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Os robôs são os novos parceiros sexuais?

A humanidade está prestes a abrir mais uma Caixa de Pandora, com bonecas e robôs a substituírem pessoas de carne e osso como parceiros sexuais. Mas o que leva homens de verdade (porque são na maioria homens) a escolher mulheres de brincar?

Foto: IMDb
12 de fevereiro de 2020 | Bruno Lobo

Even Better Than the Real Thing, cantam muitos dos clientes da Abyss Creations, a empresa californiana de Matt McMullen pioneira na criação e produção das Real Dolls. Estas bonecas estão muito longe das insufláveis de tão fácil chacota e as semelhanças com mulheres de verdade conseguem ser incríveis. Ao tato, na aparência (que pode ser exatamente aquela que se desejar), nas medidas (mais ou menos perfeitas) e até nas posições.

David Mills foi um desses clientes e não tem problemas em afirmar que a sua boneca é a parceira perfeita. Autor de The Atheist Universe: The Thinking Person’s Answer to Christian Fundamentalism, Mills foi várias vezes citado por Dorion Sagan, filho de Carl Sagan, pelo biólogo Richard Dawkins ou por Stephen Hawking, e como seria de esperar o seu livro caiu muito mal entre as comunidades religiosas. Admitir esta sua preferência só contribuiu para incendiar o debate. Em 2017, numa entrevista à Vanity Fair, Mills confessou como o seu amor pelo corpo feminino chocava com a inaptidão para as relações pessoais. Foi casado duas vezes, mas escolheu a primeira mulher nos anos 80 num catálogo de noivas de leste e conheceu a segunda online. Diz que manteve relações sexuais com mais de 180 mulheres, na sua maioria prostitutas, e como a profissão não abunda na pequena cidade de Huntington, onde vive, quando descobriu as Real Dolls nem hesitou. A experiência revelou-se tão positiva que adquiriu parte do capital da Abyss, tornando-se sócio de Matt.

Reall doll Michelle, uma das bonecas mais realistas do mercado
Reall doll Michelle, uma das bonecas mais realistas do mercado

David está longe de ser único nesta preferência e existe mesmo uma comunidade crescente de homens numa relação com uma boneca. O grupo até já tem nome, iDollators, e enquanto a sociedade "normal" os olha com escárnio, estes consideram-se pioneiros sociais. Early adopters, como os membros originais do My Space, a primeira rede social digna desse nome, ou do iPhone. Alguns não hesitaram em pagar os 5.999,99 dólares, preço-base para comprar uma Real Doll, e outros escolheram opções mais baratas, mas para quem quiser experimentar este tipo de relação antes de se atirar de cabeça, existe outra solução. A Lumi Dolls nasceu em Espanha e promete satisfazer "todas as fantasias sexuais" dos seus clientes por 100 euros a hora ou 80 a meia hora. Tem um catálogo de dolls modelo para venda, mas o pioneirismo da start-up foi a criação de um bordel de bonecas em Barcelona, em 2017. Desde então o negócio expandiu para Moscovo, Turim e Japão. Pelo meio abriram outras casas, de outras empresas, em Paris, Amesterdão, Dortmund, Toronto ou Vancouver, e a companhia responsável por estas duas casas no Canadá tem previsto abrir mais 10 bordéis nos Estados Unidos, no espaço de um ano. E o sucesso não se mede apenas por estes números: em Barcelona, quando abriu, o bordel tinha quatro bonecas para entreter os clientes. Agora são nove, e todas com uma história para contar…

