Prazeres / Especial Dubai

72h no Dubai: uma terra de contrastes. A primeira parte

Este pequeno emirado do Golfo Pérsico atrai visitantes pelas suas praias em exuberantes ilhas artificiais e pelos seus colossos de arquitetura moderna. O que significa que afasta quem prefere destinos mais históricos e culturais, mais isso é um erro. Fomos conhecer o lado B do Dubai.

Foto: DET Dubai
12:27 | Madalena Haderer

Estávamos bêbadas de sono, eu e a I. Naquela euforia parva de quem já entrou na reserva há muito. Nesse dia, o último que passaríamos no Dubai, acordámos às cinco da manhã para ir ao deserto e à noite fizemos um rally gastronómico no souk. À chegada ao hotel percebemos, com tristeza, que tínhamos acabado de percorrer sinuosas ruas com centenas de lojas e não comprámos nada. Quase nada – um potezinho de cristais de mentol cada uma, excelentes para desentupir narizes, disseram-nos. Mas queríamos mais. Queríamos especiarias. Queríamos tâmaras. E, mais que tudo, queríamos canela, depois de nos terem dito que a que se vende na Europa é fajuta e de nos terem mostrado paus de canela "como deve ser". E nem nesse momento nos ocorreu que queríamos levá-los connosco. Chegadas ao hotel, no elevador, cada uma saindo no piso que lhe competia, e parece-me que ouço alguém perguntar "I. sempre vais ao Dubai Mall?" A I., confirma, já com a porta do elevador a fechar-se. "Dubai Mall?! Eu também quero ir!" Só que disse-o dentro da minha cabeça. Vou ao meu quarto, tento ligar para o quarto dela a impingir a minha companhia. Não resulta. Tento mandar mensagem, não tenho internet – um problema que não era novidade porque nunca consegui ligar-me ao wifi do hotel e passei quatro dias off-grid. Encontro outra miúda do grupo – éramos cinco mulheres, quatro jornalistas e uma assessora de comunicação, todas portuguesas – e peço-lhe que mande mensagem à I. no nosso grupo de Whatsapp. Acabamos a trombar uma com a outra à saída do elevador. Ela vinha à minha procura, eu ia à procura dela.

Panorama impressionante da marina do Dubai
Panorama impressionante da marina do Dubai Foto: DET Dubai

E lá fomos, estafadas, mas entusiasmadas. Afinal, tinham-nos dito que dentro do Dubai Mall cabem 30 Centros Comerciais Colombos – não cabem, já confirmei, cabem três – e nós queríamos ver com os nossos próprios olhos. A informação, de resto, era credível. No Dubai é tudo à bruta, tudo em grande. Não é por acaso que o Burj Khalifa, o maior edifício do mundo, fica lá – tem 828 metros. Mas, sossegue, leitor, que este não é mais um artigo sobre o Dubai e os seus arranha-céus. Sucede que esta jornalista não acha a mínima a graça a mamarrachos envidraçados, ilhas artificiais e demais colossos da engenharia, pelo que foi com relutância que deu por si naquela parte do mundo. Mas foi com alegria e alívio que descobriu que o Dubai tem uma oferta histórica e cultural muito interessante. Vale a pena enfiar-se num avião oito horas e meia e pagar um balúrdio pelo bilhete? Talvez não. Por uma fração do preço pode ir a Marrocos, onde tem deserto, souks e mesquitas a dar com um pau – mas não dê com um pau em coisa nenhuma senão vai preso. Porém, se estiver a planear uma viagem à Ásia ou à Oceânia, vale a pena, sem dúvida, fazer uma escala de dois ou três dias no Dubai.

Vista aérea do Burj Khalifa e arredores
Vista aérea do Burj Khalifa e arredores Foto: DET Dubai

Não deixa de ser fascinante olhar em volta e pensar que há 100 anos não havia ali nada, excepto areia, um entreposto comercial, algumas casas, um forte datado de 1799, o edifício mais antigo do Dubai, e umas quantas palmeiras. Aquela a que hoje se chama a zona "velha" do Dubai remonta à década de 1960. Talvez faça falta um pouco de contexto histórico-geográfico antes de avançarmos mais. O Dubai é um dos sete emirados que compõem os Emirados Árabes Unidos (EAU), a saber, Abu Dhabi, Dubai, Xarja, Ajmã, Umm al-Quwain, Ras al-Khaimah e Fujeira. Os EAU foram fundados no início da década de 1970, quando aqueles territórios descobriram que tinham petróleo e acharam que estariam mais seguros de "interferências externas" se se unissem.

