Conversas

Casa da Calçada: Francisco Quintas é o novo chef capaz de devolver a estrela Michelin a Amarante

O novo cozinheiro do restaurante Largo do Paço, na Casa da Calçada, já está a preparar a abertura do restaurante que deverá acontecer “este inverno”. A pressão para a conquista da estrela que o espaço manteve durante anos está em cima da mesa. Literalmente.

Foto: DR
18 de outubro de 2024 | Augusto Freitas de Sousa

Apesar de ter apenas 26 anos, as estrelas Michelin não são propriamente uma novidade na carreira de Francisco Quintas. Cozinhou em restaurantes galardoados em Inglaterra, na Bélgica e em França e conquistou a primeira estrela do 2 Monkeys em Lisboa. Agora o desafio é a Casa da Calçada em Amarante – fechada para obras há mais de um ano – por onde passarem grandes nomes da gastronomia. Francisco assume que "existe a pressão de manter os standards que o Largo do Paço sempre teve". O desafio começa em breve.

"Existe a pressão de manter os standards que o Largo do Paço sempre teve" Foto: DR

O Francisco nasceu em Coimbra a 3 de dezembro de 1998. Como foram os primeiros anos?

Passei os primeiros anos da vida em Miranda do Corvo. Filho de mãe cabeleireira e pai viveirista, somos uma família muito grande, humilde e trabalhadora. Relaciono-me muito bem com eles, mas é pena o tempo por vezes ser escasso para estarmos tantas vezes juntos como gostaríamos.

Como foi o seu percurso escolar? O que fazia nesses tempos?

Andei na escola e no liceu em Miranda do Corvo. Adorava jogar futebol, ouvir música e desporto em geral. Os meus interesses passavam pela prática de várias modalidades desportivas e a pela cozinha.

Refere que começou a cozinhar muito cedo. Como aconteceu?

Sou uma pessoa muito curiosa e tudo começou porque quis ter a liberdade de cozinhar para mim e para a minha irmã, que é mais nova, nas nossas férias de verão.

"Sou uma pessoa muito curiosa e tudo começou porque quis ter a liberdade de cozinhar para mim e para a minha irmã." Foto: @João Lima/Amazing Evolution

O que comia em casa da sua família que ainda hoje recorde? Que pratos começou a cozinhar?

Comecei por cozinhar arroz branco e bolos, mas de casa destaco a chanfana, o leitão, a broa com chouriço e o bolo de bolacha.

Pontos bons e maus em Miranda do Corvo?

As pessoas e a comida são o melhor. Não há pontos menos bons.

Como foi a opção de ir para a Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra? Tinha definido que caminho ia seguir?

Decidi que queria ser cozinheiro e achei que o melhor era fazer logo formação na área. Escolhi o fine dining.

Saiu para estagiar em Londres com 16 anos. O que mais o surpreendeu?

Surpreendeu-me a enorme diversidade cultural e gastronómica.

Esteve no Aquavit London. O que aprendeu de mais importante?

Foi onde dei os meus primeiros passos a sério num restaurante com estrela Michelin. Tinha uma estrutura gigantesca de staff, mas tive liberdade criativa, a oportunidade de assumir várias estações na cozinha e de crescer a vários níveis.

Como era o seu dia em Londres?

É uma cidade muito agitada, o que acabava por ter impacto no meu dia. Gostava muito de aproveitar as folgas para passear pela cidade e comer em sítios diferentes, pois a oferta era muito variada.

Alguma história que o tenha marcado?

Quando cheguei não falava um inglês muito fluente e, por vezes, quando se tratava de termos técnicos específicos, não os conhecia. Fez-me passar por alguns momentos caricatos que provocou grande risota na cozinha entre mim e os meus colegas.

"Gostava muito de aproveitar as folgas para passear pela cidade e comer em sítios diferentes, pois a oferta era muito variada." Foto: @João Lima/Amazing Evolution

Também passou pela Bélgica, Holanda e França. O que mais o cativou?

Acima de tudo, foi a grande diversidade cultural e gastronómica que me fascinaram. Gostei mais da Bélgica pela envolvente familiar que tínhamos na equipa e pelo bom ambiente que se vivia na cidade de Roeselare.

Que pratos lhe ficaram na memória?

As vieiras frescas. Chegavam ainda na concha e lembro-me de ficar fascinado a limpar esses produtos. Os lagostins gigantescos que recebíamos... todo o produto fantástico que usávamos marcou-me. Ou, ainda, quando chegava o senhor que trazia a trufa branca da temporada, e ficava um cheiro tão intenso na cozinha que parávamos todos para ir ver. Tudo coisas extraordinárias que trabalhávamos e usávamos em pratos que ficavam fantásticos. Não consigo escolher, cada um era extraordinário à sua maneira.

O que mais lhe fazia falta no estrangeiro?

A família e os amigos. A vida fora de Portugal é muito desafiante e divertida, mas sentimos sempre a falta das pessoas mais próximas.

O que diria a um colega estrangeiro que lhe pedisse para descrever a gastronomia portuguesa?

Que temos uma cozinha rica em sabores, saberes e bom produto.

Via-se a viver em algum país?