Pode, por exemplo, marcar encontro com a Katy, uma loira dinamarquesa de 27 anos, ex-modelo fotográfico, que agora se dedica essencialmente à defesa do meio ambiente. Ou com a japonesa Kyra, que trabalha num "maid café", aparentemente um café onde as empregadas se vestem como antigamente. E que tal um encontro com a nossa conterrânea Miriam? Esta bela portuguesa de 23 anos mudou-se para Madrid para estudar fotografia, mas foi em Londres que descobriu, com uma amiga israelita, os prazeres da fotografia erótica. Da fotografia e não só… Tem ainda a espanhola Brandy, a suíça Débora e até a elfa Arwen ? afinal, estamos no mundo do faz de conta. Já pode ser recebido(a) por um homem, o Ken. Veio da Letónia e gosta tanto de homens como de mulheres, mas admite que ultimamente sente uma atração especial por homens… Em comum têm todas seios generosos (no caso do Ken é outra coisa) e uma vontade enorme de satisfazer todos os desejos, levando os especialistas a apontar para um novo boom do turismo sexual. Só que agora em vez de viagens para destinos longínquos, como a Tailândia ou as Filipinas, o destino pode ser qualquer cidade europeia. Porque o sexo já não se faz com pessoas de verdade, mas com bonecas – ou robôs, quando finalmente chegarem.

'Westworld' (2016)
'Westworld' (2016) Foto: IMDb

Para os donos da Lumi Dolls, e dos outros bordéis do género, as vantagens são óbvias: uma boneca não se queixa, está sempre pronta e não recebe salário. Não têm sequer passaporte para os serviços de estrangeiros e fronteiras controlarem. Do lado dos clientes, os motivos são bem diferentes: as tradicionais despedidas de solteiro, casais à procura de apimentar a relação sem correr grandes riscos, maridos afastados da família e que não pretendem trair as companheiras (uma boneca não conta, verdade?), pessoas solitárias com dificuldades de relacionamento ou gente à procura de satisfazer fantasias impossíveis de realizar de outra maneira. Algumas levantam sérias preocupações, com as quais a sociedade terá de lidar no futuro, até porque a chegada dos robôs sexuais só vai exponenciar esta tendência.  Para muitos será inevitável. Os robôs já se imiscuíram em todas as outras áreas da nossa vida. Seguramente no trabalho, a um nível em que já podem despedir pessoas sem qualquer interferência de outros humanos, como acontece nos centros de distribuição da Amazon, nos EUA. A casa seria um dos últimos redutos livres, como a intimidade, mas a função primordial de um robô não deixa de ser a de suprimir as nossas necessidades e o sexo é, definitivamente, uma das maiores. Ou, se preferirem, como diz o velho adágio, o sexo vende.

Matt McMullen nem sequer tinha o propósito de criar a "melhor boneca de amor do mundo". Aconteceu tudo um pouco por acaso, mas desde então que brinca também com a ideia de criar um robô. Até à sua chegada o mercado era bastante diferente. No Japão, nos anos 80, tinham tentado criar bonecas premium, mas eram feitas de plástico e não transmitiam uma sensação nada natural. Além disso, estavam construídas na mesma lógica da Barbie, ou do G.I. Joe, com braços articuláveis (que se podiam arrancar) e podia ver-se as junções, os pontos de cola, pelo que era impossível continuarem a cativar depois que o efeito novidade passou (sim, estranhamente chegaram a ter sucesso de início). Mas tudo isso mudou com a chegada de McMullen e das suas bonecas em silicone, que reproduz bem a pele humana, e de esqueleto articulável em PVC. Com uma carreira passada nos efeitos especiais em Hollywood, sabia bem o que pretendia, e como o conseguir, mas sabia também que a ideia de criar um boneco animado, um android, por mais apelativa que fosse era impossível de concretizar. A tecnologia necessária simplesmente não existia, como disse numa recente entrevista à Forbes. Até agora. Hoje as pessoas já falam com os seus telemóveis e colunas inteligentes e estes já sabem responder de volta. A inteligência artificial sabe o que dizer e como o dizer para transmitir emoções, mesmo que, intrinsecamente, não as sinta. Ainda está a dar os primeiros passos, é verdade, mas chegou e é tão fundamental para a criação de um robô sexual quanto os movimentos. Possivelmente até mais. E assim caminhamos a passos largos para um mundo distópico, como o retratado em Westworld a (outra) série da HBO, onde os robôs sexuais são uma coisa comum e os resorts com bonecas e androids sexuais uma realidade em todas as grandes cidades.

