O actor Tony Curtis dizia que aprendera a beijar uma rapariga vendo Cary Grant nos filmes. Não admira: no cinema criaram-se os grandes modelos masculinos do século XX. Só mais tarde, quando a televisão começou a mostrar políticos, empresários ou desportistas a todo o mundo, os actores de cinema tiveram de dividir os seus louros por outros. No cinema, como hoje no futebol, descobrem-se os exemplos dos homens perfeitos (mesmo nas suas imperfeições). E, como se sabe, os heróis nasceram para ser exemplos para os que os veneram. Uns, porque são o símbolo do poder masculino. Outros, porque são altruístas. Muitos, porque o seu talento transborda. Sejam exemplos a seguir: com um sonho, com uma imagem, com uma forma de viver a vida que deslumbra, com uma capacidade de liderança para estabelecer modelos. Buscamos homens que nos filmes ensinaram gerações sucessivas a fazer as coisas bem, como John Wayne ou, mais recentemente, Sean Connery. Os filmes ensinaram-nos a sacrificar algo por uma coisa mais grandiosa, como quando Humphrey Bogart se separou de Ingrid Bergman, em Casablanca. Os grandes homens, actores ou não, ensinaram-nos a ser melhores pessoas, com mais valores e com mais ética. Ninguém é símbolo da masculinidade perfeita se não aliar os seus atributos físicos a outras riquezas mais interiores e, aparentemente, mais escondidas.
Oscar Wilde sabia do que falava: "A maquilhagem diz-nos mais que o rosto." Vivemos num mundo de máscaras e, por isso mesmo, a elegância não é uma palavra oca. A elegância não segue a moda, pode utilizá-la, mas sobretudo impõe-na. É imprevisível. Um dos dandies mais conhecidos de sempre, Beau Brummel, dizia, a um aprendiz da nobre arte de ser dandy, que "se reparastes, é porque eu não sou elegante". Ser elegante é uma maneira de vestir e de estar no mundo. A elegância não conhece outras medidas do que as suas. E é isso que a torna imprevisível. A elegância salva cada forma de vestir da sua má onda para se reconduzir à verdade suprema: o seu estilo. O classicismo do gentleman escapa, assim, ao conformismo da ortodoxia. Gentlemen, dandies, marginais. São únicos. Rebeldes como Marlon Brando, James Dean, Mayakowski ou Philippe Starck. Dandies como Andy Warhol (mistura com marginal), Marcel Proust, Jean Cocteau, Tom Wolfe, Oscar Wilde, Miles Davis, Karl Lagerfeld ou Serge Gainsbourg. E há os gentlemen como o duque de Windsor, Cary Grant, Bryan Ferry, Gary Cooper, o príncipe Carlos, Fred Astaire ou Humphrey Bogart. Os dandies não têm modelos nem descendência. É o risco que faz a sua elegância. O segredo do dandy é a arte de aparecer e desaparecer, sem nunca ter aparecido completamente. O "making of me" é o seu princípio. Os marginais vestem a primeira coisa que vêem. Vivem num mundo que negligencia a moda, ignorando todos os princípios subtis do gentleman, assim como as sensações inéditas de um dandy. A roupa acompanha-os ao longo do tempo e identifica-os. Os ecrãs americanos tonificaram a sua imagem. A ganga e o couro. A T-shirt. O blusão selvagem. Os gentlemen. Existem os originais, bem vestidos. Cada um improvisa à sua maneira uma elegância audaciosa. Com uma discrição quase invisível. Sobriedade imaculada, como Gary Grant com as suas eternas camisas brancas. O duque de Windsor é o paradigma do género. Com ele, abdica-se da tradição clássica. Autoridade de um criador. Inventivo com indiferença. A simplicidade sofisticada.
