Um destes dias passei a tarde nas compras com o meu filho de 15 anos. Uma façanha que não se repetia desde.... Diria que desde nunca. Até há bem pouco tempo, cabia-me a tarefa de lhe comprar roupa. Eu escolhia-a e ele limitava-se a vesti-la. Esses tempos acabaram. O meu filho é um virginiano de signo, muito intelectual e ultrarracional, que sabe exatamente o que quer (e como quer). E o mesmo se aplica à roupa que veste. Tem de ser aquela T-shirt preta com aqueles jeans pretos (no que respeita a escolha da cor saiu à mãe). O cabelo, corta-o de tempos a tempos (quase calculados metodicamente) na mesma barbearia vintage, já que só ali sabem cortar precisamente como ele gosta. Há dias confidenciava-me que precisava de falar comigo. O tom sério deixou-me apreensiva. Afinal, o que ele queria era apenas que lhe comprasse uma embalagem daqueles adesivos para o nariz destinados a tirar os pontos pretos. A cereja no topo destes comportamentos é que o meu filho não é propriamente um rapaz vaidoso, ou sequer alguém que ligue muito às questões da imagem. Para ele, a imagem não é mais do que uma extensão da sua vincada personalidade e ele faz questão de lhe fazer justiça.
Eu acho muita graça a estes hábitos do meu filho? talvez porque seja meu filho e os pais tendem a "achar muita graça" a tudo o que estes fazem. Mas o mesmo encanto não aplico aos homens com quem me relaciono. Houve, inclusivamente, um namorado com quem terminei ao final de escassos meses porque me enervava o facto de demorar horas na casa de banho? entre os mil cremes que aplicava e o tempo que demorava a secar o cabelo? e ainda mais o facto de usar cosméticos de marcas melhores do que as minhas. Resumindo, ele era um dito metrossexual e eu gosto de homens que aparentem aquele look "I don’t give a shit" que traduzido à letra significa que saem à rua com o mesmo ar com que se levantaram da cama? ainda bem que gostos não se discutem. A este propósito, esmiuçava o jornalista especializado em male grooming, Lee Kynaston, no The Guardian: "É interessante constatar como muitas das críticas sobre os hábitos de higiene masculinos não vêm de homens ‘retrossexuais’, que veem isso como uma afronta à masculinidade (não o é), mas das mulheres. Não sei dizer quantas vezes fui abordado por jornalistas do sexo feminino questionando se eu gostaria de comentar sobre o fenómeno ‘Os homens são mais vaidosos do que as mulheres’. Eu recuso-me sempre a falar, porque: 1) Eu acho que colocar os sexos um contra o outro dessa maneira é preocupante; 2) As mulheres não têm, e nunca tiveram, o monopólio da vaidade; e 3) O que há de tão errado com um pouco de vaidade?" Além disso e se recuarmos um pouco na história, constatamos que o termo narcisista tem o nome de Narciso, um homem (um HOMEM) que se apaixonou pelo seu próprio reflexo na água. Ou seja, foram os homens que inventaram a vaidade.
Se dúvidas houvesse, temos sempre os factuais números que o confirmam. Um estudo realizado em 2016 descobriu que os homens colocam a imagem corporal em segundo lugar de importância quando questionados acerca da satisfação com a sua vida (superado apenas pelo sucesso financeiro que arrecadou o primeiro lugar). As mulheres, por outro lado, classificaram a imagem corporal em terceiro lugar (depois da estabilidade financeira e da satisfação com o parceiro romântico). David Frederick, autor do estudo e professor de psicologia na Universidade de Chapman, concluiu que "os sentimentos dos homens e das mulheres em relação ao seu peso e à sua aparência desempenham um papel fulcral quando o assunto é o nível de satisfação com a vida, no geral". Arrematou que "poucos homens (24%) e mulheres (20%) se sentiam muito satisfeitos com o seu peso e que apenas metade se sentia extremamente satisfeita".