Na Abyss, desenvolvem o conceito com a Realbotix, a primeira experiência para criar um android sexual. Imaginem uma Sophia (da Web Summit e dos anúncios da Meo), mas com seios bem maiores, lábios sensuais e movimentos pélvicos… Porque não vamos descansar enquanto não conseguirmos tornar obsoleta a mais velha das profissões.

'Ex Machina' (2014)
'Ex Machina' (2014) Foto: IMDb

Será que os robôs amorosos são assim tão amorosos? O PEW Research Center, um think tank norte-americano, apresentou em 2018 o relatório AI, Robotics and the Future of Jobs. Nele podia ler-se que "em 2025 o sexo com robôs será simultaneamente popular e alvo de desdém e crítica, tal como hoje se utilizam as selfies como exemplo do que vai mal no mundo". 2025 está aí, ao virar da esquina, e é fundamental entender as implicações desta tendência no relacionamento entre seres humanos – e, já agora, tentar perceber também por que motivo existe um interesse tão generalizado no sexo com androids.

Vânia Beliz é mestre em sexologia e autora de vários livros sobre o tema, o mais recente dos quais, Chamar as Coisas Pelos Nomes (Arena), foi editado o ano passado. A sexóloga portuguesa começa por abordar o tema, manifestando a sua "crescente preocupação com o número de homens angustiados e pressionados pelo desempenho sexual". Tanto assim é que a venda de produtos para aumentar o pénis ou melhorar o desempenho se tornou "muito excessiva, colocando em risco a própria saúde". Tudo isto, explica, para "corresponder a um determinado estereótipo de masculinidade, muitas vezes passado pela pornografia e que nada tem a ver com a realidade". Assim e para quem sente essas inseguranças relativamente ao corpo ou à performance sexual, "a atração destas bonecas é totalmente compreensível porque não vão avaliar e não vão cobrar".

Para a sexóloga, a sociedade enfrenta, de uma maneira geral, uma incapacidade crescente para lidar com a rejeição. "Devia fazer parte da nossa formação aprender a lidar com o insucesso, mas a sociedade está cada vez mais estruturada para o contrário. As pessoas são treinadas exclusivamente para o sucesso e não sabem reagir quando se passa o contrário – o que vai sempre acontecer. Envolvermo-nos com alguém exige um investimento que pode sair frustrado, mas quando nos envolvemos com um brinquedo sexual esse investimento não existe, não corremos o risco de ser rejeitados. Está sempre pronto para satisfazer e nem sequer é necessário fazer o esforço de cativar." Para cúmulo, nestas bonecas "podemos escolher tudo, desde a cor da pele ao tamanho da mama: estamos a projetar as nossas fantasias num objeto que podemos usar como queremos".

Naturalmente que existem mais motivos, por vezes obscuros, e a sexóloga reconhece ser "preferível satisfazerem-se com uma boneca, em lugar de cometerem crimes ou pagarem uma viagem para irem dormir com crianças". Mas questiona: "Será que existe essa deslocação de interesse?" Ou seja, nada garante que ao fazer sexo com uma boneca o pedófilo deixe de cometer o crime.

De qualquer forma, Vânia Beliz encontra vários pontos positivos nestes brinquedos sexuais, até porque "as novas tecnologias tornam tudo mais interessante em termos de estímulo", alertando para a necessidade de se saber reagir de forma saudável aos mesmos para não nos tornarmos dependentes de um brinquedo para ter prazer. "Se nos ficarmos pelo estímulo de uma boneca e nos tornarmos egocêntricos, virados apenas para a nossa a satisfação, isso já não é claramente um comportamento positivo."

 

 

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