(Quase) tudo sobre House of The Dragon, a prequela d'A Guerra dos Tronos
A há muito aguardada prequela de A Guerra dos Tronos está quase aí. Esperem-se lutas de poder, batalhas épicas e alguns planos de intimidade bem pouco medievais.
A guerra está a chegar. Duas casas rivais – a HBO e a Amazon – empunham as espadas este verão para lutarem pelo domínio no reino da megafantasia televisiva. A prequela de A Guerra dos Tronos, House of The Dragon [Casa do Dragão] (da HBO/Sky Atlantic) vai bater-se com o spin-off de O Senhor dos Anéis, The Rings of Power [Os Anéis do Poder] (da Prime Video) numa batalha épica pela atenção das audiências. A primeira parte, no entanto, com vantagem sobre as forças da Terra Média e com data de estreia marcada para quase duas semanas antes, na segunda-feira, 22 de agosto no Reino Unido – Os Anéis do Poder são lançados na sexta-feira, 2 de setembro. Contudo, o coprodutor de Casa do Dragão, Miguel Sapochnik minimiza os falatórios sobre as duas séries estarem em conflito. "Não, nós não estamos em guerra com O Senhor dos Anéis. Nós temos dragões, mas se pensarem no original [n’A Guerra dos Tronos], tinha gigantes e Caminhantes Brancos e lobos-gigantes e os corvos de três olhos… De certa forma, estamos a fazer uma versão ainda mais terra-a-terra de uma série do fantástico. E os dragões são tratados, pelo menos de início, como cavalos muito, muito, muito grandes."
O realizador, que anteriormente filmou alguns dos mais apreciados episódios d’A Guerra dos Tronos compara isto com Os Anéis do Poder, uma obra recém-criada, passada em plena mitologia original de Tolkien, com hobbits, elfos, anões e orcs vivendo lado-a-lado com os homens. "Penso que há espaço suficiente para ambas as séries", diz ele. Isto faz eco da opinião do criador d’A Guerra dos Tronos, George R. R. Martin, que ainda assim admitiu em maio passado: "Espero que ambas as séries tenham sucesso. Mas sou competitivo o suficiente. Espero que nós tenhamos mais sucesso".
Ambos têm esperanças que estão à altura das suas produções imensamente dispendiosas: de acordo com o reportado, a Casa do Dragão custou para cima de 160 milhões de libras [pouco mais de 188,7 milhões de euros], ao passo que, segundo se diz, Os Anéis do Poder saiu a um preço de mais de 500 milhões de dólares (acima de 495,7 milhões de euros), embora este preço inclua os caríssimos direitos de autor parciais concedidos pelo património de Tolkien. Sapochnik tem, com certeza, razão quando diz que o primeiro episódio da Casa do Dragão, que ele realizou, tem de facto uma sensação crua de regresso ao básico – se o básico se puder dizer que inclui orgias, violência gráfica, momentos de obrigar a desviar os olhos e grandes manobras de luta pelo poder. Nisto, ele é inegavelmente "Tronesiano".
Passada 170 anos antes dos acontecimentos d’A Guerra dos Tronos, a série foca-se na guerra civil que irrompe no seio da regente Dinastia Targaryen, que goza de poder absoluto graças à sua corte de dragões treinados. Pejada, tal como a sua antecessora, dos melhores talentos britânicos do mundo da representação, a série conta com Paddy Considine como o rei Viserys Targaryen, o alumnus do Doctor Who Matt Smith como seu ardiloso e indomável irmão Daemon, a agraciada com o Prémio Olivier, Eve Best como Rhaenys Velaryon, a "Rainha que nunca o foi"; e Steve Toussaint como seu marido, o imponente Corlys Velaryon, o maior navegador da sua geração (Toussaint admite sofrer de enjoo marítimo).
Todos passaram pela exigente agenda da produção da série. "Nada nos prepara para as filmagens", diz Considine. "Eu entrei aqui com os ombros direitos e a cabeça bem erguida. Um ano mais tarde, saí a rastejar de barriga junto ao chão."
As filmagens foram complicadas pela pandemia. Best enfrentou as dificuldades de não poder voar para casa, em Itália, ao longo de toda a duração das filmagens, devido às restrições da Covid, enquanto Considine, que me disse em março passado que tinha baseado a sua representação de Viserys na sua própria mãe, teve de lidar com os efeitos de contágio em cadeia do vírus. "Eu sofri de todas as vezes que alguém apanhou Covid", diz ele, descrevendo como as folgas que ele via como uma oportunidade para se preparar, de repente desapareciam com um telefonema às 10 da noite dizendo-lhe para estar pronto para filmar no dia seguinte, porque alguém tinha apanhado o vírus."
"Eles nunca revelavam quem tinha ficado doente. Havia um grande secretismo por razões que eu ainda hoje continuo sem saber porquê. Isso era o mais difícil de tudo. Eu nunca podia descontrair. E parecia que eu era sempre o tipo a ser chamado e isso a modos que me fazia um bocado de nervos, porque havia algumas cenas bastante longas e eu gosto de estar bem preparado para elas."