Dubai Creek
Dubai Creek Foto: DET Dubai

Nota-se um grande orgulho patriótico no desenvolvimento estratosférico que ocorreu em meia dúzia de décadas. Por todo o lado há bandeiras e fotografias do sheik Mohammed bin Rashid Al Maktoum, muitas vezes acompanhadas de citações do próprio sobre sucesso, empreendedorismo e perseverança, mas a verdade é que ele próprio, o Dubai, e todos os Emirados Árabes Unidos, devem o seu sucesso ao petróleo. Se não houvesse petróleo, aqui continuaria a ser uma vastidão de deserto com aldeias de mercadores, pescadores e caçadores de pérolas, ao longo do Dubai Creek, como se diz em inglês, ou Khor Dubai, em árabe – um canal de água salgada oriunda do Golfo Pérsico que atravessa o Dubai e que foi o berço da sua civilização.

Bairro histórico de Al Shindagha, onde fica o museu com o mesmo nome
Bairro histórico de Al Shindagha, onde fica o museu com o mesmo nome Foto: DET Dubai

Para ficar a conhecer a fundo a história do Dubai, vale a pena visitar o Museu Al Shindagha, no bairro histórico com o mesmo nome, nas margens do Dubai Creek, e que foi, durante muito tempo, a zona residencial da família real. É possível fazer uma visita guiada, mas, a menos que queira muito ser soterrado em informação, não vale a pena. Ainda assim, reserve uma manhã ou uma tarde inteira para visitar o Al Shindagha que é, na verdade, um conjunto de museus, com várias casas temáticas que mostram o modo de vida tradicional dos emiratis. 

Os edifícios antigos tinham estas estruturas – torres de vento – para ajudar a refrescar a casa
Os edifícios antigos tinham estas estruturas – torres de vento – para ajudar a refrescar a casa Foto: DET Dubai

Aqui poderá visitar a Casa da Tradição Marítima, que explora a importância do Dubai Creek para o comércio e a navegação, e a história da pesca de pérolas, que foi a base da economia local antes do petróleo; a Casa do Perfume, que mostra como os emiratis criavam perfumes tradicionais com ingredientes como oud, âmbar e rosa, e explica o significado cultural dos perfumes e da prática do uso do incenso; a Casa da Vida Social e Estilo de Vida, que conta como as pessoas viviam antes da era moderna; a Casa do Sheikh Saeed Al Maktoum, antiga residência do governante do Dubai, que foi restaurada e transformada numa exposição sobre a família real e o crescimento da cidade; a Casa dos Governantes e Sociedade, que explica o papel dos líderes de Dubai no desenvolvimento da cidade; e a Casa da Vida no Deserto, que apresenta a cultura beduína e como as tribos do deserto sobreviviam num ambiente árido. As três primeiras são as mais interessantes. Sobre a cultura beduína e a vida no deserto, o melhor é fazer uma expedição até lá – já lá vamos. 

Um táxi inusitado
Um táxi inusitado Foto: DET Dubai

Uma advertência: as pessoas nestas partes do mundo têm muito medo do calor pelo que o ar condicionado tende a estar em modo ártico e isso foi particularmente verdade no Museu Al Shindagha, pelo que cada entrada e saída de edifício resultava em oscilações de temperaturas superiores a 10º, já para não falar das homicidas pontadas de ar gelado direcionadas para o peito e as costas do visitante – logo no primeiro dia íamos perdendo um elemento do nosso grupo por conta disso. Portanto, por muito calor que esteja, ande sempre com um casaco e uma écharpe para proteger o pescoço. 

Bairro histórico de Al Fahidi
Bairro histórico de Al Fahidi Foto: DET Dubai

Se a visita guiada ao museu é desnecessária, há outras que podem valer a pena organizar. Uma delas consiste numa experiência em que cada pessoa faz o seu próprio perfume e que foi organizada por Khadija Behzad, uma guia turística certificada que criou a sua própria empresa, chamada Meet the Locals – "porque as mulheres no Dubai podem estudar, trabalhar e até ter os seus próprios negócios", sublinha a nossa guia –, que organiza eventos e experiências turísticas à medida de cada pessoa ou grupo. Na prática, é uma questão de explicar à Khadija quais são os interesses e objetivos e ela customiza uma experiência. No nosso caso, encontrámo-nos com ela no bairro histórico de Al Fahidi, onde tivemos uma masterclass sobre essências, óleos perfumados e fragrâncias típicas, antes de nos armarmos em perfumistas. De seguida, foi-nos servido um almoço tradicional, no restaurante Al Khayma, com pratos muito à base de vários tipos de arroz com frango, borrego, peixe ou marisco, um macarrão com natas e lulas e parece muitíssimo deslocado, mas que nos garantiram ser um prato costumeiro, sopa de lentilhas, pão achatado acabado de fazer, humus, coisas do género. 

