Prazeres / Lugares

Na Vidigueira cabem aviões, negócios, malas, doações, comidas, vinhos, azeites e… um hotel de charme

A Quinta do Paral é feita de mudanças. Da nobreza abastada ao empreendedorismo europeu foram dois passos que se prolongaram dois séculos. Mantiveram-se as gentes, a paisagem rural, os produtos e a tranquilidade.

Foto: DR
11:40 | Augusto Freitas de Sousa

No centro do triângulo alentejano da Vidigueira, Cuba e Selmes, os cerca de 85 hectares da Quinta do Paral confirmam a serenidade de uma paisagem em grande parte preenchida de vinhedos. De um lado da estrada, que se espreguiça entre as povoações, um muro comprido, a casa principal e as vinhas. Do outro, uma adega minimalista que assegura o futuro.

Quinta do Paral
Quinta do Paral Foto: DR

A entrada na Quinta do Paral – Boutique Wine Hotel conduz os automóveis ao estacionamento e o pequeno percurso para a zona dos quartos faz-se no silêncio de uma caminhada ou num pequeno carro elétrico. Nos 22 quartos, na mesa de cabeceira, o pequeno cartão com a previsão do tempo, as temperaturas e o nascer e pôr do sol, dá uma ideia da atenção ao pormenor. A televisão que se recolhe num móvel de madeira, os tons de terra, as diferentes madeiras e texturas ou o "walk in shower" são outros detalhes que revelam que ali nada foi feito ao acaso. A piscina exterior infinita, os jardins e pequenas cascatas, a sala de eventos, o ginásio e três espaços de restauração, completam as propostas dentro da propriedade. A arquitetura e design do gabinete Saraiva & Associados confirmou um projeto, com um investimento de mais de oito milhões de euros, onde o Alentejo está identificado. Apenas o pátio da casa principal faz lembrar as edificações mais comuns nos vizinhos espanhóis.

A piscina exterior infinita.
A piscina exterior infinita. Foto: DR

Os espaços de restauração The Wine Restaurant, com pratos mais elaborados, e o The Estate Lounge, de refeições ligeiras, e os vinhos no The Grape Rooftop Bar, geridos pelo chef residente Ricardo Vieira, assumem um papel de destaque na quinta. A comida é de conforto e tradicional, com produtos locais e um toque de contemporaneidade. A harmonização sugerida inclui os vinhos Quinta do Paral, mas também estão disponíveis outras referências de vinhos portugueses de várias regiões. Entre outras atividades, a quinta propõe passeios privados ao Alqueva e a Évora, passeios a cavalo ou bicicleta pelas vinhas, observação dos astros, oficinas de cozinha e, obviamente, provas de vinhos. Os transfers exclusivos incluem o automóvel ou o inesperado avião privado da casa, um Pilatus PC12 que pode aterrar em Beja.

Os espaços de restauração
Os espaços de restauração "The Wine Restaurant", com pratos mais elaborados, as refeições ligeiras no "The Estate Lounge", e os vinhos no "The Grape Rooftop Bar", geridos pelo chef residente Ricardo Vieira. Foto: DR

A história da quinta perde-se nos tempos do século XVIII, nas heranças dos nobres de Santar e de Palma, no provável nome antigo de Quinta do Peral, no cultivo milenar da vinha e nas sucessivas transmissões de propriedade até chegar às mãos de Dieter Morszeck em 2017. Mas a história do empresário alemão nascido em 1953 conta-se com mais facilidade e rigor. O seu legado começou em 1898, quando o seu avô fundou a fábrica de malas Paul Morszeck que o filho Richard renomeou como RIMOWA. Dieter levou a empresa para outro patamar com transformações importantes como a mudança de malas de couro para alumínio e policarbonato. "Foi a melhor ideia da minha vida", disse, numa entrevista. Quando assumiu a empresa familiar em 1984, tinha um volume de negócios equivalente a três milhões de euros, que aumentou para mais de 200 milhões. Em 2016, vendeu 80% da empresa a Bernard Arnault, patriarca do grupo francês de artigos de luxo LVMH (Louis Vuitton, Hennessy, Moët Chandon), por valores que rondaram os 640 milhões de euros.

