levar as caminhadas exploratórias pela Serra da Estrela a um outro nível, numa jornada de recuperação patrimonial até aos dias de hoje. Depois de adquirem o que é agora o hotel Casa das Penhas Douradas, resgataram uma antiga fábrica em insolvência – estávamos em plena crise e muitas indústrias têxteis da zona encerravam portas - e dali nasceu a Burel Factory, em 2008. "Recuperaram o espaço destruído, puseram as máquinas a trabalhar, contrataram artesãos locais e começaram a fazer experiências com o tecido", conta Margarida Andrade Santos. "A fábrica descobriu-nos a nós e nós descobrimos o burel", continua o casal na página oficial da empresa, onde podemos conhecer a história da Burel Mountain Originals na íntegra.
Na nova loja do Chiado, inteiramente dedicada à decoração e ao design de interiores, também é possível ter um vislumbre deste percurso, pelos quadros saudosistas na parede ou pelo enorme balcão de vidro à entrada, onde o burel se desvenda a si mesmo através de artefactos antigos.
De que falamos, afinal? "A lã chega em fardos [de 200kg, densos e compactos] que compramos aos pastores da zona e depois é toda transformada", explica Margarida Andrade Santos. "É a forma como o tecido é trabalhado que dá origem ao burel", explica detalhando um longo processo com várias etapas. Mas o burel não é novo. No século XII camponeses e pastores usavam-no na vida agrícola, monges faziam dele o seus hábitos e rainhas em luto os seus trajes. A consensualidade deste tecido típico português prende-se sobretudo por pela sua versatilidade e propriedades vastas que ainda hoje o tornam altamente desejável: é repelente de água e resistente à pressão e à exposição solar, de fácil manutenção e sem ganhar borbotos, o perfeito isolante térmico, mas também acústico.
Esta última caraterística torna-o bastante procurado para soluções de arquitetura e decoração, seja em cortinados, painéis ou quadros acústicos como os que vemos expostos na recém-inaugurada loja. "O som que viaja de um lado ao outro fica ali absorvido. Quando mais o burel é trabalhado, melhor é a acústica do espaço." Um grupo de designers pensou nestes e noutros produtos para o lar, das pequenas jarras e bases de copos, a grandes puffs e baloiços para crianças, sem esquecer as almofadas e mantas sedutoras. Longe vão os tempos das aborrecidas cobertas castanhas e axadrezadas", brinca. A cor reina e prova disso mesmo é a nova coleção de verão da marca, com peças pensadas para varandas e jardins ou mesmo almoços à beira da piscina, em idílicas casas de campo.
Aquando da nossa visita, alguns turistas entram na loja, são os principais curiosos. "Está a superar as nossas espectativas", revela com entusiasmo a diretora de marketing sobre o último mês. A fábrica, as lojas, o departamento de arquitetura e os hotéis constituem o core do negócio, "é uma empresa muito complexa e diversificada, trabalhamos vários segmentos e temos muitos canais". Em Portugal, para além dos pontos de venda próprios em Lisboa, Porto e Serra da Estrela, a política interna permite que etiqueta possa ser encontrada também na loja A Vida Portuguesa, mas é a exceção.
Independentemente da qualidade do produto – a marca trabalha três tipos de lã, entre eles o burel, o mais conhecido – parecem ser valores sólidos que estão na base desta família de 200 pessoas. Há uma missão clara de recuperação de um passado material e imaterial, aliada a uma consciência social, económica e ambiental. Os pastores são locais e as ovelhas pastadas ao ar livre, já os artesãos mestres mantêm o saber vivo através dos mais novos "Os teares são antigos, manuais, isto não se aprende na escola. Há maquinaria, na fábrica, do século XIX", desvenda já no final da nossa conversa. Depois, tem-se o fato de o produto ser natural e não poluente, para além de reciclável e renovável com certificação RCS (Recycled Claim Standert), aliada a uma diretriz de desperdício zero "os restos de burel são utilizados para produtos em si ou reutilizados para produzir novo burel". Um ciclo que se fecha em si mesmo, mas que permite a abertura da região ao globo, colocando a pequena vila de Manteigas no mapa mundo.
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