Onde estão os supermodelos masculinos?
Dúvidas houvesse, os números comprovam-no: na profissão de modelo, as mulheres superam os homens, seja no lucro obtido, seja no sucesso alcançado. Por isso, as top models são quase incontáveis e os homólogos contam-se pelos dedos das mãos no mundo da moda. Ao contrário do que canta James Brown, este não é um mundo de homens.
Claudia Schiffer, Naomi Campbell, Cindy Crawford ou Kate Moss. E também há a gaúcha Gisele Bündchen ou, porque não, Gigi Hadid, a mais recente coqueluche da América. Em comum — além dos portes físicos magistrais e das belezas estonteantes — todas elas partilham o cognome de top model, pese embora com maior ou menor mérito. O mesmo não se passa se sugerirmos alguns nomes masculinos da moda: relembramos o holandês Mark Vanderloo que pôs um rol de mulheres a suspirar por ele, na década de 90, com as aparições em campanhas como a do perfume Calvin Klein Eternity ou outra de menswear para a italiana Armani. Mas também os suecos Marcus Schenkenberg e Alex Lundqvist ou o norte-americano Tyson Beckford que é uma excepção por ser negro, ou melhor, não-caucasiano. Apesar de qualquer um deles ter roçado o título de top model, a verdade é que, hoje, com todo o trabalho e talento que demonstraram, o máximo que alcançam é a memória de alguns profissionais da área da moda ou a de outros seguidores atentos ao que se passa no gigante site models.com. É um facto irremediável: a profissão de modelo sempre foi monopólio das mulheres com a psicologia e a economia a jogarem a seu favor. Por um lado, porque as mulheres sempre se sentiram confortáveis a admirar — e a almejar — a beleza de outras mulheres, ao contrário dos homens que, por questões culturais, passaram a vida a evitar aclamar os portes masculinos, preferindo seguir atletas de renome ou actores hollywoodescos.
Por outro lado, porque o mercado assim o obriga: a poderosa indústria da cosmética continua a estar maioritariamente direccionada para um público feminino (ainda que também isso esteja a mudar, ainda que lentamente). Por esta ordem de ideias, é lógico que os grandes investimentos sejam feitos em campanhas com mulheres. De acordo com um estudo efectuado pela revista Forbes, a estimativa anual do que recebe uma modelo como Gisele Bündchen é de 30,5 milhões de dólares, o que a torna a modelo mais bem paga, em 2016. Sabe-se que o modelo nessa categoria é Sean O’Pry, com 1,5 milhões, segunda dados da Forbes… de 2013. Ou seja, o desequilíbrio é gritante e aquela revista já não realiza a lista masculina há quatro anos. Como comentou Brad Kroenig, o menino prodígio de Karl Lagerfeld, ao The New York Times, "a profissão de modelo masculino é para o negócio das mulheres, como o WNBA [Women’s National Basketball Association] é para o NBA". O sucesso de Brad Kroenig confirma o que escreveu, em 2007, o editor de moda canadiano Tim Blanks na revista V Man, a propósito da profissão de modelo masculino: "Há, apesar de tudo, um prémio de consolação para os homens. Estamos certos de que envelhecemos melhor". Brad Kroenig tem 38 anos e o seu físico confere. Ruben Rua, 30 anos, modelo português há 13 e booker na Agência Elite, sublinha a teoria de Blanks: "Se os modelos masculinos perdem por um lado, vencem pelo outro. É certo que as mulheres ganham mais. Contudo a carreira [masculina] é mais duradoura. O mercado rejeita uma mulher mais velha mas, no entanto, quer um homem mais velho. O modelo masculino pode ter uma carreira de 20, 30, 40 anos, ao passo que a [carreira] de uma mulher termina, invariavelmente, na casa dos 30". Kate Moss à parte, claro. Ruben Rua, que já participou em campanhas para casas como a italiana Valentino, relembra que, até 2014, a final mundial do concurso Elite Model Look só incluía mulheres. "Hoje", acrescenta, "o número de modelos femininos e masculinos inscritos na agência [Elite] é bastante equilibrado, com uma percentagem de 60/40".
