O novo presidente dos EUA, Joe Biden, tomou posse na última quarta-feira, 20 de janeiro. Biden apresentou uma longa lista de promessas para os seus primeiros 100 dias, mas a sua prioridade de topo será a pandemia do coronavírus.
Biden apresentou uma proposta no valor de 1,9 biliões de dólares para gerir a crise, reforçar o auxílio financeiro aos particulares e empresas, e fomentar o programa de vacinação de modo a ter 100 milhões de norte-americanos vacinados nos seus primeiros 100 dias de mandato. Além disso, espera-se que tente recuperar o mais possível o tempo perdido, recuando até janeiro de 2017, quando Barack Obama e ele [na qualidade de vice-presidente] deixaram o poder.
Biden não vai perder tempo e vai começar já a assinar ordens executivas, com o seu calendário oficial para 20 de janeiro a revelar que reservou 30 minutos durante a tarde para dar início a esse processo. Pouco depois de assumir o poder, ontem à tarde, Biden assinou cerca de uma dúzia de ordens executivas e outras medidas presidenciais. Revogou a proibição de entrada de cidadãos de alguns países de maioria muçulmana (o chamado "Muslim ban" de Donald Trump) e que coloque de novo os Estados Unidos no Acordo de Paris sobre o Clima (do qual o país se retirou por ordem de Trump).
O seu chefe de gabinete, Ron Klain, escreveu num memorando interno que as ordens executivas "mudarão o rumo da Covid-19, combaterão as alterações climáticas, promoverão a justiça racial e apoiarão outras comunidades desfavorecidas, e reconstruirão a nossa economia de modo a reforçar a espinha dorsal deste país: os trabalhadores e trabalhadoras que constroem a nossa nação".
Biden colocará também as relações internacionais entre as suas prioridades, com uma série de telefonemas a líderes mundiais, de modo a tranquilizar os aliados acerca do papel dos EUA na cena mundial.
Uma outra prioridade imediata será atuar no sentido de salvar o Obamacare [reforma do sistema de saúde implementada por Barack Obama], retirando um processo judicial federal, intentado pela Administração Trump, que visa acabar com ele.
A equipa do novo presidente está atualmente a analisar quais as questões onde devem focar-se no que diz respeito às propostas de lei a enviar ao Congresso. No entanto, Biden receia que o plano dos democratas para a destituição (processo de impeachment a posteriori) de Donald Trump, que vai ser votado no Senado [já foi aprovado pela Câmara dos Representantes], possa atrasar a sua agenda.
Por que motivo são os primeiros 100 dias tão importantes?
Desde que Franklin D. Roosevelt cunhou o termo, em 1933, "os primeiros 100 dias" têm sido vistos como uma referência vital para a eficácia que um presidente vai ter. Roosevelt conseguiu fazer aprovar 13 importantes leis nos seus primeiros 100 dias de mandato, incluindo os elementos de base do New Deal.
Mais recentemente, Barack Obama, por exemplo, usou os seus primeiros 100 dias para criar o enquadramento do Affordable Care Act (o chamado Obamacare), converter em lei o American Recovery and Reinvestment Act (Lei Americana de Recuperação e Reinvestimento) e assinar uma ordem executiva para encerrar o campo de detenção da Baía de Guantánamo, embora a prisão ainda se mantenha aberta.
Obama procurou relativizar o significado dos seus primeiros 100 dias, tendo dito que "os primeiros 100 dias vão ser importantes, mas provavelmente serão os primeiros 1.000 dias que farão a diferença".
Em contrapartida, o presidente Trump fez uma série de promessas radicais para os seus primeiros 100 dias, dizendo que acabaria com o Obamacare, construiria o muro na fronteira com o México, nomearia juízes que "apoiam a segunda emenda" e revogaria regulamentações governamentais.
Trump conseguiu cumprir muitas das suas promessas, ao assinar 24 ordens executivas. Entre elas incluiu-se qualificar a China como "manipulador cambial", promulgar a proibição de entrada no país dos oriundos de sete países de maioria muçulmana, introduzir vastos cortes fiscais e abrir caminho para revogar o Obamacare.
No entanto, Trump não foi capaz de cumprir muitas outras promessas que fez, não tendo, por exemplo, conseguido assegurar no Congresso o financiamento do muro do México.
Prioridades pandémicas relacionadas com o coronavírus
Um dos primeiros atos de Joe Biden quando foi eleito presidente foi revelar a equipa que incumbiu de liderar o combate à Covid-19, tal como tinha anunciado no seu discurso de vitória. Joe Biden e a sua vice-presidente, Kamala Harris, reuniram-se a 9 de novembro em Delaware, o estado-natal de Biden, com a task force criada para o efeito e que é composta por 13 elementos.
O plano de Biden visa investir na aceleração do programa de vacinação e na reabertura das escolas. O seu "Plano de Recuperação" económica, no âmbito da proposta de estímulos pandémicos no valor de 1,9 biliões de dólares, contempla a atribuição de um cheque de 1.400 dólares a cada norte-americano [que aufira menos de 75.000 dólares por ano] e a aceleração do programa de vacinação com uma "dose" adicional de 20 mil milhões de dólares.
