Francis Truss previu inconscientemente como a carreira política da sua irmã iria terminar ao recordar o comportamento dela quando jogavam Monopólio, na sua infância passada em Leeds. "Ela tinha de ganhar. Ela criava um sistema especial para ganhar e quando estava a perder, preferia desaparecer em vez de perder."
Quando Liz Truss lançou os dados sobre a economia britânica e obteve uma caríssima Bond Street no mês passado, despediu o seu chanceler e retirou-se de cena, deixando os outros a fazerem os cálculos da hipoteca sozinhos.
"Sou uma lutadora, não uma desistente", afirmou, quando lhe foi pedido que reaparecesse após o mais breve pedido de desculpas por uma experiência económica falhada que deixará, seguramente, marcas no Partido Conservador ao longo das próximas décadas.
Há seis semanas, parecia que Truss tinha tudo para vencer, depois de chegar ao nº 10 como a terceira primeira-ministra mulher, com uma maioria superior a 70.
Reavaliando a sua carreira à luz da sua espetacular queda, porém, é visível que sempre houve mais promessas do que resultados, mais forma do que conteúdo, e uma forte tendência para evitar admitir a derrota.
O seu passado como ativista Liberal Democrata é bastante conhecido, em parte devido à sua intervenção numa conferência do partido a propósito da abolição da monarquia quando era estudante. Foi repreendida por esta manobra para chamar a atenção, mas isso ajudou-a a criar um padrão diferente.
A sua conversão ao Conservadorismo deu-se quando, depois de se ter licenciado em filosofia, política e economia na Universidade de Oxford em 1996, conseguiu o seu primeiro emprego na Shell e mais tarde na Cable & Wireless. A sua primeira tentativa de candidatura a um assento político, por Hemworth em 2001, foi suficiente para convencer o partido a oferecer-lhe a possibilidade de vitória por uma via mais fácil, Calder Valley, em 2005, mas ela não o conseguiu.
David Cameron pô-la na sua Lista A de candidatos como parte dos seus esforços para fazer com que o partido refletisse melhor o eleitorado em geral.
Mulher do norte com uma formação académica abrangente, Truss debateu-se inicialmente para ser escolhida. As revelações de uma ligação extraconjugal com Mark Field, um membro do parlamento encarregado pelo partido de orientá-la, não a ajudaram na sua demanda por uma posição segura.
No entanto, ela prevaleceu, convencendo o eleitorado de South West Norfolk de que o seu fracasso em assumir o romance quando fora escolhida não contradizia a sua boa-fé, sendo antes um erro que ela pensara pertencer ao seu passado privado.
Ultrapassado esse percalço, fez progressos rápidos ao longo dos cinco anos seguintes. Apesar do, ou talvez devido ao, seu passado Liberal Democrata, Truss estabeleceu-se rapidamente à direita do partido. Juntamente com nomes como Kwasi Kwarteng e Dominic Raab, defendia uma versão de livre iniciativa e com baixa tributação do Conservadorismo.
Pode ter sido genuíno — afinal, ela fora vice-diretora da Reform, um grupo de reflexão com inclinações para a direita – mas foi um posicionamento inteligente: ela conseguiu ver que, depois de partilhar o poder com os Liberais Democratas, o seu partido ansiaria por pureza.
Truss soube ver que haveria mercado para os Tories que mantivessem alguns aspetos da modernização de Cameron — ela apoiou constantemente o casamento homossexual e reconheceu as alterações climáticas como um facto —, afastando-se simultaneamente do seu legado económico Thatcheriano.
Foi coautora de um livro com alguns dos seus colegas corsários libertaristas, chamado After the Coalition, e de outro, Britannia Unchained, onde fez a infame afirmação que os trabalhadores do Reino Unido eram "os piores ociosos do mundo".
Depois de dois anos como membro do parlamento, Cameron deu-lhe o cargo de ministra júnior no departamento da educação de Michael Gove. Foi o início de uma inimizade amarga entre Truss e Gove. Ela viu frustrada a sua tentativa de aumentar os rácios de pessoal permitidos e, desta forma, tornar os cuidados infantis menos dispendiosos. Dominic Cummings, companheiro de Gove, chamou-lhe "granada humana".
Em 2014, juntou-se ao governo como secretária do ambiente. Permaneceu em funções até sair do nº 10. Foi um recorde extraordinário e prova da sua capacidade de navegar nos vagalhões da política Tory. Truss até conseguiu emergir do Brexit praticamente incólume depois de ter apoiado o lado que foi derrotado. Uma boa rede de aliados fiéis e apoiantes na imprensa ajudaram-na a alimentar a reputação de estrela em ascensão e jogadora astuta.
