Não há Mundial sem uma pequena tragédia, sem um escândalo digno do nome, e o do Catar não é exceção. A própria escolha do país para organizar o torneio é nada menos do que polémica. Um Mundial que é disputado em novembro e dezembro, à beira-Golfo Pérsico, sem a presença de Itália, e com os dois melhores futebolistas do ano, o Bola de Ouro Karim Benzema e Sadio Mané, ausentes por lesão não é tanto um Mundial quanto um interregno, um intervalo para bocejar até ao próximo grande torneio, o Euro 2024, a ter lugar na Alemanha.
Dentro de campo, a teoria confirma-se. Ontem, com doze jogos disputados, o saldo de empates era de um terço (três 0-0 e um nulo a um golo), mais do que o total do último Mundial, na Rússia, e, nas estreias, assistimos a dois escândalos capazes de fazer cair treinadores: as derrotas da Argentina e da Alemanha frente a seleções teoricamente inferiores. Os argentinos, liderados pelo grande rival de Cristiano Ronaldo, Lionel Messi, perderam por 2-1 frente à surpreendente equipa da Arábia Saudita, precisamente o mesmo resultado com que o Japão derrotou a pouco oleada máquina germânica. Temos uma certeza, é pouco provável que, no final, ganhe a Alemanha, como manda o adágio criado por Gary Lineker. Até podem, pelo contrário, ganhar os nuestros hermanos espanhóis, que "atropelaram" a Costa Rica por uns poucos comuns 7-0.
Sejamos realistas, o Mundial de 2022 está a correr-nos de feição e Portugal ainda nem jogou. No futebol como na vida, a previsibilidade nem sempre é suficientemente valorizada. O treinador Fernando Santos avisava ontem: "Já iniciei um Europeu com três empates e ganhei. Se quiserem assino por baixo." Por isso, quando hoje a equipa portuguesa subir ao relvado do Estádio 974 – o número de contentores de que é feito o estádio – não devemos esperar muitas surpresas. Temos Cristiano Ronaldo, o mais bem-sucedido emigrante português desde que Fernão de Magalhães fez a sua viagem de circum-navegação ao serviço da coroa espanhola, uma trupe de futebolistas experientes e miúdos que fazem a estreia nos grandes palcos do futebol mundial – perdoem-nos o exagero – e um treinador pragmático. Uma receita para, passo a passo, tal como no Euro 2016, de monotonia em monotonia, fazer um caminho sem levantar tempestades de areia até à final.
Isto dito, o jogo de hoje, com o Gana, pode perfeitamente ser o mais traiçoeiro da fase de grupos. As equipas africanas parecem estar em alta – o Senegal portou-se bem contra os Países Baixos, apesar da derrota por 2-0, e tanto Tunísia como Marrocos praticaram o futebol a que se convencionou chamar de "olhos nos olhos" com as seleções de Dinamarca e Croácia, respetivamente. Além disso, Portugal, uma seleção de topo que não é favorita, tende a superar-se perante os grandes e a relaxar perante adversários menores. Que não descansem hoje, contra um Gana que joga um futebol sem receios, de ataque, porque a seguir vem o perigoso Uruguai e a enigmática Coreia do Sul.
No outro grupo hoje em discussão, Brasil enfrenta a Sérvia e a Suíça joga com os Camarões. A não haver mais surpresas, e terminada a primeira jornada da fase de grupos, a segunda jornada traz-nos os interessantes Inglaterra x USA (25/11, 19h), que lutam pela supremacia no Grupo B, e os clássicos da América Latina e da Europa Argentina x México (26/11, 19h) e Espanha x Alemanha (27/11, 19h). Podemos não estar ainda no mata-mata, como Luís Felipe Scolari se referia às eliminatórias, mas qualquer deslize será penalizado com a emissão de um bilhete de regresso a casa, o que, tendo em conta todas as condicionantes do Catar, até pode não ser má ideia.