Quando, no início de março, os casos de infeção pelo novo coronavírus se espalharam pelos Estados Unidos, um executivo de Silicon Valley ligou para a fabricante de bunkers Rising S. Queria saber como abrir a porta secreta de seu abrigo multimilionário de mais de três metros de profundidade na Nova Zelândia.
O diretor de tecnologia nunca o havia usado e não conseguia lembrar-se de como destrancá-lo, diz Gary Lynch, gerente-geral da Rising S, com sede no Texas. "Ele queria verificar a combinação da porta e estava a fazer perguntas sobre a eletricidade e o aquecedor de água, se era preciso levar água extra ou filtros de ar", conta. O empresário administra uma empresa em São Francisco, mas mora em Nova Iorque, cidade que rapidamente se tornou o epicentro mundial do novo coronavírus.
Há vários anos que a Nova Zelândia se destaca nos planos de sobrevivência de americanos ricos preocupados com um germe assassino capaz de paralisar o mundo. Isolado na extremidade da terra, o país tem uma população de cerca de 4,9 milhões de pessoas, cerca de 20% do total na área metropolitana de Nova Iorque. A nação insular limpa e verde é conhecida por sua beleza natural, políticos descontraídos e centros de saúde de primeira linha.
Nas últimas semanas, o país foi elogiado pela resposta à pandemia. O governo impôs uma quarentena de quatro semanas logo no início e hoje tem mais pessoas recuperadas do que infectadas. Apenas 12 pessoas morreram da doença.
A rede global de abrigos Vivos já instalou um abrigo para 300 pessoas na Ilha Sul, ao norte de Christchurch, diz Robert Vicino, fundador da empresa com sede na Califórnia. Vicino já deu seguimento a duas chamadas de possíveis clientes ansiosos por construir abrigos adicionais na ilha. Nos EUA, duas dúzias de famílias mudaram-se para um abrigo da Vivos para 5 mil pessoas na Dakota do Sul, disse, onde ocupam um bunker numa antiga base militar que equivale a cerca de 75% do tamanho de Manhattan. A Vivos também construiu um bunker para 80 pessoas no Indiana e está a desenvolver um abrigo para mil pessoas na Alemanha.
A Rising S instalou cerca de 10 bunkers particulares na Nova Zelândia nos últimos anos. O custo médio é de 3 milhões de dólares (cerca de 2 milhões de euros) para um abrigo que pesa cerca de 150 toneladas, mas pode facilmente chegar a 8 milhões (cerca de 7 milhões de euros) com recursos adicionais como casas de banho de luxo, salas de jogos, ginásios, teatros e camas cirúrgicas.
Alguns habitantes de Silicon Valley já tinham viajado para a Nova Zelândia assim que a pandemia começou a espalhar-se. A 12 de março, Mihai Dinulescu decidiu abortar o lançamento de uma startup de criptomoeada para também ele fugir para aquele país.
"O meu medo foi pensar que era agora ou nunca, achei que iam começar a fechar as fronteiras," conta Dinulescu, 34. "Tinha a sensação forte de que tínhamos mesmo de ir."
Dinulescu fez as malas e deixou os móveis, a televisão, os quadros e outros objetos, bem como os amigos. Comprou o bilhete para o próximo avião e em doze horas o licenciado pela Universidade de Harvard e a mulher estavam no voo das sete da manhã com destino a Auckland. Em São Francisco, "toda a secção internacional do aeroporto estava vazia – à exceção de um voo para a Nova Zelândia," diz Dinulescu. "Numa altura em que quase todos os aviões estavam a um terço da sua capacidade, este estava esgotado."
Quatro dias mais tarde, a Nova Zelândia fechou as fronteiras a viajantes internacionais. Dinulescu conta que falou com cerca de dez pessoas na Nova Zelândia que fugiram antes do fecho das fronteiras, mas "muitos investidores de risco que conheço não tiveram medo a tempo (…)," diz Dinulescu. "E agora não conseguem entrar." Depois do anúncio do shutdown, no entanto, a imprensa local notou um ligeiro aumento das aterragens de aviões privados no país.
As restrições atuais às entradas na Nova Zelândia complementam outra lei, aprovada em agosto de 2018, que proíbe os estrangeiros de comprarem casas no país, o que foi em parte uma resposta aos norte-americanos que tentaram devorar as melhores propriedades nacionais. Tal tem sido um obstáculo para Graham Wall, agente imobiliário de luxo, que explica que nos últimos anos recebeu cerca de uma dúzia de chamadas de americanos ricos com esperança de comprar casas na ilha.
"Todos dizem que parece ser o lugar mais seguro neste momento," conta. "É uma teoria que existe antes da Covid-19."
Entre os que ali conseguiram disputar e comprar casas ao longo dos anos, estão o pioneiro dos fundos de risco Julian Robertson, o realizador de filmes de Hollywood James Cameron e o cofundador da PayPal Holdings Inc Peter Thiel, que tem duas propriedades na Nova Zelândia, uma delas com vista para as montanhas cobertas de neve e com uma sala segura.
Embora não viva numa mansão, Dinulescu não tem planos para regressar ao Valley até a pandemia abrandar. Refugiou-se na ilha de Waiheke com a mulher e vive numa casa de dois andares, com três quartos e vista para o oceano, pela qual paga 2400 dólares por mês, um terço do que pagava pelo apartamento com dois quartos que tinha em São Francisco. Escolheram Waiheke, com uma população de 9 mil, pela proximidade de outros residentes de elite. É conhecida como os "Hamptons da Nova Zelândia".
Em vez disso, Altman está protegido no seu apartamento em São Francisco, disse. Neste momento, e como toda a gente, está a deixar crescer a barba e a ver a série Tiger King, da Netflix.