A nível nacional e para surpresa de muitos, já que o homem português continua a carregar o título de macho latino e "macho que é macho não liga a essas coisas da imagem", a teoria da vaidade mantém-se. "O cliente masculino é cada vez mais importante e relevante. É um mercado que tem crescido em double digit todos os anos", confidencia à Must Vânia Gregório, retail brand manager da Kiehl’s, uma marca de cosmética unissexo que faz parte do grupo L’Oréal. Acrescenta que o boom da procura masculina por cuidados de higiene e de beleza começou por ser mais representativo nos últimos três ou quatro anos. E admite que conquistar os homens é mais difícil, mas que uma vez atingidos, estes são muito mais fiéis ? e agora poderia iniciar toda uma dissertação em torno do tema que casa homens e fidelidade, mas não vamos por aí. O que nos interessa saber é como são fiéis os homens aos produtos que escolhem para si próprios. E como são práticos, já que uma vez identificado o que gostam, não se consomem a procurar mais. "Dez por cento da nossa base de dados [da Kiehl’s] são homens. O que parece pouco. Acontece que em compras os homens representam o dobro. São menos, mas compram mais. Porque são leais. Perdemos muito mais senhoras do que homens", confirma a marketeer. Quando questiono o porquê desta situação de fidelidade masculina (além do óbvio facto de que, na sua grande maioria, os homens são mais descomplicados do que as mulheres), Vânia aponta a abordagem da marca: "A Kiehl’s não é hard selling. Não impingimos nada nem sequer sugerimos. E eles gostam disso. O facto de darmos amostras é algo que também ajuda a recrutar imensos clientes. Eles adoram experimentar antes o produto e o retorno é quase sempre garantido." A praticidade tão típica masculina fala mais alto do que a vaidade? Talvez. Além de fiéis, Vânia Gregório relata que, uma vez satisfeitos, estes homens não levam só um produto no ato da compra, mas sim a rotina inteira ? desde a limpeza ao aftershave. E again, a tal praticidade e descomplicação que tão bem os caracteriza.
Digamos que estamos perante um homem mais preocupado com a sua imagem, mas também um homem cuja mulher também está mais interessada na aparência da sua "cara-metade" (e eu talvez seja a tal exceção à regra quando digo que não gosto deles demasiado aprumados). "Muitas vezes, os homens aparecem nas nossas lojas com um papel impresso pela mulher com a imagem do produto (ou dos produtos) que estes deverão comprar [risos]", continua a responsável de marketing da Kiehl’s. Os factos estão à vista e se dúvidas ainda houvesse, os números confirmam. De acordo com uma notícia publicada no site Mr. Porter, estima-se que a indústria de higiene masculina representa hoje cerca de 17 mil milhões de euros, globalmente, com o cabelo a simbolizar a maior parte da fatia. Especialistas em grooming consentem: os britânicos preocupam-se com o cabelo mais do que nunca. E voltam a trazer para o topo da mesa esta vanity affair: tratar-se-á apenas de pura vaidade? De acordo com a American Hair Loss Association, aos 35 anos de idade, dois terços dos homens experimentaram algum grau de perda de cabelo. E são cada vez mais os que estão a tomar procedimentos cirúrgicos de substituição de cabelo para neutralizar esse facto. Oitenta e cinco por cento dos pacientes tratados por membros da Sociedade Internacional de Cirurgia de Restauração Capilar (ISHRS) são homens e os últimos números da ISHRS relataram aproximadamente 397 mil procedimentos de substituição de cabelo em todo o mundo, no ano de 2014. É vaidade, sim, mas também é uma preocupação que implica com a questão da autoestima que, por sua vez, está intimamente ligada às questões emocionais, logo ao bem-estar, no geral. Até porque se nos basearmos somente no aspeto da vaidade, chocamos de frente com a questão do narcisismo. E dizem os terapeutas que os narcisistas não sofrem de autoestima excessiva, mas antes da sua ausência. Que a voz dominante nas suas cabeças não é de lisonja, mas antes de uma autocrítica implacável.
"A vaidade é, muitas vezes, a consequência de uma autoestima frágil", escreveu recentemente o filósofo britânico Simon Blackburn. Num artigo publicado no The Guardian, o escritor e crítico de cinema americano Tom Shone deslindou acerca da vaidade, considerando que toda a pessoa vaidosa se sente arruinada em algum momento. "Somos como fumadores: todos queremos sair." Seja como for, os factos são que, em 2015, o mercado do male grooming tenha movimentado cerca de 55 mil milhões de euros e a estimativa é que se atinjam cerca de 65 mil milhões até 2020. Por conseguinte, gostando de homens que se cuidam ou não, ao perguntarmos ao espelho "Who’s the fairest of them all?", a resposta é unânime. São eles, evidentemente.