Os homens que vão à faca para encontrar mulheres
A sociedade em que vivemos valoriza a aparência, cada vez mais, levando muitos homens a recorrerem à cirurgia plástica. Mas para alguns isso só importa para conquistar as mulheres que desejam.
Todos os homens acabam, mais cedo ou mais tarde, por se olhar ao espelho e desejar poder mudar isto ou aquilo no corpo que têm. A barriga demasiado proeminente, as maminhas excessivamente femininas, as orelhas de "açucareiro" ou os olhos descaídos e com rugas são, geralmente, os problemas mais comuns. A maioria encolhe os ombros à falta de genética ou ao excesso de gravidade, mas um número crescente está decidido a fazer alguma coisa. Pelas melhores e pelas piores razões…
Há todo um grupo – ou vários – na Internet que se dedica a discutir o tema da masculinidade, culpando geralmente a sua aparência pela falta de reconhecimento no trabalho ou pela incapacidade em conquistar as mulheres que desejam. Os membros destes fóruns chamam-se a si mesmos "incels" – de celibatários involuntários – e juntam-se em sites como o RedPillTalk, uma referência ao comprimido vermelho dos filmes de Matrix que supostamente levaria ao conhecimento verdadeiro, por oposição ao alienado.
Nestes grupos, o doutor Barry Eppley é considerado uma espécie de semideus. Eppley é um dos poucos cirurgiões plásticos que promove publicamente práticas mais radicais de transformação visual, em vez de pequenas correções para minimizar os efeitos da idade. Alteração do rosto com implantes nos maxilares, aumento ou diminuição dos ombros (o que implica partir as clavículas e reconstruí-las posteriormente), implantes nos deltoides e quadríceps são algumas das suas práticas mais comuns. "Eu não sou psicólogo, nem psiquiatra e se o meu consultório tivesse um slogan seria: ‘Não nos importa por que o quer fazer. "O meu papel não é fazer julgamentos", disse numa recente entrevista à The Times Magazine. Conclusão? Pessoas de todo o mundo acabam no seu consultório, em Indianápolis…
Em Portugal, não teriam tanta sorte. O Professor Dr. José Paulo Guimarães Ferreira, cirurgião plástico nos hospitais de Santa Maria, da Luz Lisboa e Beatriz Ângelo, e regente da cadeira de cirurgia plástica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, é o primeiro a criticar esta atitude: "Os médicos que acham que devem fazer tudo o que os clientes pedem, sem mais, estão a abdicar da sua própria humanidade e a deitar fora tudo aquilo que andaram a aprender, ao longo de muitos anos de medicina. O raciocínio é este: ‘Estou-me nas tintas para ti e para o sofrimento que te vou causar.’ O que, no final, acaba sempre por correr mal. Eu e a maioria dos meus colegas não seríamos capazes de viver com essa imagem."
Nas redes sociais do doutor Barry Eppley também se discute, abertamente, que cirurgias pratica ou que poderia praticar: um possível paciente pergunta se poderia ficar mais parecido com determinado ator ("Em princípio sim, mas teria de analisar melhor") e outro questiona se seria possível colocar implantes no pescoço, recebendo uma resposta positiva. Mais um tema em que o cirurgião português discorda do colega norte-americano: "Já sabemos que certos tipos de cirurgias não devem ser realizados porque os riscos ultrapassam os benefícios. É o caso das próteses de silicone em zonas muito móveis do corpo (como na zona do pescoço, deltoides, quadríceps ou glúteos) porque ao fim de algum tempo o corpo rejeita essas próteses." Ou seja: "Essas pessoas não estão a fazer bem algum a elas próprias. Os colegas também não as estão a tratar, mas a maltratar, e deveriam ter a obrigação de as encaminhar para outro tipo de ajuda porque esta não irá resultar."
Truth4lie – pseudónimo nas redes sociais – foi um desses "incels" tratados pelo doutor Eppley. Ficou (quase) famoso quando a sua história foi relatada pela New York Magazine e o conselho de Guimarães Ferreira teria feito todo o sentido. Aos 27 anos, este homem tinha tentado o suicídio e passado um ano em tratamento num hospital psiquiátrico. Depois tentou passar à prática as técnicas de engate, se nos é permita a expressão, descritas no livro The Game, mas sem grande sucesso. Foi então que descobriu um site chamado Sluthate, que "punha a nu" o "embuste" dessas técnicas. Sluthate já não existe, mas foi o precursor de muitos dos sites mais frequentados por "incels", atualmente, como o Lookism.net e o RedPillTalk. E foi lá que Truth4lie tomou "o comprimido encarnado" e descobriu finalmente toda a "verdade", que para os "incels" pode ser resumida da seguinte forma: os homens feios estão destinados a viver vidas infelizes e solitárias nesta sociedade de mulheres vaidosas (e vadias) que só se preocupam em arranjar (e dormir com) homens Alpha. Nestas comunidades estes são conhecidos por "Chads" e são "elogiados dia e noite pela sua genética de topo". "Fazem toneladas de dinheiro e nunca precisam de se preocupar com pagar a renda ou qualquer outra conta chata. Só pensam no próximo jogo de futebol e num ménage com supermodelos, daquelas que vomitam só de pensar em tocar num tipo como tu", tal como os descreveu outro incel, este identificando-se com um avatar do Pepe Frog, um conhecido meme da Internet.