Se o plano for aprovado no Congresso, isso ajudará a que Biden concretize uma das suas principais promessas: a de vacinar 100 milhões de norte-americanos nos seus primeiros 100 dias no poder, algo que [o reconhecido imunologista] Anthony Fauci descreveu como "absolutamente viável".
O plano do novo presidente contra a Covid-19 inclui instalar milhares de locais de vacinação em ginásios, centros comunitários e recintos desportivos. Também se espera que Biden incentive a mobilização da Guarda Nacional para os estados que estão a ter mais dificuldades em implementar os programas de vacinação.
Biden disse: "Não é difícil perceber que estamos perante uma crise económica e de saúde pública como não havia registo há várias gerações. Temos perante nós uma crise de profundo sofrimento humano e não há tempo a perder. Temos de agir e tem de ser já".
Espera-se que Biden assine uma ordem executiva para o uso de máscaras faciais em propriedade governamental.
Entre os membros da task force criada por Biden incluem-se conceituados cientistas e especialistas em saúde pública que serviram tanto em administrações republicanas como democratas, e os seus três co-presidentes têm um vasto leque de experiência política e científica.
Biden dará prioridade aos conselhos de Fauci, o principal especialista dos EUA em doenças infecciosas, e vai fazer deste imunologista uma figura fundamental na resposta à Covid-19.
Fauci teve uma relação por vezes turbulenta com Donald Trump, mas grande parte da população norte-americana deposita nele uma grande confiança.
Reconstruir pontes
Biden disse também que "não era preciso haver uma multidão" na tomada de posse presidencial e que juraria a Constituição em frente ao National Mall, em Washington, agora encerrado.
No seu primeiro dia na Sala Oval, Biden pretendeu "restaurar a nossa liderança no palco mundial", tomando medidas que incluem voltar a aderir à Organização Mundial da Saúde [os EUA saíram da OMS por decisão de Trump].
"Se eu vencer, no meu 1.º dia telefonarei aos nossos aliados da NATO para dizer que estamos de volta. Estamos de volta e podem voltar a contar connosco", disse Biden em vésperas das eleições presidenciais.
Biden disse que pretendia também revogar logo no seu primeiro dia em funções o "boicote aos muçulmanos" imposto por Trump, e logo de seguida começar a trabalhar com o Congresso no sentido de aprovar uma lei contra os crimes de ódio.
Relativamente a dezenas de ordens executivas assinadas por Trump lesivas da proteção ambiental, Biden disse que as revogaria todas. "E não o digo em sentido figurado. Serão, literalmente, todas", sublinhou.
Entre essas ordens a revogar inclui-se a aprovação que Trump deu ao controverso oleoduto Keystone XL entre o Canadá e os Estados Unidos.
Também assinou de imediato uma ordem executiva a recolocar os EUA no Acordo de Paris sobre o Clima – ao qual o país tinha aderido quando Biden era vice-presidente. "A primeira coisa que farei como presidente será convocar uma reunião em Washington D.C. com todas as nações que assinaram o acordo, de modo a elevar a fasquia. Isto porque aprendemos muito nos últimos anos sobre a ciência e sobre o que tem de acontecer rapidamente", declarou Biden.
Espera-se também que sejam anunciadas medidas da reforma imigratória para os 11 milhões de imigrantes que se estima que vivem na América sem estatuto legal, com a proposta de um plano de cidadania faseado ao longo de oito anos – após o qual ficarão legalizados.
Educação
Biden sinalizou também, no seu discurso de vitória, a importância da educação. Elogiando a sua mulher, a professora de inglês Jill Biden, disse: "Aos educadores americanos, este é um grande dia para todos vocês. Vão ter um dos vossos na Casa Branca".
Jill Biden, que tem cinco netos, será a primeira Primeira-Dama a ter um emprego remunerado fora da Casa Branca.
Armas e impostos
Joe Biden disse também que tomaria medidas imediatas para reverter os cortes de impostos, tanto para os particulares como para as empresas, que Trump assegurou em 2017.
Comprometeu-se igualmente a criar, nos seus primeiros 100 dias de mandato, um novo organismo de supervisão policial para lidar com o racismo institucional.
Espera-se que seja elaborada uma proposta de lei para acabar com as falhas na verificação de antecedentes para a posse de arma.
Será feita também uma proposta no sentido de criar um trajeto para que os cerca de 11 milhões de imigrantes sem documentos legais na América possam vir a adquirir a cidadania.
O novo presidente prometeu também para os seus primeiros 100 dias na Casa Branca "um roteiro para acabar com os sem-abrigo" e para se voltar a permitir que os estudantes transgénero possam praticar desporto e usar as casas de banho de acordo com a sua identidade de género.
Biden terá também de preencher mais de 4.000 postos para a sua Administração, 1.200 dos quais terão de ser confirmados pelo Senado.
Justiça racial
No seu discurso de vitória, Joe Biden comprometeu-se a combater o racismo sistémico na América. "Nos momentos em que esta campanha esteve mais em baixo, a comunidade afro-americana levantou-se em minha defesa", disse Biden batendo com o punho. "Vocês sempre me apoiaram e eu irei sempre apoiar-vos".