De acordo com a guionista e produtora executiva d’A Casa do Dragão, Sara Hess, a série não vai ter violência sexual – que foi o aspeto mais controverso d’A Guerra dos Tronos –, apesar de a anterior asserção de que: "Não se pode ignorar a violência que era perpetrada sobre as mulheres pelos homens naquela época. Isso não devia ser minimizado, nem tão pouco glorificado". O certo é que há violência mais do que suficiente de homens-sobre-homens logo no episódio um – há uma personagem anónima a quem até o pénis lhe é decepado.
No entanto, Smith já disse que considera haver sexo em demasia na Casa do Dragão ("Damos, de facto, connosco a interrogar-nos: ‘Será que precisamos de mais uma cena de sexo?") e quando eu sugiro que há uma cena envolvendo Daemon que parece ir buscar inspiração à pornografia moderna que se encontra online em vez de aos tempos medievais, ele responde francamente. "Para ser honesto consigo, não adorei aquela cena", diz Smith. "Não morri de amores pela maneira como foi concetualizada. Não gostei da forma como eles estavam a ter sexo… aquilo foi a forma como eles quiseram que fosse feita. E foi da forma que eu penso que ele quis realizá-la. E isto não é um insulto para o Migs, nem nada, só que continuo a não gostar dela… Fiquei a sentir que havia um certo modo ligeiramente mais profundo e interessante de contar aquela história física. Mas não tinha de acontecer assim."
Não é esta a cena, contudo, mais provável de provocar falatório na abertura da série. Há uma, em especial, que parece destinada a juntar-se às fileiras dos momentos mais escandalosos d’A Guerra dos Tronos, tais como o Casamento Vermelho e a violação da personagem de Sophie Turner, Sansa Stark. Esta envolve o Viserys de Considine e a mulher Aemma. Pergunto ao ator – ele próprio realizador de um filme, Tyrannosaurus, considerado um dos mais perturbadores alguma vez feitos – se é bom para as pessoas sentirem-se chocadas, de vez em quando, e se aquela cena não será demais para alguns espetadores aguentarem? "Refere-se à cena do parto? Iá, é claro que vão achar que é demais para se poder aguentar… Acontecem coisas terríveis – se quer olhar para elas ou não é lá consigo. Além de que ninguém é obrigado a ver o meu filme, não é obrigado a ver aquilo… Mas, por vezes, é importante mostrar a natureza gráfica destas coisas no contexto certo."
O ator assinala que os momentos chocantes são frequentemente usados pelos filmes mainstream de uma forma gratuita – esta cena é gratuita? "Eu penso que é trágica, é de cortar o coração. Mas nós estamos a narrar um drama aqui e isto é o catalisador para o que acontece a seguir. E é um ponto de viragem massivo na vida de Viserys Targaryen, algo de que ele nunca mais recupera… Por isso é importante. É… [ele indica outro momento chocante da Casa do Dragão]… está a ver? Alguém, vai ficar com a p*** cortada – agora escolha qual destas cenas é mais importante para a narrativa."
O género sexual parece ser o tema mais forte da série. Como Best sublinha, "a minha personagem diz: ‘Os homens mais depressa deitavam fogo ao reino inteiro do que aceitavam ver uma mulher ascender ao Trono de Ferro’". Isto foi "um ótimo gancho" para ela. "O arco da história da série é o ruir deste antigo regime patriarcal. E isso, para mim, foi super interessante. Obviamente, não é uma história que nos seja pouco familiar a todos nós, neste exato momento, e até parece que é algo relevante e importante para explorar."
É um tema que começa a desenrolar-se logo no início, que apresenta uma versão mais jovem da filha de Viserys, Rhaenyra (interpretada pela atriz australiana Milly Alcock, tão brilhante que esteve como adolescente fugitiva no drama-comédia de Tim Minchin Upright), e a sua dama de companhia Alicent Hightower (papel soberbamente desempenhado pela britânica de 19 anos Emily Carey, que a falar parece mesmo a estrela do ténis da vida real Emma Radacanu). "Elas estão numa idade interessante em que, enquanto mulheres, infelizmente, são obrigadas a competir – e eu ainda dou comigo a ser competitiva face a outras mulheres", diz Alcock, "estas mulheres passam por uma mudança de vida monumental que acontece dentro da história e a sua relação, no fim, acaba por ser quebrada porque um homem tomou uma opção".
Tal como Daenerys em A Guerra dos Tronos, Rhaenyra cavalga um dragão e, em breve, dá consigo a tropeçar com toda a força nas expetativas criadas para os elementos do seu sexo em Westeros, o reino fictício concebido por Martin, para o qual foi buscar inspiração à Inglaterra medieval. "O parto é o nosso campo de batalha", diz Rhaenyra à sua mãe, Aemma.