Os transfers exclusivos incluem o automóvel ou o inesperado avião privado da casa, um Pilatus PC12 que pode aterrar em Beja.
Os transfers exclusivos incluem o automóvel ou o inesperado avião privado da casa, um Pilatus PC12 que pode aterrar em Beja. Foto: DR

Mas a paixão de Dieter Morszeck sempre foram os aviões. Tomou conta da Junkers Aircraft na Alemanha para reconstruir os famosos aviões em metal e comprou e expandiu a WACO Aircraft Corporation nos Estados Unidos onde se constroem manualmente modelos de aviões ligeiros desportivos. O empresário que investiu no Alentejo está ainda envolvido, juntamente com a sua mulher Lili, na fundação com o seu nome, e com a qual apoia a investigação do cancro – doou 1,5 milhões de euros ao Centro Hospitalar Universitário do Algarve –, a construção de hospitais e a assistência médica e humanitária por via aérea na região do Amazonas no Brasil.

Em Portugal, tudo começou com a compra de uma vinha velha perto da Quinta do Paral com 1,5 hectares, com uma mistura de castas brancas e tintas, todas com mais de 60 anos. Dieter Morszeck cruzou-se com o enólogo Luís Morgado Leão que em julho de 2017 preparava a vindima na atual adega da quinta, na altura em regime de aluguer. Luís conheceu a família, trocou contactos e, no dia seguinte, após algumas horas de conversa, o empresário alemão convidou-o para assumir a direção do projeto.

Luís Morgado Leão (enólogo) e Dieter Morszeck
Luís Morgado Leão (enólogo) e Dieter Morszeck Foto: DR

O interesse de Luís Leão pela terra e pela região levou-o a tirar o curso de Engenharia Técnica Agroindustrial, mas a vertente de enologia foi mais forte e acabou por estar na quinta da José Maria da Fonseca, na Casa Agrícola Silvestre Ferreira e na Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito, antes de assumir a direção da Quinta do Paral.

Luís Leão entende os objetivos de Dieter. Explica que o empresário deseja que "a marca Quinta do Paral seja mundialmente conhecida e respeitada, tanto pelos seus produtos como pelos serviços oferecidos". Acrescenta que o alemão quer que os clientes compreendam a riqueza da região da Vidigueira e que "seja reconhecida internacionalmente pelos seus vinhos e pela forma de viver das suas gentes". O diretor-geral refere que a quinta conta com mais de 50 trabalhadores, entre eles Maria Pica, na direção comercial e Filipe Beja Simões na gestão do hotel. No que diz respeito aos vinhos, a marca Quinta do Paral divide-se em clássicos, superiores, reservas e vinhas velhas, entre brancos e tintos, enquanto o azeite assume duas versões virgem extra premium. Luís Morgado Leão esclarece que 60% da produção vinícola destina-se ao mercado nacional e os restantes 40 à exportação, "com destaque para a Suíça e Holanda na Europa, e os Estados Unidos fora da Europa". No caso do hotel, acrescenta, "os principais mercados são Portugal, seguido pelos Estados Unidos e Brasil".

Quinta do Paral
Quinta do Paral Foto: DR

O responsável salienta que a quinta possui 59 hectares de vinha, produz mais de 200 mil garrafas por ano, 50% brancos e 50% tintos e, apesar de não quer crescer muito, há a ideia de "chegar às 300 mil". Relativamente à operação, Luís Leão revela que está prevista a abertura de uma nova unidade hoteleira em Vila de Frades, "bem como a criação de uma adega tradicional de talhas que incluirá um restaurante e uma sala de eventos".

O diretor-geral da Quinta do Paral esclarece que Dieter Morszeck divide o tempo entre os negócios na Suíça e Estados Unidos e a produção de vinhos na Vidigueira. Confessa que tem uma relação "de amizade, respeito e confiança mútuos baseada na clareza e honestidade", e não quis deixar de contar um episódio que o marcou. Luís Leão recorda que na altura da pandemia ele e a equipa tinham um plano de ação para 2020 e estavam a começar a implementar a estratégia delineada, nomeadamente na comunicação e entrada em novos mercados. Quando tudo fechou pensou que teriam de refazer os planos, abrandar e mandar todos para casa. Mas não. O enólogo garante que continuaram com o que estava planeado, "mas à distância". Comunicaram mais do que estava planeado, mantiveram contato com os importadores, a equipa foi realocada para novas funções, e prosseguiram com a implementação da marca no mercado: "Foi um sucesso", conclui.

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