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O homem que organiza as mais exclusivas festas em Cannes

Com o Festival de Cinema de Cannes em curso, recordamos a história do homem famoso por organizar uma das grandes festanças do certame.

Foto: IMDB
20 de maio de 2022
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O sol põe-se por detrás das ilhas Lérins e nuvens ameaçadoras pairam sobre Cannes, a Cidade das Luzes, que brilha como uma bolsa de diamantes nos braços da Baía dos Anjos. Estamos em maio de 2019, no último Festival de Cinema de Cannes antes de o mundo se fechar sobre si próprio devido à pandemia, e no 10.º aniversário do Jantar anual dos Cineastas organizado por Charles Finch.

Enquanto o Hôtel du Cap-Eden-Roc [situado na Riviera Francesa] resplandece de forma reconfortante por entre a luz que desvanece em Antibes, o som dos motores das lanchas reparte-se num vaivém de viagens até ao pontão do hotel, por entre a ondulação pouco habitual para a estação do ano. O belíssimo e admirado iate clássico de Finch, o Gael, também ancorado na baía, é de certa forma ofuscado pelos enormes palácios de gin dos magnatas dos media.

Foto: Getty Images

Apesar de o tempo anormalmente tempestuoso ser prenúncio de uma nova década perturbadora em curso, quando o hotel fechar pela primeira vez na sua longa história de 150 anos de vida devido a um acontecimento sísmico não relacionado com guerras, nada irá franzir as estrelas aureoladas que se debruçam sobre os terraços do Eden Roc, semelhantes aos conveses dos navios.

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A festa, que é co-organizada por Michael Kors e por Edward Enninful, director da Vogue britânica, parece ser de outros tempos. As primeiras convidadas, apoiadas em saltos extremamente altos e em cintilantes vestidos metálicos com a assinatura de Kors, percorrem a icónica e confortável Grande Alameda do hotel que se estende em direção ao mar.

Trata-se, literalmente, de uma passadeira com 179 metros, onde as modelos Isabeli Fontana e Cindy Bruna surgirão a qualquer momento por detrás das portas giratórias do lobby do hotel e passarão pelas glamorosas palmeiras até ao terraço das festas do Éden Roc, que sobressai sobre a água como a proa de um navio. Eis que chega Amber Heard, resplandecente e amazónica no seu fato Kors cor de bronze, bem como Shailene Woodley, num mini-vestido dourado com lantejoulas, e, é claro, a realizadora escocesa Lynne Ramsay, para quem a noite é de celebração – uma vez que recebeu o ‘Prémio de Melhor Realizador’.

Rita Ora, que parece uma jovem estrela dos anos 50, com os lábios de cor rubi, faz poses para os fotógrafos na Grande Alameda. Finch, no seu fato azul feito à medida pelo designer napolitano Elia Caliendo, com um lenço de bolso branco dobrado numa elegante linha direita, tenta conter o nervosismo. Bebe mais um martini antes da chegada dos convidados e, para consternação da sua equipa, especialmente da sua prima, a organizadora de eventos Claire Ingle-Finch, mexe nos cartões da disposição dos lugares.

"A minha mesa é sempre acolhedora, com os meus amigos. Pergunto a toda a gente que conheço quem é que está na cidade esta semana", diz ele, colocando o cartão com o seu nome entre Amber Heard e Willem Dafoe, uma sólida presença nas festas de Finch e seu amigo de longa data.

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Mas o que faz com que haja tanta procura por um convite para a festa de Finch durante o Festival de Cannes, como para as festanças pré-Bafta em Londres ou para a celebração [que organiza por altura] dos Óscares em Los Angeles? Serão as bandas Mariachi ao vivo que quase não deixam que consigamos ouvir-nos a falar? Será aquela vibração informal, que rapidamente faz com que haja pessoas a saltar para cima das mesas, outras rindo em grupo e, mais tarde, jovens estrelas baloiçando na icónica piscina os seus pés doridos por terem estado tanto tempo presos a sandálias? O segredo, diz Finch, está na combinação de tudo isso.

Foto: Getty Images

Idealmente, haverá sempre uma belíssima atriz francesa, bem como o peculiar mafioso e pessoas dos interesses frequentemente interconectados de Finch nos mundos do cinema, moda, gastronomia e fotografia – Julian Schnabel e Jerry Hall em conversas profundas sobre arte, o meu marido (o fotógrafo Don McCullin) a planear uma viagem ao Iémen com Evgeny Lebedev, que parece ser igualmente viciado em adrenalina, ou Rita Ora, memorável este ano, a saltar da sua cadeira para se virar para os Gipsy Kings, que estão a atuar ao vivo.

No entanto, Finch resistirá ao rótulo de organizador de festas "Gatsbiescas" [ao estilo de Jay Gatsby, protagonista do romance ‘O Grande Gatsby’, de F. Scott Fitzgerad], preferindo ser visto como um polímata: o produtor de filmes premiados, como Spider com Ralph Fiennes, e Ghost com Nick Broomfield, mas também o empreendedor que opera na área da estratégia de marcas e que foi o primeiro a ‘captar’ e promover o poder das recomendações das celebridades e da colocação de produto [estratégia de marketing indireto baseada na introdução natural de marcas, e seus produtos, em conteúdos de entretenimento, em vez de serem simplesmente exibidas em anúncios], sendo também o fundador da marca de roupa Chucs.