Para Truth4lie a descoberta foi como uma epifania. Afinal, a culpa dos seus problemas em relacionar-se não estava em si, não dentro de si, pelo menos, como os psicólogos tinham tentado explicar, mas no exterior, na aparência. Assim, após alguns anos a postar coisas como "Sempre que passo por um carrinho de bebé fico doente só de pensar que aquela mulher escolheu estragar o seu corpo e reproduzir-se com outro homem", ou "Hoje uma miúda 8/10 começou a trabalhar para mim (criou uma empresa de edição online). Vou dominá-la completamente. Acreditem, vou acabar com a confiança dela".
Basta uma breve passagem pela Internet para se perceber que a maioria dos incels apresenta claros sinais de misoginia e destila rancor contra vários grupos, com feministas e homossexuais à cabeça. Também odeiam os Chads, claro, mas no fundo a maioria quer ser como eles. Foi assim que Truth4lie percebeu que o homem certo para mudar a sua vida seria Barry Eppley: "Finalmente conheci o grande Dr. Eppley", escreveu depois de uma videoconferência (a maioria dos pacientes vive fora dos EUA e, neste caso, em Amesterdão, pelo que é frequente realizar a primeira consulta online). E prosseguiu: "O seu nome deveria ser mencionado junto ao de Mandela, de Shakespeare, de Luther King, de Descartes ou de Madre Teresa. É o Einstein da estética e mudou a vida de centenas de homens para melhor." A sua seria a próxima.
O primeiro post após a cirurgia foi bastante arrojado: "Eu espero que tudo corra bem e que seja uma verdadeira mudança, mas por onde devo começar? Preciso de mulheres, de muitas mulheres, para melhorar a minha vida miserável. Preciso de um novo círculo social e de uma nova vida. Quero viver em hotéis em paraísos tropicais, levar loiras europeias para a cama. Tenho o dinheiro e a liberdade para o fazer. Preciso de deixar a minha vida antiga para trás." Alguém respondeu: "Parece-me que estás com demasiadas expectativas só por causa de uns implantes no maxilar." Especialmente porque pouco depois começou a ter dúvidas em relação ao tamanho desses implantes. O nariz parecia perfeito, mas os maxilares não seriam demasiado grandes? Eppley aconselhou-o a esperar, mas nesse mesmo ano voltou aos EUA, por mais três vezes, para fazer algumas "revisões". Houve momentos em que a sua vida parecia ter mudado, sentia-se mais feliz e fez novas amizades, mas noutros as dúvidas relativamente às alterações eram demasiado grandes. Continuou a fazer intervenções – desta vez na Holanda – e numa delas, enquanto esperava que as cicatrizes sarassem, tentou suicidar-se. Outra vez. Tomou vários comprimidos, mas arrependeu-se quando leu no Google que a morte seria lenta e dolorosa – e então ligou para o 112. Truth4lie contou toda esta história ao longo de várias conversas telefónicas com uma jornalista da New York Magazine, durante as quais expressou também arrependimento pela forma como falou e tratou as mulheres. "Relaxa e aproveita a vida", escrevia outro utilizador em dado momento. Também ele tinha feito uma cirurgia plástica e confessou: "Eu fiquei contente. As pessoas sorriem-me mais, estabelecem contacto visual sem problemas e tenho mais vida social." Pouco depois, esse utilizador terá abandonado estes grupos, deixando a ideia de que, no seu caso, a cirurgia fez realmente a diferença. "Temos todo o gosto em fazer cirurgias estéticas e ajudar as pessoas a tornarem-se mais bonitas", admite o Professor Guimarães Ferreira. "Se a pessoa tiver a cabeça bem resolvida, a cirurgia estética pode, em certos casos, fazer a diferença, sem a menor dúvida. Mas é importante que se perceba que, por si só, não serve para resolver problemas pessoais."
A sociedade pressiona ainda mais as mulheres a ter uma certa aparência, mas já impõe aos homens os mesmos ideais de juventude e de forma. E mesmo se as intervenções no masculino continuam mais estigmatizadas, aos poucos "a sociedade vai-se libertando da masculinidade do passado: feios e maus", refere o cirurgião português que julga ter entre 15 a 20 por cento de pacientes homens. Sobretudo na época pré-balnear, quando é muito procurado para realizar ginecomastias, ou seja, a remoção da glândula mamária que cresceu em excesso, o que nos homens é muito pouco atraente. As outras intervenções mais procuradas são a rinoplastia (nariz) e a blefaroplastia, a remoção do excesso de pele nas pálpebras, o que dá um ar mais envelhecido e cansado. Esta última é, provavelmente, a cirurgia mais procurada quer por homens, quer por mulheres. Menos comuns, mas ainda no topo da lista, estão as operações de contorno corporal, como a lipoaspiração e a abdominoplastia, esta para remodelar a zona do abdómen. Porque qualquer pessoa, podendo escolher entre ser feio e ser bonito, prefere, naturalmente, a última opção.
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