Carey e Alcock serão depois substituídas, mais adiante na série, na interpretação dos seus papéis pelas britânicas Olívia Cooke e Emma D’Arcy. Pergunto a D’Arcy, que usa os pronomes eles/nós, se Rhaenyra é o equivalente medieval de uma pessoa não-binária? "Na verdade, eu não… aquilo que eu diria acerca de Rhaenyra é que ela é alguém que se sente em conflito com o seu género. E isso, em parte, deve-se ao poder que é conferido às suas obras por oposição ao espaço que lhe é concedido por força do seu género. E, em resultado disso, penso que ela é uma pessoa que é hipersensível ao espaço que é proporcionado aos homens.
"Ela tem um desejo enorme pela masculinidade", sublinha D’Arcy, que mais não seja pelas semelhanças entre ela própria e Daemon, o seu tio. "Eles têm uma espécie de reconhecimento genético que ambos partilham profundamente e, no entanto, as regras aplicam-se-lhe a ele de uma forma completamente diferente daquela que se lhe aplicam a ela. Portanto, eu acho que ela está hiper-consciente logo a partir de uma idade muito, muito miúda de como funciona a dinâmica do género."
Toussaint, entretanto, foi vítima de abusos raciais online depois de os criadores da série terem optado por tornar Corlys uma personagem negra com cabelo loiro prateado. "Era muito importante para o Miguel e para mim criar uma série que não fosse outro monte de gente branca no ecrã", disse à revista EW o coprodutor da série Ryan Condal, explicando que o próprio Martin originalmente tinha entretido a ideia de representar os Velaryon como conquistadores negros que tinham chegado a Westeros vindos do oeste.
Pergunto-me se Toussaint considera que isto é uma abordagem à diversidade mais bem-sucedida do que um chamado elenco "daltónico". Ele não tem qualquer problema com esse tipo de elenco, diz Toussaint, e salienta: "Quando recuamos na história, não assim tão fora do comum, no ocidente, ver rostos negros". "Em última instância"; diz ele, "representação é o que interessa. Penso que é importante que, seja qual for o grupo de que somos originários, se nos vemos representados no ecrã, isso significa que estamos incluídos."
Que a série vai continuar a gerar temas de conversa e controvérsia parece inevitável. Todavia, a sua primeira missão é conquistar de novo os espetadores que se sentiram enganados pelo final de A Guerra dos Tronos, que passou da maior série de TV do mundo a um tópico de discórdia e, para alguns, desdém do dia para a noite após o seu episódio final, em 2019. Assim que a série ultrapassou o seu material-base original – a saga de romances do fantástico de George R. R. Martin As Crónicas de Gelo e Fogo continuam por terminar –, a produção televisiva começou a acelerar a passagem dos eventos a um ritmo demasiado rápido para o gosto de alguns fãs.
Com uma quantidade de diferentes opções para continuar com a épica oitava temporada da série que estava a ser considerada, a HBO decidiu apostar naquela em que Martin estava mais interessado. E eles pareciam não estar a querer correr o risco de se desviarem muito da visão do autor. O coprodutor Ryan Condel admite: "O George contratou-me. Portanto, eu entrei nisto como um fã". Os dois estudaram juntos a fase conceptual, diz ele, "arquitetando o plano para o episódio-piloto e a visão para a série, e que época-temporal é que ela ia cobrir e em que acontecimentos é que se ia focar". A Casa do Dragão é retirado de um período descrito no livro de Martin Sangue & Fogo – uma história da Casa Targaryen que foi publicada em 2018.
Incluir Sapochnik, em quem Martin confiava, na equipa, trouxe uma sensação de continuidade e o autor, segundo parece, continua muito fortemente envolvido. "O certo é que ele lê guiões, descreve a sua ideia e tem visto as cenas filmadas, [tem-se] mantido informado. Ele gosta apenas de saber o que se está a passar e que as coisas estão a correr no trilho certo", diz Condal.
Alguns têm expressado preocupação no sentido de que sem o Tyrion Lannister de Peter Dinklage e personagens como o Bronn de Jerome Flynn, poderá faltar à nova série a mais subestimada qualidade de A Guerra dos Tronos, o seu sentido de humor. Empregar Rhys Ifans, de Notting Hill, como a Mão do Rei – o principal conselheiro de Viserys – poderá sugerir o contrário, mas o primeiro episódio não dá qualquer sugestão de que será ele quem irá proporcionar as gargalhadas.
Embora Cooke seja muito cómica na vida real, e com toda a certeza o consiga ser no ecrã, é Matt Smith que tem um historial de representação com sentido de humor. "Quem me dera que Daemon fosse tão espirituoso como o Doctor Who", diz Smith, "eu tentei empurrá-lo nesse sentido". A sua personagem, acrescenta ele, "é um agente do caos, encarcerado no seu próprio mundo de trevas". Trata-se de um mundo que resulta, em grandessíssima parte, da criação de George R. R. Martin.
Chris Harvey/The Telegraph / Atlantico Press
Tradução Adelaide Cabral
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