Gostava muito de experimentar viver na Suíça, mas prefiro mesmo é estar em Portugal. É o meu país e sempre tive vontade de deixar algum marco na nossa gastronomia.

Conta algum dia voltar a sair?

Não tenho esse plano. Voltei com o objetivo de crescer cá e desenvolver a minha carreira. Se sair, será para fazer estágios curtos, de semanas, para ver e aprender com outros chefes que me inspiram.

Alguma cozinha do mundo que gostasse de ir aprender in loco?

A cozinha asiática fascina-me. Pelos sabores muito frescos e por todo o umami que desenvolvem nos pratos deles, que são fantásticos.

E comida portuguesa? O que mais gosta de comer e de fazer?

De comer, diria que uma boa chanfana, leitão ou até uma posta de bacalhau à lagareiro. Para cozinhar, apontaria um bacalhau à Brás ou um borrego grelhado ou assado.

Esteve no 2 Monkeys a convite do chefe Vítor Matos. Como se relacionou com Lisboa?

Nunca pensei em viver em Lisboa. É uma cidade que gosto de visitar, pois tem uma diversidade de coisas para fazer e sítios para percorrer, mas que não me atrai tanto para viver, talvez por ser muito agitada.

Conquistou uma estrela nesse restaurante. Era um sonho?

A estrela é o objetivo de qualquer restaurante de fine dining. Era um sonho, sim, que não tínhamos a certeza que fosse possível. O feedback que recebíamos dos clientes era muito positivo e isso fazia-nos acreditar que seria possível, mas não tínhamos certezas.

Recorda algum episódio deste período no 2 Monkeys?

Das interações mais engraçadas que me marcaram foi ver uma cliente a chorar de felicidade ao comer uma sobremesa que tínhamos, o waffle, porque lhe trazia memórias de infância.

"É uma casa que gosto muito e me inspira bastante por todos os chefes que já passaram por lá." Foto: DR

Como aconteceu o convite para o Largo do Paço em Amarante?

De uma maneira muito natural, pois já havia uma relação passada com a empresa. Trabalhei lá ao fim de semana e, mais tarde, quando voltei para Portugal, a tempo inteiro.

Porque decidiu aceitar?

É uma casa que gosto muito e me inspira bastante por todos os chefes que já passaram por lá. Acredito no seu potencial e, além disso, está em sintonia com as minhas linhas de pensamento e filosofia do que deve ser a hotelaria de luxo.

Sente a pressão de assumir o mesmo lugar de grandes chefs?

Não sei se pressão será a melhor palavra para descrever esse sentimento. Acho que há, sim, a responsabilidade enorme de dar continuidade ao excelente trabalho que tem vindo a ser desenvolvido por todos os chefs que cá passaram e tanto admiro.

O que lhe pediram?

Não houve nenhum pedido específico. Conheço a empresa e sei em que patamar de hotelaria se querem posicionar.

Mas existe a pressão de conquistar a estrela…

Existe a pressão de manter os standards que o Largo do Paço sempre teve, e de dar uma excelente experiência ao cliente.

Referiu uma vez que que faria fine dining "do mundo"? Pode explicar?

Um fine dining que vai misturar influências que trouxe das minhas viagens e dos países por onde passei e que me marcaram, valorizando sempre ao máximo o produto português.

Qual é a sua preocupação com os vinhos?

Acho muito relevante para elevar a experiência do cliente, e o trabalho com o sommelier será essencial.

Pode dizer-se que a sua cozinha é francesa com inspiração portuguesa?

A minha cozinha é uma mistura de influências, com base maior em técnicas francesas e produto português.

Disse que cozinhar "é como contar uma história, tem sempre um início, meio e fim".

Mesmo sem falarmos, há sempre sentimentos e conhecimentos que vamos passando aos nossos clientes através dos nossos pratos.

"Mesmo sem falarmos, há sempre sentimentos e conhecimentos que vamos passando aos nossos clientes através dos nossos pratos." Foto: @João Lima/Amazing Evolution

Pode desvendar algum produto, algum prato que esteja a pensar para o menu do Largo do Paço?

Enguia fumada.

Quando será a reabertura? Já pensou como poderá ser?

Para este inverno. Estamos a planear tudo para que consigamos fazer uma abertura com calma e com todos os standards e nível de experiência que queremos entregar ao cliente.

Como vai ficar a sua vida pessoal? Prejudicada?

Acredito que não, sabendo que é uma posição que exige muito de nós. Cada vez mais tentamos encontrar um equilíbrio maior entre a nossa vida pessoal e profissional.

Gostaria de abrir um restaurante um dia?

Gostava de abrir um na linha de fine dining de que gosto muito e com a qual me identifico mais, e outro mais divertido e casual, sem menu de degustação, com uma carta descomplicada, tanto para os clientes como para os cozinheiros.

Como se vê daqui a 5 e 10 anos?

Espero, acima de tudo, estar feliz, realizado e com todos os objetivos que tenho em mente realizados.

Saiba mais Conversas, Gastronomia, Largo do Paço, Francisco Quintas, Amarante, Casa da Calçada, Cozinha, Estrela Michelin, 2 Monkeys, Chef, Abertura, Finde Dining
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