O hotel vínico Torre de Gomariz, em Vila Verde, conta a história de vida de um médico
José Silva Couto não podia estar mais orgulhoso da propriedade que o pai sempre quis recuperar. Ganhou a votação dos leitores da Condé Nast Johansens para melhor hotel da Europa e Mediterrâneo, vai construir uma adega, e estão previstos um ginásio, um picadeiro e seis bungalows. Um "regresso" a casa que o médico de Coimbra planeou ao pormenor. Percebe-se.
Quando diz que é da Torre de Gomariz, em Cervães, Vila Verde, está a falar literalmente?
Nasci em casa, a 300 metros daqui. Em casa do meu avô que era dono desta propriedade. O meu pai era advogado, a minha mãe professora primária e ambos fizeram uma casa perto da escola, mas toda a minha família é desta região. Somos quatro irmãos, mas apenas eu e mais um somos os proprietários do Torre de Gomariz, Wine & Spa Hotel.
Fiz o liceu em Braga, mas fui para Coimbra estudar medicina e ginecologia. Estive 31 anos no IPO, mas há uns anos deixei a função pública e apenas faço clínica privada e vou tendo entusiasmo para empurrar estes projetos.
Foi um regresso?
Foi um pouco o regresso às origens. A vida em Coimbra foi sempre muito ocupada. Além da medicina, tive algumas atividades empresariais e a minha mulher Lígia, que é professora na faculdade, gere farmácias. Vinha cá de longe a longe. O meu pai vivia aqui, mas morreu há 25 anos.
Foi preciso remodelar tudo?
A torre estava num estado calamitoso. Ou se recuperava e se fazia um projeto com viabilidade económica ou então ia cair e desaparecer.
Mantiveram muitos equipamentos…
Além da torre e do solar, o celeiro e o espigueiro fazem-me lembrar as desfolhadas que presenciei. Mas ficou tudo original. Por exemplo no celeiro, o chão teve que ser todo levantado porque era inclinado para a chuva sair.
De quem foi a arquitetura?
Paulo Braga, que é de Braga, meu primo, e tem a mãe a morar aqui perto. Há aqui muito empenhamento emocional, mas foi preciso coragem. A reconstrução da torre foi muito complexa, num edifício que tem paredes com um metro e meio de largura em baixo.
Para que servia a torre?
Era habitação do século XV. Só no século XVII foi feito o solar, e no século XVIII a capela, altura em que são construídos os muros. A propriedade existe desde o século XIII, altura em que o dono era o cónego da Sé de Braga e contador do rei D. Dinis, Estevão Durão Esteves. Depois passou por várias famílias e o meu avô adquiriu a propriedade no início do século XX.
O seu avô que esteve fora de Portugal…
Esteve no Brasil e construiu um património assinalável. A família do lado do meu pai tem uma presença forte no Brasil a partir de meados do século XIX. O meu avô e o irmão, Silva, fizeram uma fortuna considerável. O meu tio-avô chegou a ser proprietário de ruas inteiras em São Paulo. Mais tarde, um filho, primo do meu pai, gabava-se que a única profissão dele era gastar dinheiro em festas e caçadas. Viveu sempre assim, mas os filhos ficaram com pouco. Outro primo, José do Egipto Macedo e Cunha, fez bem a gestão e todos os filhos ficaram bem na vida.
O seu pai, Aristides Couto, também fez uma boa gestão, ao que parece.
Todos nos licenciámos, mas o meu pai, republicano e anti-salazarista, era conhecido por ser o advogado dos pobres. Passou pela prisão muitas vezes e acabaram por o prejudicar financeiramente.
Foi próximo do PS?
