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Taylor Swift e os episódios épicos da primeira era dos concertos de estádio em Portugal

Chamar-lhe rainha da pop seria desrespeitar Madonna e minimizar o efeito gravitacional que tem sobre mais do que uma geração: o meteoro Taylor Swift atua no Estádio da Luz, em Lisboa, e isso puxa a memória até aos gloriosos anos 90, quando os concertos de estádio chegaram a Portugal.

Foto: Getty Images
24 de maio de 2024 | Diogo Xavier
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As televisões fazem diretos intermináveis das imediações do Estádio da Luz, todas dizem que "pessoas na fila há já várias horas". Adolescentes e não tão adolescentes quanto seria de esperar apresentam-se diante das câmaras, ora prostradas à sombra, ora sentadas nas bordas dos passeios, ou em qualquer outra saliência física que o terreno tenha para oferecer. Usam vestidinhos e tops que conseguem um equilíbrio notável entre a peça de roupa reveladora e o adereço infantil, como se brincassem às princesas, às cowgirls; umas usam tiaras, outras chapéus, todas muito pintadas como barbies empoderadas que deixaram o cavalo às portas da cidade - tem de ser, o trânsito está condicionado em toda a parte, não se pode circular por causa do concerto, não se pode sequer estacionar por causa do concerto. São as swifties, esplendorosos produtos humanos da nossa era, fanáticas de Taylor Swift, a maior estrela pop à face da Terra da atualidade. Estão, segundo os incessantes diretos televisivos, à espera para entrar no estádio desde a madrugada de quinta-feira, embora as portas só se abram na sexta-feira às 15h30 e apenas para quem tem bilhete VIP. Taylor Swift, a deusa que ilumina e inspira as swifties, sobe ao palco às 20h, depois de os Paramore entreterem a audiência a partir das 18h15.  

Swift atuará no Estádio da Luz dois dias seguidos, sexta, 24, e sábado, 25. Só não se trata de um acontecimento único porque, como se pode deduzir pela sequência de datas, se trata de dois espetáculos - mas serão seguramente dois espetáculos únicos, passe o paradoxo. Os concertos integram a etapa europeia da digressão mundial The Eras Tour. A 9 de maio, Paris acolheu o primeiro espetáculo da tour em solo europeu; a 17 de agosto, Taylor Swift despedir-se-á do velho continente com um espetáculo em Londres. Como seria de esperar de uma artista desta dimensão, toda a digressão envolve uma quantidade gigantesca de meios de produção, naturalmente necessários para a produção de grandes espetáculos em estádios. E, apesar dos constrangimentos causados ao normal funcionamento das cidades por onde passa, a avaliar pela reação do público, esses são danos colaterais perfeitamente aceitáveis, tendo em conta o privilégio que trazem em troca: as pessoas podem ver Taylor Swift de perto, pelo menos aquelas que conseguiram bilhetes lá para a frente. 

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Assistir a concertos desta dimensão tem o seu quê de experiência de comunhão. São momentos em que o indivíduo se transcende e, de certo modo, se funde na multidão: todos estão sintonizados, todos levam no peito a mesma paixão e o mesmo desejo. Há na experiência uma certa insanidade saudável que desloca as pessoas da sua realidade mundana e, durante algumas horas - que podem ser muitas, no caso das fãs que decidem acampar à espera que as portas se abram -, partilhar com toda a gente em redor um prazer comum e um momento que será certamente memorável. Partilhar estas pequenas aventuras com 60 ou 70 ou 80 mil pessoas não é qualquer coisa. Convenhamos, não se trata de um concerto num festival, onde a diversidade de gostos e de cabeças de cartaz fazem convergir no mesmo recinto e ao mesmo tempo pessoas de diversas origens e por variados motivos. Mas aqui não é assim. Neste caso, há uma única loucura partilhada. Neste caso concreto, o nome dessa loucura é Taylor Swift, possivelmente o pináculo da figura pop do século XXI. 