Mas a história da profissão de modelo masculino não começa aqui e o protótipo deste nem sequer se aproxima com o modelo desenhado pelo cinema, através da sátira norte americana Zoolander e da sua sequela Zoolander 2, ambas protagonizadas por Ben Stiller e por Owen Wilson, numa sequência de filmes que ridicularizam a profissão. Décadas antes, em 1961, Eleanor Graves, jornalista da Life, publica o perfil de um homem chamado John Harkrider que havia sido, nada mais, nada menos, que dono, fundador, caça-talentos e booker daquela que foi a primeira agência de modelos masculinos. Já na época, esta era uma profissão que pertencia às mulheres e o negócio no masculino não se avizinhava fácil. Assim, e numa base diária, o agente percorria sozinho as ruas de Nova Iorque em busca do rosto perfeito para determinada campanha, abordando desde o empresário ao homem das obras. O único requisito? Que tivesse, tal como dizia enquanto entregava o seu cartão pessoal: "A million dollar face". Ainda que na época de Harkrider não houvesse espaço para encaixar o conceito de top model — o qual se consolidou, na década de 90, com o grupo de mulheres composto, entre outras, por Cindy Crawford, Linda Evangelista, Naomi Campbell, Christy Turlington e Claudia Schiffer — também os homens tiveram o seu pequeníssimo reinado de supermodelos. Tudo começou, em Dezembro de 1978, quando o Soho Weekly News publicou uma séria de imagens assinadas por um fotógrafo (à data) desconhecido, de seu nome Bruce Weber. O modelo nas imagens era Jeff Aquilon, um jogador de pólo aquático da Universidade de Pepperdine. O pretexto era uma sessão de roupas íntimas; o sub-texto um devaneio íntimo, sub-repticiamente (homo)erótico e surpreendente na sua intensidade narcisista. Ainda que o conteúdo não fosse completamente novo (a nudez masculina já podia ser vista nos trabalhos de Baron von Gloeden, Herbert List e George Platt Lynes), o contexto era. Podia-se dizer que Weber havia proposto um novíssimo ideal de masculinidade — ambíguo, submisso, sensível — abrindo desta forma uma janela à forma de como os homens eram retratados pelo media. Estava então aberta a (curta) época dos top models masculinos que glorificou nomes já citados, como Vanderloo, Schenkenberg, Lundqvist ou Beckford.
Homens "mesmo, mesmo, mesmo bem-parecidos", tal como Ben Stiller se descreveu na sua personagem, em Zoolander — inspirada nos modelos altos, bonitos e atléticos das décadas de 80 e 90 — , teriam os dias contados. Se, por um lado, isto iria ter o seu impacto positivo, já que até então o top model a la Zoolander era considerado "burro" e desinteressante, para não dizer ridículo; por outro lado, estar-se-ia a contribuir para a criação de um novo tipo de modelo masculino que punha em causa a saúde e bem-estar dos novos rapazes. Apontado como o grande responsável: Hedi Slimane e os seus ideais de um homem andrógino e ultra-magro. O então director criativo da secção masculina da Dior (estávamos nos primeiros anos do novo milénio) instituiu na magreza excessiva, colocando de parte os portes atléticos até então requeridos. Slimane confidenciou ao Yahoo Style que durante a sua infância e adolescência foi gozado na escola por ser magro em excesso e por as roupas lhe caírem mal, estilo pinguço. Frágil e delicado na infância, Slimane tornou a sua fraqueza no supra-sumo da moda masculina contemporânea. Este francês, que mais tarde ocupou o cargo de director criativo da Saint Laurent, foi o responsável pela dieta de Karl Lagerfeld que afirmou ter emagrecido para poder caber nas roupas com assinatura Slimane. A par do novo peso pretendido quanto-mais-magro-melhor, também a idade dos modelos desceu drasticamente. Numa entrevista à Newsweek, Sam Thomas, da fundação inglesa de caridade Men Get Eating Disorders Too, mostra-se altamente crítico no que diz respeito aos novos parâmetros delineados pela moda: "Há, efectivamente, uma tendência em que os modelos masculinos são cada vez mais novos e mais magros". Além dos homens perderem músculos e das mulheres rejeitarem as curvas naturais, as consequências são os graves danos para a saúde que isto acarreta. O facto de se tratarem de menores de idade, sem a devida consciência, é apenas a cereja no topo do bolo.