Foi um dos fundadores, muito amigo do Salgado Zenha que foi caloiro dele em Coimbra e que era de Soutelo, aqui perto. Tinha boas relações com Mário Soares e Jorge Sampaio, mas sempre morou aqui. Era conservador do Registo Civil, mas como não assinou um papel a dizer que era anticomunista foi despedido. Era um tribuno… com envergadura. Na altura das eleições com Humberto Delgado, quando entrava num café em Braga e fazia um discurso, toda a gente fugia com medo da PIDE. Era sempre preso antes das eleições e lembro-me bem da polícia entrar em minha casa às 6 da manhã a revistar tudo. Era um liberal, um romântico e um homem destemido.
Nunca esteve preso muito tempo?
Esteve uma vez uns meses em Braga e no Porto. O património agrícola dava pouco e acabou por vender uma casa da minha mãe em Braga. Mais tarde teve um pequeno AVC e deixou de poder ir aos julgamentos para passar a trabalhar os processos. O seu sonho era reconstruir isto, mas nunca teve capacidade monetária.
Mas depois veio o 25 de Abril.
Depois de Abril foi reintegrado na Função Pública em Leiria como conservador e aos 70 anos reformou-se e regressou.
O José Silva Pinto não lhe seguiu as pisadas…
No 25 de Abril era assistente da faculdade em Coimbra, mas sou da geração que esteve na crise estudantil de 69 em Coimbra. Estava numa república, os Paxás, presenciei reuniões secretas, fiz greve, envolvi-me. Já depois da revolução, pertenci a uma comissão de saneamento e tive acesso às fichas da PIDE onde estava a minha e a do meu pai. Mas sempre tive uma posição independente. Para a malta de direita era um comunista e para os de esquerda era fascista. Não precisava da política para nada. Não faz o meu género.
Era um entusiasta do desporto?
Joguei andebol, fiz judo e rugby na Académica, mas fiz ski aquático a vida toda. Vendi o último barco há uns anos. Praticava ski em Castelo de Bode, depois no Algarve, em Vila Moura, e na barragem da Aguieira nos últimos anos. Fui fundador do aero-clube de Coimbra com outro jovem médico da mesma república. Geríamos e arranjávamos dinheiro. Um dia o Camilo Mortágua e o Palma Carlos amarraram-no a um poste para poderem fugir numa avioneta para o Algarve depois de terem assaltado o Banco de Portugal na Figueira da Foz.
Mas pilotava?
Tinha brevê, mas voava sobretudo para detetar incêndios.
Teve muitas atividades. Uma vida preenchida?
São 72 anos de uma vida cheia. Muitas coisas, não as faria da mesma maneira, mas não me arrependo do que fiz. A minha paixão desde miúdo era a medicina, como o meu padrinho, mas o hobby preferido é viajar. Por razões profissionais, para conferências e congressos, e a nível pessoal. Conheço mais de 80 países.
Começou a viajar cedo?
O meu pai tinha alguns clientes emigrantes e eu e os meus irmãos fomos algumas vezes com ele a Paris. Em 1969 fui com dois irmãos e dois amigos pela Europa fora à boleia. Em Londres estivemos um mês. Durante o dia trabalhávamos em restaurantes e à noite íamos para a farra.
E continua a viajar. O que mais gosta?
Depende do objetivo. Se for praia e descansar, Maldivas, Filipinas, Bora-bora, Fiji. Fiz um safari com os miúdos no Quénia e Zanzibar e ainda o recordam como das viagens que mais os impressionaram e entusiasmaram. Fui ao Nepal e fiz um voo rasante nos Himalaias, gosto de Nova Iorque, Istambul é uma cidade interessante e sempre gostei muito de Londres. Fiz uma viagem ao Peru fantástica e testemunhei o respeito pela natureza na Costa Rica.
E hotéis? Tirou ideias?
Conheço alguns mais icónicos do mundo, como o La Mamounia, em Marraquexe, no Dubai, Abu Dabi, muitos de grande qualidade. Posso saber pouco de hotelaria, mas sei o que são bons hotéis. Nos últimos anos preferi alojamentos mais pequenos, mais personalizados, e aí comecei a tirar apontamentos.
