Os robôs são os novos parceiros sexuais?
A humanidade está prestes a abrir mais uma Caixa de Pandora, com bonecas e robôs a substituírem pessoas de carne e osso como parceiros sexuais. Mas o que leva homens de verdade (porque são na maioria homens) a escolher mulheres de brincar?
Even Better Than the Real Thing, cantam muitos dos clientes da Abyss Creations, a empresa californiana de Matt McMullen pioneira na criação e produção das Real Dolls. Estas bonecas estão muito longe das insufláveis de tão fácil chacota e as semelhanças com mulheres de verdade conseguem ser incríveis. Ao tato, na aparência (que pode ser exatamente aquela que se desejar), nas medidas (mais ou menos perfeitas) e até nas posições.
David Mills foi um desses clientes e não tem problemas em afirmar que a sua boneca é a parceira perfeita. Autor de The Atheist Universe: The Thinking Person’s Answer to Christian Fundamentalism, Mills foi várias vezes citado por Dorion Sagan, filho de Carl Sagan, pelo biólogo Richard Dawkins ou por Stephen Hawking, e como seria de esperar o seu livro caiu muito mal entre as comunidades religiosas. Admitir esta sua preferência só contribuiu para incendiar o debate. Em 2017, numa entrevista à Vanity Fair, Mills confessou como o seu amor pelo corpo feminino chocava com a inaptidão para as relações pessoais. Foi casado duas vezes, mas escolheu a primeira mulher nos anos 80 num catálogo de noivas de leste e conheceu a segunda online. Diz que manteve relações sexuais com mais de 180 mulheres, na sua maioria prostitutas, e como a profissão não abunda na pequena cidade de Huntington, onde vive, quando descobriu as Real Dolls nem hesitou. A experiência revelou-se tão positiva que adquiriu parte do capital da Abyss, tornando-se sócio de Matt.
David está longe de ser único nesta preferência e existe mesmo uma comunidade crescente de homens numa relação com uma boneca. O grupo até já tem nome, iDollators, e enquanto a sociedade "normal" os olha com escárnio, estes consideram-se pioneiros sociais. Early adopters, como os membros originais do My Space, a primeira rede social digna desse nome, ou do iPhone. Alguns não hesitaram em pagar os 5.999,99 dólares, preço-base para comprar uma Real Doll, e outros escolheram opções mais baratas, mas para quem quiser experimentar este tipo de relação antes de se atirar de cabeça, existe outra solução. A Lumi Dolls nasceu em Espanha e promete satisfazer "todas as fantasias sexuais" dos seus clientes por 100 euros a hora ou 80 a meia hora. Tem um catálogo de dolls modelo para venda, mas o pioneirismo da start-up foi a criação de um bordel de bonecas em Barcelona, em 2017. Desde então o negócio expandiu para Moscovo, Turim e Japão. Pelo meio abriram outras casas, de outras empresas, em Paris, Amesterdão, Dortmund, Toronto ou Vancouver, e a companhia responsável por estas duas casas no Canadá tem previsto abrir mais 10 bordéis nos Estados Unidos, no espaço de um ano. E o sucesso não se mede apenas por estes números: em Barcelona, quando abriu, o bordel tinha quatro bonecas para entreter os clientes. Agora são nove, e todas com uma história para contar…
Pode, por exemplo, marcar encontro com a Katy, uma loira dinamarquesa de 27 anos, ex-modelo fotográfico, que agora se dedica essencialmente à defesa do meio ambiente. Ou com a japonesa Kyra, que trabalha num "maid café", aparentemente um café onde as empregadas se vestem como antigamente. E que tal um encontro com a nossa conterrânea Miriam? Esta bela portuguesa de 23 anos mudou-se para Madrid para estudar fotografia, mas foi em Londres que descobriu, com uma amiga israelita, os prazeres da fotografia erótica. Da fotografia e não só… Tem ainda a espanhola Brandy, a suíça Débora e até a elfa Arwen ? afinal, estamos no mundo do faz de conta. Já pode ser recebido(a) por um homem, o Ken. Veio da Letónia e gosta tanto de homens como de mulheres, mas admite que ultimamente sente uma atração especial por homens… Em comum têm todas seios generosos (no caso do Ken é outra coisa) e uma vontade enorme de satisfazer todos os desejos, levando os especialistas a apontar para um novo boom do turismo sexual. Só que agora em vez de viagens para destinos longínquos, como a Tailândia ou as Filipinas, o destino pode ser qualquer cidade europeia. Porque o sexo já não se faz com pessoas de verdade, mas com bonecas – ou robôs, quando finalmente chegarem.
Para os donos da Lumi Dolls, e dos outros bordéis do género, as vantagens são óbvias: uma boneca não se queixa, está sempre pronta e não recebe salário. Não têm sequer passaporte para os serviços de estrangeiros e fronteiras controlarem. Do lado dos clientes, os motivos são bem diferentes: as tradicionais despedidas de solteiro, casais à procura de apimentar a relação sem correr grandes riscos, maridos afastados da família e que não pretendem trair as companheiras (uma boneca não conta, verdade?), pessoas solitárias com dificuldades de relacionamento ou gente à procura de satisfazer fantasias impossíveis de realizar de outra maneira. Algumas levantam sérias preocupações, com as quais a sociedade terá de lidar no futuro, até porque a chegada dos robôs sexuais só vai exponenciar esta tendência. Para muitos será inevitável. Os robôs já se imiscuíram em todas as outras áreas da nossa vida. Seguramente no trabalho, a um nível em que já podem despedir pessoas sem qualquer interferência de outros humanos, como acontece nos centros de distribuição da Amazon, nos EUA. A casa seria um dos últimos redutos livres, como a intimidade, mas a função primordial de um robô não deixa de ser a de suprimir as nossas necessidades e o sexo é, definitivamente, uma das maiores. Ou, se preferirem, como diz o velho adágio, o sexo vende.
