Como diretor de viagens e turismo do Boston Consulting Group, Jason Guggenheim está habituado a solucionar problemas em nome das companhias aéreas e de hotelaria. Normalmente, repensa as operações das mesmas e realiza esforços de reestruturação para resorts em expansão, empresas de cruzeiros, agências de viagens online ou grandes nomes do setor da aviação.
Contudo, ainda que esteja habituado a solucionar os problemas do setor das viagens, Guggenheim salienta que nunca um ano foi tão turbulento como o de 2020 e que, quanto a 2021, não tem certezas.
O Boston Consulting Group prevê que somente nos anos de 2023 ou 2024 as viagens voltem aos níveis de 2019, o que manterá Guggenheim muito ocupado nos próximos anos. Esta previsão tem em conta que o turismo é movido pela intangível confiança do consumidor.
Independentemente da existência de uma cura, remédio, vacina ou protocolo de segurança, o setor das viagens só irá recuperar na totalidade na altura em que os amantes de viagens e os prestadores de serviços recuperarem desta crise pandémica, a nível psicológico.
Ainda assim, o setor é tão extenso como instável, o que mantém Guggenheim atento à possíveis alterações que possam surgir a médio e longo prazo."A nossa pesquisa diz que, em termos demográficos e em todas as classes sociais, as pessoas ainda sentem falta das experiências únicas que as viagens oferecem", esclarece o especialista. Reforçando que, até os indivíduos voltarem a realizar grandes viagens, as "viagens das suas vidas", há muito caminho a trilhar.
Guggenheim acredita que, numa fase inicial, os turistas vão procurar destinos e experiências mais próximos das suas localidades. O que nos Estados Unidos significa que serão realizadas mais viagens domésticas, a destinos próximos. Esta prática surge no sentido oposto ao que ocorria antes da pandemia da Covid-19, onde eram mais recorrentes safaris, escapadelas para ilhas privadas e cruzeiros, experiências diferentes, emocionantes e mais dispendiosas.
A faixa etária dos indivíduos com mais de 55 anos era a que mais viagens realizava e que impulsionou a tendência das viagens multigeracionais de alto custo. Todavia, são agora um grupo de risco que merece a atenção da população a nível mundial. "Eles não viajarão [assim] por vários anos ou talvez nunca mais", disse Guggenheim, abrindo exceções para viajantes muito experientes.
Daí que o especialista acredite que as viagens mais longas sejam substituídas e estagnem no curto prazo. "A idade é definitivamente um influenciador do retorno do lazer de longa distância - e dos cruzeiros de longa distância, esse mercado vai demorar a recuperar", reforça Guggenheim.
A definição de luxo mudou e priorizam-se agora os espaços privados. Estatisticamente, Guggenheim diz que "apenas 9% das pessoas inquiridas estão preocupadas em apanhar Covid-19 no seu dia-a-dia, enquanto cerca de 48% estão preocupados em ficar infetados no decorrer de uma viagem".
O Airbnb, que oferece controle máximo sobre o espaço e contato mínimo com estranhos, é o que menos preocupa os viajantes. "O Airbnb tem a vantagem do viajante se sentir mais em casa do que num hotel", diz Guggenheim.
"Mas para os ricos, existem muito mais opções", reconhece o especialista, dando o exemplo dos clubes exclusivos de troca de casas, ou do acesso a mansões. "Estes serviços estavam a ganhar popularidade antes da Covid e suspeito que veremos mais disso - especialmente na classe alta." Mas e os hotéis? "Muitos estão a esforçar-se muito para manter as pessoas seguras, além do que é regulamentado", diz Guggenheim. No entanto ainda há muito medo, especialmente no que toca a alfurjas e elevadores. A recuperação total pode levar anos.
Pequenas empresas vs. grandes
A indústria das viagens assemelha-se agora a uma temporada da série televisiva Survivor, onde os vencedores e perdedores da história são imprevisíveis. "É verdade que as grandes empresas têm mais flexibilidade financeira e opções à sua disposição, enquanto as pequenas empresas locais correm mais riscos", diz Guggenheim.
"O seu hotel favorito pode até ter uma bandeira Marriott à entrada, mas ser propriedade de uma família local, que está a lutar para pagar a hipoteca e os salários dos seus funcionários", explica Guggenheim. Depois, há ainda a questão da localização. Além das cidades duramente atingidas, as empresas geralmente lutam para manter as luzes acesas em cidades onde a economia depende desproporcionalmente dos turistas. "Se ninguém aparecer e as suas localizações forem aniquiladas, os hotéis [de todos os tipos] sentirão a pressão", diz Guggenheim.
Nesses casos, a sobrevivência pode depender do acesso ao financiamento público ou aos mercados de dívida e ações - ferramentas que estarão provavelmente disponíveis somente para os "peixes grandes", grandes empresas.
Encerrar, ou não, o negócio
Tempos desesperadores levam a medidas desesperadas. Mas Guggenheim diz que, embora os hotéis possam aumentar a procura com promoções em certos mercados focados em lazer, isso não se traduzirá em preços baixos - especialmente no que diz respeito a passagens aéreas. "As pessoas que estão confortáveis em viajar agora provavelmente são menos sensíveis ao preço", diz ele, "e aqueles que optam por não voar provavelmente não serão influenciados apenas por uma viagem a um custo mais reduzido".
"A maioria dos viajantes (cerca de 60%) dirá que a vacina é realmente necessária para que voltem a viajar". A época alta de viagens, explica Guggenheim, pode ser um divisor de águas para empresas que procuram ajudas de modo a evitar a falência, ou formas de se protegerem da falta de liquidez.
Um verão dececionante em 2021 "teria um efeito prejudicial a nível psicológico na força de trabalho e faria com que passassem dois verões sem operar no seu melhor", garante Guggenheim. "É um sucesso ou fracasso financeiro, sim, mas também psicológico. Neste momento, qualquer sinal de normalidade é desejado e necessário", acrescenta ainda Guggenheim. "Qualquer mudança será psicologicamente muito importante para a indústria como um todo."