Souk de Al Fahidi
Souk de Al Fahidi Foto: DET Dubai

Acima de tudo, os emiratis levam o seu café muito a sério, tão a sério quanto os marroquinos, o seu chá de menta. Café é, naquelas partes, algo que não se nega a ninguém e era costume os vizinhos serem guiados pelo seu nariz rumo a uma cafeteira acabada de fazer. Há até toda uma etiqueta em torno do consumo do café: é servido em pequenos copos que só se enchem até três quartos e assim que fica vazio é novamente enchido até à mesma medida. A única forma de quebrar este ciclo interminável é abanando o copo na mão, para a esquerda e para a direita – é esse o sinal de que já se está satisfeito e faz-se assim para não interromper a conversa. Há um único caso em que alguém serve ao seu visitante um copo cheio de café: quando está com pressa para sair. Ou seja, o visitante chegou de surpresa, o dono da casa precisa de sair e não se pode demorar à conversa, portanto, serve-lhe um copo cheio de café. Toda a gente sabe (e ninguém se ofende) que isto significa: "bebe e vai-te embora, falamos depois".

Café árabe e
Café árabe e "luqaimat", uns doces típicos fritos e regados com xarope de tâmara Foto: DET Dubai

Ainda neste bairro fica o restaurante Arabian Tea House, um dos melhores sítios para experimentar a gastronomia local – os luqaimat, pequenas bolinhas fritas cobertas com xarope de tâmara são uma maravilha, bem como a khabisah, uma sobremesa tradicional feita à base de farinha de trigo torrada, manteiga, açúcar ou tâmaras e especiarias como cardamomo e açafrão, que fica com um aspeto de papa espessa e granulosa que não lhe faz justiça. O Arabian Tea House tem o menu online, com fotografias, portanto, pode planear melhor a refeição. Está aberto todos os dias, das sete da manhã às onze da noite, com serviço de pequeno-almoço, almoço, chá e jantar.

O ambiente muito agradável do restaurante Arabian Tea House
O ambiente muito agradável do restaurante Arabian Tea House Foto: DET Dubai

Se, ao contrário desta jornalista, é o lado mais moderno e cosmopolita do Dubai que o atrai, vale a pena visitar o restaurante Teible, com a sua estrela verde Michelin – atribuída aos restaurantes mais sustentáveis –, no Centro de Artes Jameel, quase em cima do Dubai Creek, em Al Jaddaf Waterfront, e diante do famoso hotel Palazzo Versace. Uma das sobremesas consiste num bolo de chocolate em forma de bulldog francês que foi selvaticamente decapitado e esquartejado por duas colegas jornalistas.

Zona de bar do Studio Frantzén
Zona de bar do Studio Frantzén Foto: DR

Outro restaurante que tem mesmo de conhecer é o recém-aberto Studio Frantzén, do famoso chef sueco Björn Frantzén, e que oferece o aclamado estilo gastronómico franco-asiático de Frantzén com influências nórdicas num ambiente confortável de luxuoso boudoir escandinavo. A comida é deliciosa e a carta de cocktails – sim, servem álcool! – é uma verdadeira maravilha. Na hora de escolher a sobremesa, pode ir a uma zona do restaurante que é uma espécie de loja de doces onde pode pedir o que quer, apontando para tudo o que o encantar, como uma criança. Parece que está no Dubai? Não. Podia estar em Londres, Amesterdão ou Estocolmo, mas não deixa de ser um restaurante magnífico. Só serve jantares e está aberto das seis da tarde à uma da manhã.

Atlantis resort
Atlantis resort Foto: DET Dubai

Outra coisa curiosa do Studio Frantzén é a sua localização no Atlantis, um resort de cinco estrelas que inclui o maior parque aquático do mundo e um dos maiores aquários do Médio Oriente, com mais de 65 mil animais marinhos, bem como inúmeros restaurantes e lojas e, claro, mais de 1500 quartos e suites luxuosos, situado no topo da Palm Jumeirah, uma das famosas ilhas artificiais em forma de palmeira.  O Atlantis, que tivemos de calcorrear, durante largos minutos, para chegarmos ao restaurante, é qualquer coisa que só visto. Parece um exemplar de arquitetura do estilo gótico atlântico kitsch em modo desenho animado, como se duas famosas personagens da Disney, o génio da lâmpada do filme Aladino e a Pequena Sereia, tivessem passado uma louca noite de amor regada a alucinogénios e este tivesse sido o seu sonho mirabolante para palácio encantado.

Vista aérea da Palm Jumeirah com o Atlantis no topo
Vista aérea da Palm Jumeirah com o Atlantis no topo Foto: DET Dubai

(Leia a 2ª parte deste texto aqui.)

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