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Da Europa para a América: a história das 'mug shots'

As mais famosas fotografias de rosto - na prisão - que ninguém quer ter no currículo, e que Donald Trump reavivou nos últimos dias.

Foto: Getty Images
28 de agosto de 2023 | Ângela Mata
Mug shot é um termo informal usado na língua inglesa para designar um retrato fotográfico de uma pessoa do busto para cima, geralmente tirada depois desta ser presa pela polícia. O conceito original nasceu na Europa, mas com o passar dos anos expandiu-se um pouco por todo o mundo, tendo hoje em dia maior expressão nos Estados Unidos

Um pouco por conta das séries e filmes norte-americanos, é muito através dessa cultura visual que este nome nos é dado a conhecer. Para não falar nas variadíssimas pessoas que popularizaram precisamente por conta das suas mug shots, mesmo que já fossem algo famosas. É o caso de O.J. Simpson (1994), Robert Downey Jr. (1999), Nick Nolte (2022), James Brown (2004), ou Hugh Grant (1995).
Hugh Grant foi preso pela polícia de Los Angeles depois de ter sido apanhado em flagrante no carro com uma prostituta.
Hugh Grant foi preso pela polícia de Los Angeles depois de ter sido apanhado em flagrante no carro com uma prostituta. Foto: Getty Images
Na história, também alguns rostos foram obrigados a ver os seus mug shots virem a público, devido à sua luta constante pelos direitos civis e humanos. Martin Luther King Jr. (1956), Rosa Parks (1956) e John Lewis (1961) foram exemplo disso.
Foto da ativista americana dos direitos civis, Rosa Parks, após a sua prisão em fevereiro de 1956, durante o boicote aos autocarros de Montgomery.
Foto da ativista americana dos direitos civis, Rosa Parks, após a sua prisão em fevereiro de 1956, durante o boicote aos autocarros de Montgomery. Foto: Getty Images
Mas nunca se tinha ainda visto um Presidente dos Estados Unidos, neste caso ex-Presidente, a ter o seu retrato num cadastro policial. Aconteceu agora, em 2023, com aquele que foi o 45º Presidente nos EUA, Donald Trump. Indiciado em quatro processos criminais, e ao contrário das três acusações anteriores, desta vez não escapou à mug shot.

Na era das redes sociais, a fotografia de Trump foi imediatamente partilhada e acabou por ter um resultado um pouco oposto ao que se esperava. O ex-Presidente e os seus apoiantes conseguiram transformar essa imagem numa espécie de medalha de honra. Desde então, depois do aproveitamento da foto de cadastrado, a campanha de Trump já arrecadou mais de 6,5 milhões de euros em donativos e venda de merchandising. T-shirts, canecas, bonés, e mais uma série de artigos, todos com a cara de Trump na prisão têm sido bastante procurados nos Estados Unidos.
Foto de cadastrado rende milhões a Donald Trump
Foto de cadastrado rende milhões a Donald Trump Foto: Getty Images

Até os Greenday criaram t-shirts alusivas à capa de Nimrod, o álbum de 1997 que continha o êxito Good Riddance (Time of Your Life), trocando os rostos originais pelo de Trump. A t-shirt pode ser adquirida pelo preço de 35 dólares (32,42 euros), com as receitas a reverterem para o Greater Good Music, organização que apoia as vítimas dos incêndios em Maui, no Havaí. 
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Mas esta relação entre a fotografia e as autoridades, mais especificamente à sua atividade de policiamento, já existe há muito. Pouco depois de ter sido inventada, em 1839, a tecnologia começou a ser utilizada para fins de identificação e vigilância. Em Paris, por exemplo, a polícia utilizou a fotografia nos esforços para identificar criminosos em série.
Alphonse Bertillon, criminologista francês e inventor da fotografia criminal, em 1913.
Alphonse Bertillon, criminologista francês e inventor da fotografia criminal, em 1913. Foto: Getty Images
Na década de 1880, Alphonse Bertillon, antropólogo e chefe do Serviço de Identificação Judicial de França, inventou a mug shot, um retrato fotográfico duplo de rosto: uma foto voltada para a câmara e a outra de perfil. O retrato ainda pressupunha nove medidas físicas, que incluiam a largura da envergadura do braço, o diâmetro da cabeça, o comprimento do pé e o tamanho da orelha. Este sistema de Bertillon demonstrou que a fotografia não fornecia um registo transparente: necessitava de suporte textual. Chamada de Bertillonage, esta abordagem anunciava paradoxalmente a fotografia policial, ao mesmo tempo que sublinhava a insuficiência da identificação fotográfica.

A primeira foto policial (como as consideramos hoje) foi tirada a um prisioneiro em Bruxelas, Bélgica, em 1843. Uma década depois, a polícia britânica contratou um fotógrafo profissional.
O líder americano dos direitos civis, Martin Luther King Jr., após ter sido preso por liderar um boicote em toda a cidade aos autocarros segregados, em 1956.
O líder americano dos direitos civis, Martin Luther King Jr., após ter sido preso por liderar um boicote em toda a cidade aos autocarros segregados, em 1956. Foto: Getty Images

Nos Estados Unidos, os departamentos de polícia começaram a fotografar homens e mulheres presos já na década de 1850 e exibiam os seus retratos para exposição pública em galerias de criminosos. Mais tarde, no século XIX, à medida que as fotografias se tornaram mais fáceis e baratas de reproduzir em impressões de papel, a fotografia policial foi amplamente utilizada nos departamentos de polícia de toda a Europa e dos Estados Unidos.

Esta técnica persistiu até hoje, embora as impressões digitais rapidamente se tenham tornado uma forma mais precisa de identificar criminosos. Ao longo do século XX, fotografias de líderes dos direitos civis a criminosos e celebridades, deixaram a sua marca.

Nos EUA, a prática de divulgar fotos policiais pode estar em extinção. Em 2020, a polícia de São Francisco anunciou que não divulgaria mais fotos policiais, a menos que houvesse um motivo de segurança pública. Acredita-se que esta partilha e proliferação de imagens nos jornais e nas redes sociais cria possa promover, de certa forma, o preconceito racial.
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