Os homens parecerem homens. No cinema e no futebol. Na política perdeu-se isso. Com os seus vícios e virtudes. Ser masculino é uma forma de ser elegante e levemente irónico, como George Clooney, ou uma máquina física poderosa, como Cristiano Ronaldo, que está sempre pronto para ultrapassar todos os limites. Como sempre, o futebol e o cinema impõem lógicas e condutas. Definem heróis e modelos que desejamos seguir. É assim com o cinema, desde os anos de 1930. É assim com o futebol, desde a década de 1960. As grandes estrelas tornaram-se modelos. Lembremos, por exemplo, Eusébio. No Benfica, ou na selecção nacional, tornou-se um exemplo. Não admira que se tenha tornado um ídolo: ele era o símbolo da resistência, da possibilidade de vitória e de conquista e, também, do homem que, face à derrota, percebia a sua fragilidade e chorava. O Mundial de 1966 tinha tudo isso: a recuperação contra a Coreia do Norte, a incapacidade de esconder aquele momento de fragilidade em que o sonho, contra a Inglaterra, terminara. E as lágrimas rolavam pela face de Eusébio. Que mais belo exemplo de masculinidade existia? Lembremo-nos dos anos 60 quando o dinheiro permitia que os futebolistas ingleses se tornassem rebeldes. Foi o caso de George Best, o "Beatle", como foi chamado pelos benfiquistas depois dos jogos com o Manchester United. Ele era o símbolo do novo homem, que jogava para entreter os adeptos e só se preocupava com isso. Mais do que vencer, ele queria entreter. E os homens, nessa época, queriam ser estrelas, entretendo os outros. Cristiano Ronaldo, hoje, é diferente: é um novo estilo de masculinidade vencedora, que se impõe pela vitória E só por ela. Pelo caminho ficou um outro jogador que era um modelo em campo. Liderava enquanto os seus colegas jogavam como dançam as gerações antigas de holandeses, em roda: Cruyff era o exemplo da elegância masculina. Alto, esguio, fumava enquanto tocava a bola. Jogava em qualquer posição no campo. Era o homem perfeito desses anos 70: tocava todos os instrumentos. Jogava como defesa, como médio ou como avançado. Era o homem completo. Hoje não há jogadores assim. Nem homens assim. Verdadeiros Da Vinci, mestres em todas as coisas.
Olhamos para o cinema, outra fonte de modelos. Na década de 50 os principais personagens masculinos de filmes americanos começaram a parecer-se como homens na vida real. Nem sempre bons ou fortes. Dustin Hoffman tornou-se uma estrela, como vimos em A Primeira Noite. Peter Fonda era o rebelde sobre rodas na América. Paul Newman e Steve McQueen faziam de anti-heróis e eram identificados como "reis do cool". John Travolta era o Fred Astaire da era da dança e da febre das discotecas. Na Europa, James Bond, o herói dos tempos das sombras, encontra em Sean Connery o homem perfeito: secreto, conquistador, capaz de cumprir os objectivos sem limites morais. Mas a testosterona estava em retirada, nos anos 80: os filmes eram para teenagers e não precisavam de heróis adultos. O cinema talvez nunca tenha mostrado a confusão das últimas décadas sobre a masculinidade, de que a saga Jason Bourne é exemplo: ele não sabe quem é. E os homens começaram, também, a não saber quem eram. A solução foi recorrer aos heróis da Banda Desenhada: o Homem de Aço ou de Ferro, com poderes sobrenaturais. Os heróis começaram a ser mais velhos. Porque a sua condição física melhorou. Mas o ideal do homem-alfa continua, no entanto, a manter-se: o poderoso, figura em quem se pode confiar. Não é isso que poderíamos ver em Don Draper, na série Mad Men, que na televisão era o símbolo de uma figura paternal que poderia causar sempre danos a si próprio e à própria família. Não era um exemplo de masculinidade e de segurança. Sean Connery situava-se acima dos outros: era cool, sofisticado e tinha estilo. Era um modelo de uma certa masculinidade. Vestia um fato de bom corte, era irresistível para as mulheres e tinha um esboço de combate. John F. Kennedy, Mandela, José Mourinho. O sentido de liderança, de transportar um sonho. Mulhammad Ali era um vencedor? Mas seria o símbolo a seguir? Coco Chanel, exímia na diplomacia do gosto, disse uma vez: "Elegância é tudo aquilo que é belo, seja no direito ou seja no avesso." A elegância masculina comprova isso, qualquer que seja o ícone escolhido, Cary Grant ou James Dean. Elegantes são aqueles que sabem transgredir todas as regras e acedem ao paraíso dos eleitos. Muitas vezes, são imitados, mas nunca são igualados. A elegância é imprevisível. É um mistério. É uma forma de vestir que marca um lugar no mundo. A elegância não conhece outras medidas para além das suas. É isso que a torna imprevisível. É o estilo que define a diferença.