Matt McMullen nem sequer tinha o propósito de criar a "melhor boneca de amor do mundo". Aconteceu tudo um pouco por acaso, mas desde então que brinca também com a ideia de criar um robô. Até à sua chegada o mercado era bastante diferente. No Japão, nos anos 80, tinham tentado criar bonecas premium, mas eram feitas de plástico e não transmitiam uma sensação nada natural. Além disso, estavam construídas na mesma lógica da Barbie, ou do G.I. Joe, com braços articuláveis (que se podiam arrancar) e podia ver-se as junções, os pontos de cola, pelo que era impossível continuarem a cativar depois que o efeito novidade passou (sim, estranhamente chegaram a ter sucesso de início). Mas tudo isso mudou com a chegada de McMullen e das suas bonecas em silicone, que reproduz bem a pele humana, e de esqueleto articulável em PVC. Com uma carreira passada nos efeitos especiais em Hollywood, sabia bem o que pretendia, e como o conseguir, mas sabia também que a ideia de criar um boneco animado, um android, por mais apelativa que fosse era impossível de concretizar. A tecnologia necessária simplesmente não existia, como disse numa recente entrevista à Forbes. Até agora. Hoje as pessoas já falam com os seus telemóveis e colunas inteligentes e estes já sabem responder de volta. A inteligência artificial sabe o que dizer e como o dizer para transmitir emoções, mesmo que, intrinsecamente, não as sinta. Ainda está a dar os primeiros passos, é verdade, mas chegou e é tão fundamental para a criação de um robô sexual quanto os movimentos. Possivelmente até mais. E assim caminhamos a passos largos para um mundo distópico, como o retratado em Westworld a (outra) série da HBO, onde os robôs sexuais são uma coisa comum e os resorts com bonecas e androids sexuais uma realidade em todas as grandes cidades.
Na Abyss, desenvolvem o conceito com a Realbotix, a primeira experiência para criar um android sexual. Imaginem uma Sophia (da Web Summit e dos anúncios da Meo), mas com seios bem maiores, lábios sensuais e movimentos pélvicos… Porque não vamos descansar enquanto não conseguirmos tornar obsoleta a mais velha das profissões.
Será que os robôs amorosos são assim tão amorosos? O PEW Research Center, um think tank norte-americano, apresentou em 2018 o relatório AI, Robotics and the Future of Jobs. Nele podia ler-se que "em 2025 o sexo com robôs será simultaneamente popular e alvo de desdém e crítica, tal como hoje se utilizam as selfies como exemplo do que vai mal no mundo". 2025 está aí, ao virar da esquina, e é fundamental entender as implicações desta tendência no relacionamento entre seres humanos – e, já agora, tentar perceber também por que motivo existe um interesse tão generalizado no sexo com androids.
Vânia Beliz é mestre em sexologia e autora de vários livros sobre o tema, o mais recente dos quais, Chamar as Coisas Pelos Nomes (Arena), foi editado o ano passado. A sexóloga portuguesa começa por abordar o tema, manifestando a sua "crescente preocupação com o número de homens angustiados e pressionados pelo desempenho sexual". Tanto assim é que a venda de produtos para aumentar o pénis ou melhorar o desempenho se tornou "muito excessiva, colocando em risco a própria saúde". Tudo isto, explica, para "corresponder a um determinado estereótipo de masculinidade, muitas vezes passado pela pornografia e que nada tem a ver com a realidade". Assim e para quem sente essas inseguranças relativamente ao corpo ou à performance sexual, "a atração destas bonecas é totalmente compreensível porque não vão avaliar e não vão cobrar".
Para a sexóloga, a sociedade enfrenta, de uma maneira geral, uma incapacidade crescente para lidar com a rejeição. "Devia fazer parte da nossa formação aprender a lidar com o insucesso, mas a sociedade está cada vez mais estruturada para o contrário. As pessoas são treinadas exclusivamente para o sucesso e não sabem reagir quando se passa o contrário – o que vai sempre acontecer. Envolvermo-nos com alguém exige um investimento que pode sair frustrado, mas quando nos envolvemos com um brinquedo sexual esse investimento não existe, não corremos o risco de ser rejeitados. Está sempre pronto para satisfazer e nem sequer é necessário fazer o esforço de cativar." Para cúmulo, nestas bonecas "podemos escolher tudo, desde a cor da pele ao tamanho da mama: estamos a projetar as nossas fantasias num objeto que podemos usar como queremos".
Naturalmente que existem mais motivos, por vezes obscuros, e a sexóloga reconhece ser "preferível satisfazerem-se com uma boneca, em lugar de cometerem crimes ou pagarem uma viagem para irem dormir com crianças". Mas questiona: "Será que existe essa deslocação de interesse?" Ou seja, nada garante que ao fazer sexo com uma boneca o pedófilo deixe de cometer o crime.
De qualquer forma, Vânia Beliz encontra vários pontos positivos nestes brinquedos sexuais, até porque "as novas tecnologias tornam tudo mais interessante em termos de estímulo", alertando para a necessidade de se saber reagir de forma saudável aos mesmos para não nos tornarmos dependentes de um brinquedo para ter prazer. "Se nos ficarmos pelo estímulo de uma boneca e nos tornarmos egocêntricos, virados apenas para a nossa a satisfação, isso já não é claramente um comportamento positivo."
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