Viver

Os ninhos do futuro

Durante a pandemia as nossas casas tornaram-se escritório e ginásio, escola e sala de cinema, uma realidade nova, mas que veio para ficar. Nas mãos dos arquitetos, como seriam as casas do futuro? Falámos com André Tavares, curador de 'Em Casa, projetos para Habitação Contemporânea', para visitar no CCB em Lisboa.

14 de maio de 2021 | Patrícia Barnabé
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É um dos quatro curadores da exposição que o Centro Cultural de Belém pensou a meias com o MAXXI, o Museo Nazionale Delle Arti del XXI Secolo em Roma, ao lado de Margherita Guccione, Pippo Ciorra e Sérgio Catumba. Reuniram exemplos italianos, do mundo e portugueses, históricos e contemporâneos, para "muitas visitas cruzadas e roteiros de descoberta", diz-nos André Tavares, enquanto ziguezagueamos entre desenhos e maquetes, e pequenos jardins de plantas, na Garagem Sul do Centro Cultural de Belém. Para ver até setembro, uma mostra de projetos que realçam o humanismo na Arquitetura, casas pensadas para as pessoas.

A maneira como habitamos tem um impacto profundo no planeta e a casa que temos obriga-nos a viver de uma determinada maneira: assistimos a que transformações?

As casas sempre se transformaram muito, mas no século XX transformaram-se radicalmente porque a sociedade também se transformou radicalmente: a quantidade de pessoas aumentou e aumentaram as diferenças de relação entre as pessoas. As funções fundamentais da vida não mudaram, temos de comer, dormir, etc, mas a maneira como o fazemos mudou bastante, e as casas acompanham. Ao longo do seculo XX formalizaram-se de muitas maneiras, talvez mais do que no arranque do século XXI, vamos ver o que acontece pós-pandemia, depende da maneira como a sociedade se transformar e das nossas exigências como cidadãos. 

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A pandemia fez-nos repensar o espaço. Houve quem mudasse para o campo ou para uma casa com pátio. O que vai acontecer?

A sensação que tenho é que as casas nos últimos 20, 30 anos deixaram de ser espaços de habitar para passarem a ser um produto financeiro. E o acesso ao crédito foi fundamental nessa transformação. Esse processo fez com que as casas passassem a estar muito padronizadas - caixa de escadas, esquerdo e direito, sala e cozinha para a frente, quartos para trás, vamos embora - e se não forem assim, não encaixam no padrão do produto que o mercado "precisa". Com o que é que fomos confrontados este ano? Que não é muito bom viver num produto financeiro, se calhar é melhor viver numa casa que responda às nossas aspirações e necessidades que, pelas piores razões, ficaram muito condicionadas, a casa transformou-se em muitas coisas. Tenho uma esperança, e espero que esta exposição contribuia, que é exigirmos outras coisas das nossas casas. Se isso acontecer vão mudar muito.

Os materiais parecem evoluir para escolhas mais naturais e tactéis.

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Têm evoluído, sim. Dizia-se no século XIX: o futuro do planeta passa pelo betão. E passou de facto: para o melhor porque trouxe-nos progressos sociais poderosíssimos, que não seriam possíveis; mas também para o pior, sabemos agora o impacto ecológico que está a ter e os problemos que vêm associados. Claramente o betão e o aço são dominantes porque correspondem a uma industrialização extremamente forte ao longo do século XX, que alterou os padrões normais de consumo e, portanto, as soluções de concorrência que aparecem são pontuais e não têm a capacidade de lutar contra esses gigantes. E aquelas soluções talvez sejam as melhores, não uma, mas muitas soluções capazes de diminuir a escala dos transportes, da logística e com isso diminuir o impacto ecológico. E qual é a desvantagem? Do ponto de vista do negócio são menores. A tendência será encontrar soluções mais naturais que sejam capazes de nos preservar num meio ambiente mais organizado, mas sobretudo que diminuam a tal escala da logística. Há uma tendência para essa variedade e para a sua convivência, um pouco como a biodiversidade das espécies.

Até na decoração é evidente uma preocupação, enchemos a casa de plantas para viver melhor.

A arquitetura constrói um suporte e depois cada um apropria-se, dá a sua personalidade. O suporte acaba por moldar a vida de certa maneira e a vida acaba por moldar esse suporte de outra maneira. Se há uma consciência maior da casa? Penso que sempre houve nas coisas mais simples, o que há, talvez, é maior noção dessa consciência. E maior disponibilidade. Vive-se muito melhor do que se vivia há 50 anos atrás, há mais tempo livre, mais economia de consumo, e isso gera espaço para haver essa alimentação e expressão. É óbvio que se compararmos com as casas do século XVIII, as imagens que vemos são as das pessoas que podiam ter casa. Mas tenho a certeza que qualquer pessoa poria um raminho de flores, e teria prazer nesse raminho, assim que pudesse.