Em 2016, Truss foi nomeada a primeira mulher Lord Chanceler nos mil anos de existência do cargo, mas a novidade esgotou-se depressa quando a crise das penitenciárias rebentou e ela ficou sob pressão por não ter conseguido defender a autonomia do poder judiciário. Quando o Daily Mail publicou que os juízes que governavam naquele parlamento deveriam votar no Brexit como "inimigos do povo", Truss desapareceu.
Depois de perder a sua maioria na câmara dos comuns, Theresa May despromoveu-a – pondo-a sob a alçada de Philip Hammond como secretária de estado do Tesouro. Enquanto secretária da justiça, ela chefiou um departamento complexo, encarregado de prestar um serviço público. Não deixou um legado notável. Aqueles que a conhecem intimamente dizem que esta inversão a levou a recalibrar o seu ponto de vista. À semelhança das pessoas que se encontram às portas da morte, Truss estava determinada a correr mais riscos e a gozar o passeio.
Deixada à margem de decisões importantes por Hammond e o seu secretário permanente, Tom Scholar, que demitiu no primeiro dia em que mandou no nº 10, Truss preferiu trabalhar na sua imagem. Estudante aplicada de política norte-americana, reconheceu o poder das redes sociais à base de imagem, como o Instagram, para criar uma marca política.
Considerava-se porta-voz de uma geração de eleitores que valorizavam a liberdade pessoal e não tinham sido afetados por manias coletivistas. Num artigo recentemente publicado no New Statesman, Jeremy Cliffe repescou as ligações profundas e duradouras a partidários libertaristas de ambos os lados do Atlântico, salientando um discurso que ela fizera no Cato Institute em 2018, louvando os "defensores da liberdade que andam de Uber, usam o Airbnb e encomendam comida pelo Deliveroo".
Quando May foi expulsa do partido um ano mais tarde, Truss pensou concorrer, mas em vez disso preferiu ir atrás de Boris Johnson na esperança de este lhe dar o lugar de chanceler. Ele nomeou-a secretária do comércio internacional.
Tal como antes, deu o seu melhor num trabalho que lhe era indiferente, promovendo agressivamente uma "Grã-Bretanha global" (e a si própria) a cada negócio fechado, por mais rotineiro ou inconsequente fosse para a economia britânica em geral. Truss adaptou-se rapidamente a uma cultura política que considerava o "boosterismo" um elogio.
Com as costas contra a parede após o desastre de Owen Paterson, Johnson substituiu Raab por Truss no Ministério dos negócios Estrangeiros, como peça central de um processo de "reinicialização".
Finalmente, ela recebia o cargo importante que achava merecer. A invasão da Ucrânia pela Rússia quatro meses mais tarde, tornou-o ainda mais relevante, pois o Reino Unido e Johnson emergiram como os mais acérrimos apoiantes de Kiev. Com Johnson agarrando-se à Ucrânia como a sua última esperança de reprimir membros do parlamento determinados a livrarem-se dele, Truss ficou fora de cena. O seu contributo mais memorável foi encorajar os cidadãos do Reino Unido a lutarem no conflito — um passo em falso que teve de corrigir mais tarde.
Jogadora inteligente, Truss não criticou Johnson, deixando a cargo de outros — sobretudo Rishi Sunak — criar a vaga que ela ansiava preencher. Com um forte apoio da imprensa afastou outros candidatos e tornou-se a escolha certa dos Tories para deter Sunak.
A dinâmica da corrida à liderança correu a seu favor no curto prazo, mas veio também a ser a sua desgraça. A mensagem de Sunak de conservadorismo fiscal e "dinheiro sólido" soou como um derrotismo sombrio a um partido condicionado por Johnson a esperar uma terra repleta de benefícios do Brexit. Ela ficou colada à sua promessa de cortes fiscais imediatos.
Um político melhor e mais sábio, tendo conquistado uma base de apoio sob falsos pretextos, poderia ter-se virado para o eleitorado, como Sir Keir Starmer fez ao rasgar a agenda de Jeremy Corbyn depois de prometer dar seguimento ao legado do seu predecessor.
Mas Truss acreditava na sua própria retórica. Acreditava que, como o seu irmão dissera, tinha um "sistema especial". Incentivada pelos seus apoiantes da direita libertarista, implementou um orçamento com cortes fiscais que, no seu entender, faria disparar os motores do crescimento do Reino Unido e impulsionaria os Tories rumo a outra vitória eleitoral numa enchente de dinheiro emprestado.
Em vez disso, a mulher que "tinha de ganhar" deixa o governo como a primeira-ministra com o mandato mais curto da Grã-Bretanha, com o seu projeto e reputação em ruínas. Game over.
Francis Elliot/The Times/Atlântico Press
Tradução: Érica Cunha Alves
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