E por cá, conhece os seus concorrentes? Os hotéis vínicos?
O L’And Vineyards, o Yeatman, a Quinta do Vallado, a Casa do Lago, o Monverde… a Malhadinha Nova, onde temos uma relação pessoal com os donos. O Torre de Palma do nosso amigo Paulo Barradas Rebelo. Começámos os dois a falar e percebemos que tínhamos um projeto muito parecido. Ele fez a adega logo e começou um ano mais cedo.
O Torre de Gomariz abriu em 2015. Quem foram os primeiros clientes?
Tínhamos uma candidatura no Turismo de Portugal e tinha havido um erro que nos obrigava a ter uma taxa de ocupação de estrangeiros altíssima, mas felizmente conseguimos.
Quanto foi o investimento?
Cerca de cinco milhões de euros. Mas beneficiei de uma época em que as empresas de construção estavam com pouco trabalho. Hoje custaria mais dois milhões.
Envolveu-se em todo o processo?
Acompanhei o processo de arquitetura desde o início. Era preciso ter quartos com qualidade e, por exemplo, ter atenção à divisão das zonas. Queria ter uma parte para eventos, mas teria que haver separação total. Foi preciso uma sala muito bem insonorizada. Na abertura, num casamento, havia uma orquestra com cinco ou seis músicos que me assustou, mas fiquei num quarto e não se ouvia absolutamente nada.
Essa veia de gestor não surgiu agora…
No liceu era o melhor aluno em matemática. Com 30 anos tinha algum dinheiro e comprei em Coimbra uma quinta e urbanizei-a para lotes de 84 moradias. Chama-se Tamonte ou Quinta do Belo Monte. Foi um processo complexo, mas foi quando me entusiasmei pela arquitetura. E fui o primeiro morador. Na altura chamavam-lhe a urbanização dos médicos.
E a pandemia? Tudo mudou?
Estivemos fechados três meses em 2020 e outros três em 2021. No primeiro ano, em agosto correu muito bem. As pessoas sentiam-se seguras. Este ano, desde que abrimos que estamos com eventos, mais pequenos, mas com ocupação superior a 2019.
E quem são os clientes?
Até 2019 tínhamos 40% de estrangeiros. Não é um hotel de família. Há casais de todas as idades e de todos os sexos. É um hotel descontraído.
Há uma floresta grande a seguir às vinhas e depois mais vinhas. É uma mais-valia?
O meu pai deixou crescer a mata porque percebeu que não era muito rentável. E assim ficámos com castanheiros, carvalhas, loureiros, plátanos e pinheiros. Os eucaliptos não deixo crescer, a não ser os emblemáticos.
A casa chegou a ter uma adega.
O meu pai vendia vinho, mas a adega foi destruída nas obras. Continuamos a fazer vinho que vendemos aos hóspedes, mas pouco e os rótulos até fui eu que os desenhei. Mas neste momento o problema é não ter a adega aqui. O vinho produzido é de grande qualidade, mas estou ansioso para poder intervir e controlar diretamente.
Que vinhos tem e vai ter?
É importante ter o tinto Vinhão e o Rosé para o hotel e gostava de fazer um espumante de Loureiro. Além disso, temos Loureiro, Alvarinho e Trajadura.
Mas não quer crescer muito…
Somos um pequeno hotel, mas queremos ter cada vez mais personalidade. Temos uma torre medieval do século XV, temos um solar importante, temos história, arquitetura, vinha e natureza. Tudo aquilo que nos aumente a personalidade é importante. Que seja um legado para manter.
E o prémio da Condé Nast Joahansens?
Tínhamos ganho em 2019 como hotel rural. Este ano estávamos nomeados na mesma categoria, mas acabámos por ficar com o prémio de melhor hotel segundo a votação dos leitores da Condé Nast. Nem sequer há nomeações para este prémio. Ficámos muito contentes, mas é uma responsabilidade.
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