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Como sociedade começamos a fazer uma reflexão sobre o consumo: teremos coisas demais? Seremos felizes em casas mais pequenas?

Estamos, sim. Casa há muitas, mas em Portugal, e é escusado ir mais longe, há muita gente que ainda precisa de casa no seu limite básico, digamos assim. E há pressões sociais, sobretudo em Lisboa e no Porto, mas não só, que tocam num aspecto-chave que é a relação da casa na cidade e na comunidade, e isso está a ser muito transformado. Eu diria que essas transformações estão a ser mais violentas do que as individuais na maneira que ocupamos o espaço. A pandemia e o teletrabalho tornaram evidente que a maioria das casas que habitamos são muito limitadas, dão para pouca coisa. Se calhar a mesma área organizada de outra maneira por um arquiteto que estivesse atento, e sobretudo que tivesse ao seu lado um promotor de obra disponível para ouvi-lo, daria às casas uma maior flexibilidade de programa e de relação entre os diferentes espaços, uma maior capacidade de responder às nossas aspirações e desejos.

A visão da comunidade é muito importante e vamos ter de começar a pensar nela, pela chegada da imigração ou da nossa própria velhice.

Temos muito que pensar nisso e temos sobretudo de mudar os mecanismos com que isso não está a ser feito. O que a História nos ensina quando procuramos ignorar esses movimentos é que, em geral, dá asneira, cria situações de separação que são péssimas para as comunidades segregadas e ainda piores para quem já cá estava. A integração é uma necessidade fundamental. Em Portugal isso é muito evidente, a maioria da p

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opulação portuguesa andou a emigrar e ainda emigra. Obviamente que é fundamental pensarmos nessas transformações a partir da organização da cidade como um todo e da casa como sendo uma célula fundamental.

Quando olhamos para a Cova do Vapor ou para a Fonte da Telha a primeira reação é: como é que isto é possível? Se tivesse sido pensado não tínhamos aqueles atentados… à própria natureza.

As situações informais são trágicas, porque correspondem a exclusões sociais muito agressivas e difíceis para quem as vive, mas ao mesmo tempo extremamente ricas porque quem as constrói, constrói-as com o suor do seu corpo e cria uma sensação de pertença muito intensa e rica com aqueles lugares. Além disso, com uma imaginação que os sistemas de planeamento formal normalmente não têm. E essa liberdade, se pudermos chamar assim, é muito difícil para os arquitetos porque muitas vezes nos põem a pensar: porque é que não somos capazes de fazer coisas tão boas quando temos condições? Há aqui uma necessidade de "não recuse à partida uma ciência que desconhece", de olhar para estas situações de construção não apenas como um problema, que também são, mas como um espaço onde a sociedade se exprimiu de uma maneira informal e que tem pistas e informações e qualidades que são fundamentais se quisermos reabilitar e integrar aqueles lugares na cidade. E com isso fazer uma relação mais integrada entre quem lá está e quem não está, para que que

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m não está possa ir lá e disfrutar e viver e conhecer a qualidade das pessoas, entusiasmar-se com aqueles lugares, e vice-versa. Para não haver na cidade zonas excluídas e impossíveis.

A população europeia está cada vez mais envelhecida, teremos de repensar as cidades nesse sentido?

Definitivamente. A questão das acessibilidades está em cima da mesa, mas falta consenso devido a uma certa dureza da lei, que é importante para que se cumpram determinadas metas, mas que faz com que esses objectivos sejam estratósféricos e raramente cumpridos. Aí os arquitetos têm a capacidade de usar o bom senso e encontrar soluções de equilíbrio entre desejos muitas vezes contraditórios, e ter casas habitadas por jovens ao lado de casas habitadas por séniors, essa convivência é fundamenteal para o futuro das cidades.

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A população não pára de crescer, as cidades estão cheias, agora que trabalhamos remotamente vamos espalhar-nos mais?

Espalharmo-nos mais já está a acontecer há muitos anos. A concentração e a densidade, mesmo com arranha-céus a serem construídos, é cada vez menor e isso tem um impacto absolutamente destruidor na performance ecológica do planeta…



Qual é o grande desafio dos arquitetos no futuro?

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Encontrar trabalho. E não estou a brincar! Há uma desvalorização profundíssima da profissão da arquitetura porque o arquiteto aparece como intermediário para fazer a síntese de vontades contraditórias: o investidor tem uma vontade, o político tem outra, o promotor tem outra, o construtor tem outra. A arquitetura ideal deixa todos descontentes, mas todos estão a ganhar um pouquinho mais em conjunto. O que é que acontece muitas vezes? Há dois espertos nesta cadeia que acham que se se juntarem e chutarem o arquiteto para canto, ficam a ganhar. E talvez fiquem naquele momento, mas como sociedade ficamos todos a perder. As pessoas que vão morar naquelas casas vão chamar muitos nomes àqueles espertos.

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