Quando, a 15 de novembro de 2022, a população mundial atingiu, pela primeira vez, os oito mil milhões, os ecologistas viram as celebrações com relutância e uma sensação de perigo iminente – sentimentos comuns entre a classe. Qual é o problema? É preciso alimentar todas essas pessoas e isso causa graves danos no planeta. De acordo com números da Organização das nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, a criação de gado é responsável por 14,5% da emissão anual de gases de efeito estufa. É, portanto, imperativo comer de forma mais consciente. Como? Cada vez mais instituições procuram dar resposta a esta pergunta, como é o caso da Relais & Châteaux e da Slow Food, que todos os anos se unem para dar corpo à campanha #FoodForChange, um esforço conjunto para promover uma gastronomia sustentável e de qualidade.
Este ano a atenção da #FoodForChange recai sobre queijos, vinhos e outros produtos fermentados. A fermentação é, afinal, um método ancestral de preservação dos alimentos, com processos que foram adaptados ao longo da história, passados de geração após geração, e que contribui para a reduzir o desperdício e poupar energia.
Fundada em 1954, a Relais & Châteaux é uma associação com 580 hotéis e restaurantes por todo o mundo, dirigida por empreendedores independentes – quase sempre famílias –, que promovem a diversidade das tradições gastronómicas. Já a Slow Food é uma rede mundial de comunidades locais, fundada em 1989, para combater a extinção das tradições alimentares locais e a propagação da cultura de fast food. Todos os anos, desde 2016, os chefs da rede Relais & Châteaux e a Slow Food juntam-se para promover uma gastronomia de qualidade, saudável e justa, ao mesmo tempo que procuram combater o aquecimento global e apelar à preservação da biodiversidade.
Sobre a campanha #FoodForChange deste ano, Mauro Colagreco, vice-presidente dos chefs da Relais & Châteaux diz que "os queijos, os produtos lácteos, os vinhos e as bebidas fermentadas tradicionais, como é o caso da cerveja e do sake, refletem a diversidade de práticas ancestrais, de sabores únicos e de paisagens variadas que os membros da Relais & Châteaux estão empenhados em preservar".
Já Edward Mukiibi, presidente da Slow Food, sublinha o papel da agroecologia na resolução da crise climática. "Estamos perante uma perda de biodiversidade dos solos e das raças e isso deve-se à produção alimentar e leiteira; aos desafios sociais e económicos, tais como a desertificação das zonas rurais e montanhosas; à insuficiência de apoios aos criadores de gado e às dificuldades de renovação das gerações" explica.
Para ilustrar a campanha #FoodForChange deste ano, a Relais & Châteaux selecionou, na sua rede de hotéis associados, cinco casas emblemáticas que são bons exemplos de utilização de produtos e métodos de produção tradicionais.
No L’Auberge Basque, no País Basco francês, o chef Cédric Béchade tem uma relação de confiança com o pastor Jean-Bernard Maïtia que, a uma altitude de 1400 metros, produz, através de métodos tradicionais, o queijo estival de ovelha Manech de cabeça preta, uma espécie ameaçada. Já na Bulgária, a família Stoychev, do Zornitza Family Estate, produz localmente uma variedade de queijos de vaca, de ovelha e de cabra – frescos e curados –, que podem ser degustados pelos visitantes. Nestes dois locais impera o Slow Cheese: queijos feitos com vagar, respeitando a sazonalidade, os animais da região e as técnicas ancestrais.
Da Áustria chegam dois exemplos de duas irmãs: uma dirige o hotel vinícola Taubenkobel, e a outra cultiva o vinho natural Gut Oggau de forma biodinâmica. Embora dirijam empresas distintas, apoiam-se mutuamente e fomentam uma abordagem regenerativas das suas actividades. Mais longe, na África da Sul, onde o aquecimento global tem trazido inúmeros desafios às vinhas históricas, o enólogo do Delaire Graff Estate desenvolve um projecto para uma melhor gestão dos recursos hídricos, promovendo a viticultura responsável. Nestes locais, o conceito chave é o Slow Wine: vinhos que são feitos de forma tradicional, sem exigir da terra mais do que ela pode dar.
Até nos Estados Unidos, um país que é conhecido pelo oposto do slow food, há exemplos de boas práticas. Um deles é o hotel Tributary com o seu restaurante okta, no estado do Oregon, onde o chef executivo Matthew Lightner e o chef garde-manger Larry Nguyen experimentam com técnicas de fermentação natural desenvolvidas a partir de produtos de agricultura regenerativa. Aqui, o que fala mais alto é a Slow Fermentation: produtos que são fermentados com toda a calma que a prática exige.
Para apoiar esta campanha, durante os meses de setembro e outubro, os membros Relais & Châteaux espalhados pelo mundo vão divulgar queijos, vinhos e produtos fermentados, sejam eles provenientes de artesãos locais, de pequenos fornecedores regionais ou diretamente da sua própria produção.