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Finch não é um festeiro nato; tal como ele próprio sublinha, não dança, gosta de se levantar cedo, bebe pouco – exceto quando organiza uma festa, altura em que bebe demasiado – e nunca fuma [exceto, uma vez mais, para acalmar o nervosismo pré-festa dos seus próprios eventos]. Também nunca ensaia os discursos que profere depois do jantar, que são habitualmente hilariantes e algo atrevidos. Mas ele possui uma grande dose do charme da velha guarda e consegue sempre sair ileso.

Podemos perdoá-lo pelos seus comentários intimistas acerca do nosso decote, porque entre velhos amigos sabemos que as suas intenções são inofensivas e delas emana um genuíno carinho. No fundo, estes eventos sumptuosos não diferem muito dos encontros espontâneos que ele costumava promover após o jantar, no bar do lobby do Du Cap, quando certa vez estoirou 63.000 libras numa semana.

Parafraseando Ralph Fiennes, outro ‘habitué’ das festas de Finch, o homem personifica a graça e charme do Velho Mundo, mas com a promessa de algo mais ousado. Não há nenhum outro evento desta indústria que combine de forma tão elegante a arte de socializar e beber.

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Por isso, irá sempre haver um martini Swimming Finch com uma azeitona e um toque de limão, e um inalterado menu do buffet com borrego assado, legumes à provençal, penne, e uma carta de gelados e tarte tatin supervisionados pelos empregados do restaurante du Cap que desempenham o seu ofício com um profissionalismo balético, razão mais do que suficiente para Finch pensar em continuar a realizar ali as suas festas.

Na qualidade de conector por excelência, ele adora as oportunidades que cada festa traz no que diz respeito ao desabrochar, à compatibilização ou à expulsão de pessoas. Quem é que expulsou nos últimos tempos? Ele é discreto – todos os seus hóspedes sabem como se comportar, diz. Há sempre um certo grau de decoro associado a qualquer convite para o Hôtel du Cap.

E o que dizer do incidente com Nick Broomfield? Aconteceu há cerca de 25 anos e nessa altura Broomfield e Finch – num trabalho para a [revista] Harpers & Queen, da qual eu era editora da seção de viagens – estiveram quase a ser expulsos devido à transgressão de Broomfield, que pendurou e deixou a secar os seus curtos calções e roupa interior lavada à mão na varanda cerimonial da Suite Real, ali à vista de toda a gente.

O férreo Jean-Claude Irondelle, que estava aos comandos do hotel antes de Philippe Perd entrar como diretor-geral para aligeirar o ambiente, terá provavelmente dito a Broomfield para não se comportar naquele local como se estivesse em casa, mas para Finch o Du Cap é ‘uma casa’, já que para ali vai desde a pré-adolescência, tendo a sua estreia sido pela porta grande, nos braços do seu pai, o ator Peter Finch, que estava a promover o seu filme Far from the Madding Crowd [Longe da Mulitdão].

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Mais tarde, o du Cap tornou-se o seu recreio de verão, quando a sua mãe, a atriz Yolande Turner, recém-divorciada e incapaz de se estabelecer na sua casa em Londres, onde Antonia Fraser e Harold Pinter eram moradores por usucapião, se mudou para Mougins – localidade próxima do hotel – e com o seu charme encantou os funcionários, que permitiam que a sua família usasse a cabana e a piscina.

Para Charles, o Hôtel du Cap sempre foi sinónimo de porto seguro, numa vida itinerante que o fez passar pela Jamaica, Escócia (onde) foi delegado de turma na alma mater do príncipe Filipe [duque de Edimburgo], na Gordonstoun), Nova Iorque, Paris, Los Angeles e Roma.

Finch, tal como eu, conseguiu escapar no verão passado com a sua filha para o Hôtel du Cap, para as suas férias anuais, por entre confinamentos. Encontrámo-nos junto ao pontão flutuante.

Foto: Getty Images
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"Sinto-me sempre encantado por voltar", diz-me. "Aqui respira-se um oxigénio diferente. É o prazer do mar e dos detalhes imutáveis e intemporais; os lençóis engomados, o toque de limão no martini, e a simplicidade da década de 1930 nas cabanas de madeira; o Bife Diane flamejado em conhaque em frente à tua mesa no Eden Roc Grill – que mau terem retirado isso do menu este ano".

Enquanto prova viva de que viver bem é a melhor vingança, Finch passeia-se com um sentido de posse pelo jardim da cozinha, nos seus calções Chuc feitos à medida e um Rolex Daytona vintage que só tira do pulso para o seu mergulho diário, apontando para os ingredientes que mais tarde vão constar da sua salada ao almoço na sua cabana de praia.

É como que um regresso à era dourada da Riviera, quando hóspedes como Orson Welles se instalavam durante uma temporada, transformando a sua cabana num escritório central e espalhando charme por onde agora Charles o faz, pedindo um pouco mais de vinho Whispering Angel num francês com pronúncia imaculada.

Finch gosta de citar o seu mentor Jimmy Goldsmith, que disse que é claro que podemos fazer o nosso trabalho na tranquilidade de um escritório na cidade, mas que os melhores negócios são feitos onde haja uma praia, um court de ténis e um bom restaurante.

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"Estes são prazeres que nunca tomo como garantidos. Desfruto deles enquanto posso. Não estou tão repleto de luxos que não corra riscos. Continuarei a desfrutar do Du Cap, pela sua desconexão com o século atribulado em que estamos a viver, enquanto puder permitir-me fazê-lo".

Catherine Fairweather/The Telegraph/Atlântico Press

Tradução: Carla Pedro

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