O classicismo do gentleman escapa ao conformismo da ortodoxia, a originalidade do dandy ao impasse da excentricidade, a simplicidade do marginal à mediocridade da banalidade. Talvez estes estilos tenham marcado épocas e, com variantes, acabam sempre por regressar como moda nova. Mas, à sua maneira, são todos únicos, imprevisíveis, pioneiros e inimitáveis. Não basta ser elegante, também é preciso ser moderno ou parecer. Estar investido nos símbolos da modernidade, tanto nas atitudes tomadas em público como nas opções de escolha do que se veste. Só o luxo não garante a distinção. Ser elegante requer recursos, empenho e informação. A partir da Revolução Industrial, a sóbria indumentária utilizada pelos burgueses era uma espécie de símbolo da liberdade de todos os cidadãos. Os casacos ou os fraques inspiravam liberdade e democratizavam a moda. Despojado do traje da corte francesa, símbolo das classes poderosas, o vestuário masculino usado pelos burgueses passou também a ser possível para as classes mais baixas, mesmo com versões mais baratas de tecidos e cortes. Ao longo do século XIX, o despojamento do traje transformou-se em austeridade, algo que fascinava os homens.
A partir de 1840, a figura do gentleman marcou o ideal masculino. Era o homem bem-sucedido economicamente, bem-educado e que ofuscava as ruas de Londres ou de Paris. A aparência tinha a ver com sentido prático e com educação e não tanto com beleza ostentatória. A elegância era audaciosa. Há uma sobriedade imaculada que Cary Grant traria depois para o cinema ou Bryan Ferry para a música. Ou, claro, o duque de Windsor que estabeleceu as regras do estilo. Os homens abdicavam das formas mais alegres, claras e elaboradas, deixadas para as mulheres. Eram austeros, ao contrário do mundo das cortes monárquicas com os trajes ornados e coloridos. Os homens afastavam-se de um universo que era considerado superficial e fútil. E esse pecado moral foi atirado para os ombros das mulheres. A nova cultura masculina era fundada por homens que tinham uma posição social baseada no talento e no trabalho e não na hereditariedade. O traje escuro, austero, neutro, traduzia a consagração da ideologia de igualdade, ao contrário do vestuário de festa e ostentação da aristocracia. A vaidade masculina não acabou aqui. Mas sofisticou-se. Os chapéus, as bengalas, os relógios ou os charutos davam o toque de requinte e exclusividade. De elegância. Os homens não estavam longe do mundo do consumo, embora se refugiassem em alfaiates, longe dos olhares femininos. Os dandies deram outro corpo à ostentação, como se caricaturassem um mundo que evoluía noutro sentido. O risco estava aí, como mostrou Oscar Wilde, fazendo da vida real uma extensão da ficção. O dandy expunha-se e impunha-se. É o risco que faz a sua elegância. Como mais tarde faria, impecavelmente de branco, Tom Wolfe que escreveu A Fogueira das Vaidades, na década de 80, quando o dinheiro fácil e o consumo desproporcionado não pareciam ter fronteiras. Ou Morrissey, no seu universo onírico da pop subtil e encantadora. O segredo maior do dandy era a arte de aparecer e desaparecer em pouco tempo, como se tudo não passasse de uma ilusão. Há uma linha marginal na elegância: aquela que tenta não a ser. É o que fazem os marginais, talvez superiormente representados por Marlon Brando, James Dean ou por um Mickey Rourke nos seus tempos áureos. Parecem vestir a primeira coisa que encontram, sem rigor. Ignoram todos os princípios subtis do gentleman ou as sensações inéditas do dandy. As suas roupas identificam-nos, à partida. Muitas vezes, nenhuma das roupas tem o mínimo de qualidade, mas é isso que lhes pode dar uma elegância extraordinária. São heróis sem causas e continuam a frequentar este mundo mais pequeno depois da globalização económica que trouxe, também, uma moda mais hegemonizada. No fundo, os homens não escapam à moda. Buscam é o seu próprio território de elegância. Ou como diria Machado de Assis: "Há pessoas elegantes e pessoas enfeitadas." Não poderia sintetizar de forma mais perfeita a essência da elegância. Que também é masculina.