Mas as dificuldades não se ficam por aqui e enveredar por uma profissão de modelo masculino seria, também, conforme confessou à Must um modelo que não se quis identificar, "aceitar que se é um produto". Em Portugal e no seu pequeníssimo mercado, as coisas ainda se proporcionam de uma forma delicada. Ruben Rua sugere que os bastidores nacionais são "pacíficos" quando questionado acerca do assédio sexual. Ainda assim, confirma que este existe e que, sendo um meio dominado por homossexuais, são os modelos masculinos as maiores vítimas: "As mulheres são sempre as melhores amigas", remata. No estrangeiro, as coisas são bem diferentes — para pior. Com a competitividade do mercado internacional a aumentar— e as faixas etárias dos modelos a diminuir — as cenas de assédio, provocação e promessas em troca de mundos e fundos, são uma constante. No testemunho em torno desse assunto, dado por um modelo masculino à Newsweek, são várias as situações em que o jovem foi posto em xeque: pelo editor de uma conceituada revista que lhe prometeu uma capa em troca de um jantar; por um fotógrafo que no final da sessão sugeriu uma orgia a troco de uma promessa estonteante de exposição… Tal como afirmou à Newsweek René Habermacher, fotógrafo suíço que colabora frequentemente com a Vogue Japão, entre outros títulos aplaudidos, "na moda são sempre os mais velhos a controlarem os mais novos". Inúmeros testemunhos de jovens modelos acabam com desistências. Outros em tragédias, se quisermos trazer à tona o caso português de Carlos Castro e de Renato Seabra, em 2011.
A somar a todos os factores apontados e que colocam a palavra carreira de modelo masculino em desuso, existe a não menos importante questão da descartabilidade do mercado, talvez a mais forte do momento, resultado dos tempos presentes. O tipo de casting que, no passado era assinatura de designers como Slimane, Rick Owens, Raf Simons, ou Yohji Yamamoto, começa a tornar-se prática comum, até nas mais conservadoras casas da moda. Basta vermos a lista de modelos a seguir, em 2016, pelo site da Vogue Homme, com jovem imberbes, esquálidos e que não correspondem ao arquétipo da beleza clássica para entendermos como o conceito mudou radicalmente. Longe dos tempos dominados por deuses gregos ao melhor estilo Vanderloo, as marcas, mais do que os rostos hot da estação, procuram personalidades, modelos que vinguem pelas suas especificidades. O director de casting da Sacaï e da Céline explica à Newsweek: "Penso que há, hoje, o desejo de que os modelos sejam credíveis. Portanto, procura-se o rapaz que faça parte da banda, o jovem poeta ou qualquer outro que funcione de acordo com o briefing apresentado. Designers e stylists querem personagens que representem a sua mensagem, que contem uma história". Assim, os modelos trabalham por uma ou duas estações e as suas vidas continuam: "Têm momentos, não carreiras", explica Ruben Rua. É como se se tivesse institucionalizado a máxima da top model Tyra Banks que rezava que, na moda, "um dia estamos in, no outro estamos out". Este tipo de exigência não acontece, porém, no mercado feminino, onde se pretende que o foco das modelos ainda seja a moda e não qualquer outra actividade à parte que as distraia no caminho.
A colmatar, há ainda a questão do digital que com toda a sua pujança trouxe a palco nomes que, de outra forma, não surgiriam na orla da moda. O cantor, actor e digital influencer Cameron Dallas, por exemplo, com apenas 22 anos e nenhum passado na moda, é um dos rostos mais requisitados do mundo. O millenial que conta com 16,1 milhões de seguidores no Instagram e cinco milhões de subscritores no YouTube causou furor, em Janeiro passado, ao abrir o desfile Primavera/Verão 2017 da Dolce & Gabbana. Ruben Rua explica que são as novas formas de se sobreviver na moda e de se fazer carreira: "Hoje trabalho muito mais como digital [influencer] do que como modelo". Contrariando o passado do mercado de modelos masculinos, as marcas viram surgir uma nova forma de fazer chegar os seus produtos e serviços ao target feminino que passa por colocá-los perto dos homens que estas seguem religiosamente. Mais do que um rosto bonito, a personalidade, a atitude e o carácter são fundamentais para se sobreviver. Afinal, este não é um mundo de homens, mas poderá muito bem ser. Nem que seja por breves segundos, num ecrã de telemóvel.
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