Esta moradia é o fine dining mais bem escondido de Cascais
De localização inusitada, o restaurante Casa Davolta maravilha-nos com despretensão e alta cozinha de inspiração andaluz. À mesa é servida emoção ao paladar, em criações delicadas e de complexidade técnica notável.
Na aldeia de Areia, a cinco minutos de carro da praia do Guincho, as casas são todas muito parecidas. Naquela zona residencial, a Casa Davolta é mais uma moradia e, ao mesmo tempo, é tudo menos isso. Para os transeuntes, pouco denuncia este restaurante de cozinha autoral inaugurado em 2019: residência de dois andares, paredes brancas, portadas verdes e um muro em pedra a ladear um pequeno pátio com buganvílias.
Cascais não foi, no entanto, a primeira opção do chef andaluz Javier Méndez e da sua companheira Vera Rente. Vindos de Barcelona, onde se conheceram profissionalmente há quase uma década no Hotel Arte, o casal tentou inicialmente a capital para primeiro negócio. "Procurámos muito em Lisboa, mas a certa altura perdeu todo o romantismo. Para quem vinha de uma cidade grande, era mais do mesmo", conta o chef de 41 anos. A poluição adjacente à metrópole e os valores impossíveis dos imóveis também não ajudaram. Neste cenário, a terra-natal da cascalense Vera, tornou-se cada vez mais sedutora para o marido: "Apaixonei-me por Cascais e a ligação ao mar e à natureza".
É na costa portuguesa que Méndez, com currículo firmado nos estrelados Lasarte, Enoteca e Aponiente, encontra o produto que tanto respeita, sendo a lota, a peixaria da aldeia de Juzo e os mercados locais fiéis adjuntos. A influência, contudo, vem das suas raízes andaluzes, um receituário popular que quer perpetuar, através de muita experimentação e técnica refinada.
Na sala, é Vera quem nos acompanha o tempo todo, com um cuidado e encanto muito próprios. Podemos escolher à carta ou seguir pelos menus de degustação, de 7 ou 10 momentos (€67 e €84,5) no caso sem wine pairing. É um almoço, mas arriscamos pela proposta mais longa – sem arrependimentos, mesmo com a continuação de uma quinta-feira de trabalho tarde dentro.
De facto, cada prato torna-se bastante leve sozinho, e harmonioso no seu conjunto. E atenção, não caia no engodo comum de julgar a criação pela simplicidade na apresentação. A confluência de sabores, muitas vezes nada óbvios, deixa-nos perplexos, e o seu rasto perdura no paladar. Começamos com a fresca Ajo Blanco, uma sopa fria de amêndoa com gamba da costa e uvas, seguida do prato de ostra e maçã verde, salgado e açucarado em equilíbrio. E como não falar da sardinha fumada com salada iódica? Aqui, com o crocante da alga, alface do mar, a esconder um creme de lingueirão e uma espuma gelada de manjericão e alho negro.
"Para mim, o mais emocionante é a técnica, quase científica. Tento encontrar o balanço perfeito, utilizando o menor número de componentes possíveis", conta o chef, desvendando entre risos que "quando um prato tem muitos ingredientes é porque não consegui à primeira". Não foi o caso do lagostim com cogumelos e espinafres – Pim, Pam, Pum voilá.
As propostas vínicas ficaram ao encargo de Vera e no final são já cinco copos por pessoa, fora as águas. A seleção pensada incluiu referências locais de pequenos produtores e também vinhos da região de Jerez, que muito diz ao casal. Apreciámos especialmente o Lacrau Branco 2021, 100% Moscatel Galego, de aroma jovem e nuances tropicais e que acompanhou as primeiras entradas e claro, o Villa Oeiras 7 anos, da região demarcada de Carcavelos a fechar a mesa.
Nos principais, houve ainda espaço para a dourada selvagem na brasa com mostarda silvestre e tomate, este último mostrando-se com a forma de uma espuma gelada branca. Não perguntámos o que aconteceu, certos de que não iriamos perceber. Deleitámo-nos apenas. Também houve espaço para a carne, no caso pombo com favas, já que naquele dia a corça com brócolos não estava disponível. Nas sobremesas fica-nos a salada de fruta de cereja e amêndoa amarga, cujo nome é quase uma despromoção, pensamos para nós. Este arranjo final - que nada tem a ver com a típica salada de frutas - traz frescura e sobretudo várias texturas, seja através da geleia, da própria fruta ou do gelado. No fundo, surpresa. Tudo o que estivemos a falar até agora.
Onde? Rua São José nº 353, Cascais. Quando? Terça-feira a sábado, das 12h45 às 14h30 e das 19h00 às 21h00. Reservas: 211 604 892
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