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Esta loucura de ter um grande artista internacional a encher por completo um estádio de futebol no meio da cidade não é uma coisa nova nem invenção de agora. Se hoje é Taylor Swift a maior artista pop do planeta, noutros tempos foram outras as giga-estrelas que vieram inaugurar a era dos concertos de estádio em Portugal. Foi uma era não muito longa, mas bastante rica em nomes e espetáculos memoráveis, quase todos no antigo Estádio José Alvalade, que se tornou uma espécie de Meca nacional do rock. O primeiro desses concertos foi dos Rolling Stones, a 10 de junho de 1990. Antes desse memorável concerto, os Police haviam atuado, dez anos antes, no Estádio do Restelo. Mas não era a mesma coisa. O Restelo não é o centro da cidade nem é o velho José Alvalade. E os Police não são os Rolling Stones. Foi com os lendários britânicos da língua de fora que se inaugurou em Portugal a era dos mega-espetáculos ao vivo. 

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Nessa tarde e noite de junho de 1990, no Dia de Portugal, os Stones, então 34 anos mais jovens do que são hoje, mas ainda assim com uma carreira de três décadas no currículo - é fazer as contas -, faziam uma das suas grandes tournées, a Steel Wheels Tour, que arrancara um ano antes nos Estados Unidos da América, passando depois por Canadá e Japão e entrando na Europa por uma porta que era então, e ainda é hoje, um destino habitual: Amesterdão. O surgimento de Lisboa na longa lista de datas era a grande novidade na digressão. Muitos dos que hoje têm bilhete para os concertos de Taylor Swift provavelmente não têm noção do quão periférica eram a capital e o próprio País nestas matérias até esse glorioso dia em que Mick Jagger e companhia subiram ao grandioso palco do Estádio José Alvalade original. Foi então que tudo mudou. 

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Seguiram-se alguns outros concertos que se tornaram míticos, sempre com assistências para cima dos 50 e dos 60 mil espectadores, e até mais. Um desses foi o concerto dos Guns N' Roses, com Axl Rose a fazer birras e a estatelar-se no palco, ficando a cantar deitado, segundo reza a lenda, durante três músicas. Entraram também na mitologia do rock em Portugal as célebres batalhas das garrafas, que faziam com que o céu de Alvalade parecesse uma rota caótica de aves migratórias - só que não eram aves migratórias, eram garrafas de cerveja - ou ainda o soundcheck dos Metallica, em 1993, que fez estremecer paredes e vidraças até no Bairro de Santos, no Rego. Estes são apenas alguns dos grandes marcos deste tipo de concertos que, após duas décadas de interregno, voltaram recentemente aos estádios de Lisboa com Ed Sheeran, na Luz, e atingem agora o seu expoente máximo, com duas atuações sobrelotadas do meteoro Taylor Swift, que iluminará o mesmo grandioso estádio durante duas horas de incadescência e dezenas de canções parecidas umas com as outras, a falar de rapazes giros e de perda, entre outros temas com que milhares, quiçá milhões, de jovens e menos jovens mulheres portuguesas e não só claramente se identificam. 

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Durante os tempos em que Lisboa ficou, de certo modo, fora da rota dos concertos de estádio, entre finais da década de 1990 e ffinais da década passada, foi Coimbra que acolheu os artistas super-pop como abrigo alternativo. Uma vez mais, os Rolling Stones deram concertos míticos no antigo Estádio do Calhabé, agora chamado Cidade de Coimbra, como aquele mítico em setembro de 2003, e mostraram a bandas mais jovens, tais como U2 - que lá atuaram em dose dupla em 2010 -, como é que se faz. Quem diz U2, diz Coldplay, por exemplo, que lá estiveram recentemente e ainda chamaram ao palco jovens fãs e ainda Bárbara Bandeira. Neste universo do entretenimento de massas e dos mega-espetáculos vale tudo para levar o público ao delírio. Vale tudo e nem sempre é preciso muito. Qualquer "obrigada, Lisboa" servirá para fazer chorar de emoção as fãs mais entusiastas de Taylor Swift e abrir noiticiários televisivos no dia seguinte, a dizer que a cantora natural da Pensilvânia, um estado em plena América, até falou português. Uma loucura! 

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