O percurso musical de Mark Lanegan confunde-se com grande parte da história do rock alternativo americano das últimas três décadas e querer resumi-lo, na hora do seu desaparecimento, a mera figura (mais ou menos) secundária do Grunge é a maior injustiça que lhe poderia ser feita. É caso para dizer que o rock lhe salvou a vida.
Depois de ter estado preso durante um ano, por crimes relacionados com droga, foi num curso de prevenção para a toxicodependência que Mark Lanegam conheceu Van Conner, o baixista com quem viria a formar os Screaming Trees. E foi enquanto líder desta banda, na viragem das décadas de 80 para 90, que se tornou num dos protagonistas do renascimento do rock, por via do grunge. Histórias recordadas no livro de memórias Sing Backwards And Weep, editado há pouco mais de um ano e dedicado a este período, que o próprio classificou como "muito sombrios", aquando da última passagem por Portugal, em outubro de 2019, ao recordar a morte dos amigos Kurt Cobain (dos Nirvana) e Layne Staley (dos Alice in Chains), das quais, confessou, "nunca recuperou totalmente".
"Foram anos muito negros para mim, durante os quais fiz muitas coisas de que não me orgulho", assumiu, recordando os tempos de toxicodependência e criminalidade, quando chegou a viver na rua, como sem-abrigo. Seria Courtney Love, a viúva do velho amigo Kurt Cobain, de quem era "uma espécie de irmão mais velho", a levá-lo para uma clínica de reabilitação, que lhe permitiu "renascer" enquanto pessoa e artista. "Perdi dois dos meus melhores amigos nessa altura, o Kurt Cobain e o Layne Staley, que eram das pessoas mais talentosas que alguma vez conheci. Ao contrário de mim, eles não sobreviveram e foi por isso que tentei ser o mais honesto possível no livro, porque apesar do sucesso, foram tempos muito duros. Foi um amigo que me convenceu a fazê-lo e não me arrependo, mas nunca mais quero lá voltar", contou.
Além dos Screaming Trees, que o elevaram ao estatuto de figura tutelar do grunge, fez parte dos Mad Season e dos Queen of the Stone Age, colaborou com nomes como Twilight Singers, Mondo Generator ou Moby e assinou ainda diversos álbuns em conjunto com Isobel Campell (antiga vocalista dos Belle and Sebastian) e Greg Dulli, dos The Afghan Whigs, com quem formou a dupla The Gutter Twins. Foi no entanto a solo que a sua voz rouca de barítono, mais sobressaiu, através de uma extensa (e bastante variada) discografia em nome próprio, que lhe valeu a comparação a mestres como Tom Waits ou Leonard Cohen.
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O último capítulo da profícua carreira a solo foi Straight Songs of Sorrow, um disco editado em 2020 e ainda influenciado pela escrita das dolorosas memórias. Faleceu esta semana, aos 57 anos, de causa desconhecida. Houve quem escrevesse que o seu desaparecimento marcava o fim de uma era, muito embora Mark Lanegan nunca tenha vivido de glórias passadas. E, na hora da partida, talvez seja esse o maior elogio que lhe possa ser feito, o modo como sempre se soube reinventar, sem nunca deixar de ser quem foi. E, agora, tal como Kurt ou Stanley, também Mark se tornou imortal.