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Ladies first: gosta que a mulher dê o primeiro passo?

“O menino dança? Posso ir buscá-lo às 20h?” Na era do empoderamento feminino, o jogo da sedução recebeu uma atualização de software. Elas fazem as perguntas, dão as respostas e ainda escolhem o vinho – e eles, o que sentem? Entre a instalação do Bumble e os insights da psicologia, descobrimos que nem tudo é o que parece.

Foto: IMDb
05 de novembro de 2019 | Patrícia Domingues
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Uma comunidade de abelhas rainhas onde todos trabalham em conjunto. Se a descrição já é estranha o suficiente para estar relacionada com algo que não seja a apicultura, imagine ser a ideia por detrás de uma aplicação de dating. Não uma qualquer: o Bumble, a aplicação de encontros de crescimento mais rápido dos EUA. Sabemos o que está a pensar, se já existia o bom e velho Tinder, o que tornou o Bumble tão especial? Com mais de 40 milhões de utilizadores registados, o Bumble é uma app na qual o controlo está nas mãos das mulheres. São elas que dão o primeiro passo na conversa com os possíveis matchs. "Sempre me agradou a ideia de ter o contacto de um tipo sem que ele tivesse o meu. E se forem as mulheres a dar o primeiro passo, a enviar a primeira mensagem? Se não o fizerem, o match desaparece ao fim de 24 horas, como a abóbora transformada em coche na história da Cinderela. Podia ser algo como nos bailes de antigamente, em que os homens convidavam as mulheres para dançar, mas ao contrário. Aqui, quem toma a iniciativa é a mulher. Será que conseguimos aplicar este conceito a um produto?", questionava a fundadora Whitney Wolfe Herd (que, só por acaso, foi co-fundadora e vice-presidente da área de marketing no Tinder) enquanto falava sobre a ideia do Bumble numa entrevista à revista Forbes. A resposta não tardou a surgir: a aplicação foi lançada em dezembro de 2014 e ultrapassou os 100 mil downloads logo no primeiro mês. Todos pareciam preparados para mudar as regras do jogo – ou estaríamos só sedentos por mais um espaço de sedução [mais tarde a app introduziu as versões BFF e Negócios, ao estilo "sê o CEO com que os teus pais gostariam que casasses"] na ponta dos dedos?  

Não conhecia o Bumble até há um mês atrás. Ou melhor, conhecer conhecia, não vivo numa gruta, mas nunca tinha instalado, criado um perfil, escolhido uma fotografia, introduzido o meu signo, profissão, respondido a perguntas como se prefiro uma discoteca ou a Netflix, um filme imperdível ou qual o meu convidado ideal para jantar. Para ser honesta, isto também não é 100% verdade: nas últimas semanas, instalei e desinstalei o Bumble três vezes, já depois de ter feito uns quantos swept right e left e de ter ficado com uma lista composta de matchs à espera que desse o primeiro passo. "Tens 24 horas para iniciar uma conversa antes que a ligação desapareça para sempre." E puff, todos voltaram a ser abóbora. Porque me é tão difícil tomar a iniciativa? Será porque simplesmente não estou habituada depois de oito anos afastada de qualquer tipo de flirt com desconhecidos ou porque a minha cabeça está cheia de ideias preconcebidas sobre sedução ouvidas nos últimos 30 anos, das quais o ‘mistério’ e o ‘fazer de difícil’ eram características chave para ser bem-sucedida nesta arte? Em nada me considero tradicional, defendo acerrimamente as ideias feministas e, no entanto, não sei funcionar com uma app que me diz para tomar as rédeas e aceitar o meu próprio poder. Aquilo que é a grande vantagem do Bumble na sua grandiosa missão de tornar o futuro mais igualitário é a maior desvantagem para mim. Fiquei furiosa comigo mesma. Senti-me uma fraude. E depois pensei: estarão todos estes homens encapsulados em círculos amarelos com um alerta de validade no meu perfil a sentir o mesmo que eu? Então, ontem à noite, fiz o que sei fazer de melhor: transformei a minha conta do Bumble numa experiência de trabalho e entrevistei – muitas vezes de forma clara, outras mais sorrateira – todos os homens que queriam ir beber um copo comigo. Não foi o primeiro passo por que estavam à espera, mas bom... é algum ’andamento’.  

Para minha grande surpresa, todos os meus ‘ratinhos de laboratório’ online estavam bastante confortáveis com o principal feature da aplicação. "Se um homem estiver interessado ele não quer saber quem deu o primeiro passo", resume bem o estilo de respostas como se fosse um ’não assunto’. A sério? Seria eu o único avatar desconfortável naquele mundo de amor à distância de uma tela? É para momentos como estes que serve o Google – e não foi preciso muito para perceber que era bem provável que os meus matchs estivessem a ser – surpreendentemente (pelo que li, parece que cerca de 80% mente sobre as suas características online) – sinceros. Em 2011, um estudo desenvolvido pelo psicólogo da Loyola Marymount University, em Los Angeles, Michael Mills, juntou 87 heterossexuais e descobriu que existem mais homens que preferem ser convidados a sair do que mulheres a querer fazer o primeiro contacto – portanto não é como se eles odiassem. Além disso, alguém quererá sair com o tipo de homem que ainda fica intimidado quando uma mulher se chega à frente? Mais: Mairead Molloy, psicóloga de relações e diretora da agência de encontros Berkeley International, jura a pés juntos que, apesar de os homens gostarem de estar no comando, também adoram quando uma mulher toma a iniciativa (um "big turn on", foi assim que descreveu) porque mostra que ela tem confiança (qualidade bastante apreciada pelos vistos). Já as mulheres, diz Molloy, ainda estão secretamente à espera de valores mais tradicionais e querem que o homem mostre a sua assertividade (então meninas?). O que não as (nos) impede de ter uma atitude sempre que do outro lado não vemos nada a acontecer: a cientista Helen Fisher, autora de Anatomy Of Love: A Natural History Of Mating, Marriage And Why We Stray,analisou estatísticas de dating online de mais de 25 mil pessoas e os números não mentem: em 2012, 65% dos homens confirmava já ter sido abordado por uma mulher e 92% desses mesmos homens sentia-se confortável com a situação. Já não seria preciso procurar muito mais para saber que eu era uma espécie rara (e cheia de preconceitos que desconhecia até instalar a app). E como a minha ira comigo mesma continuava em fase de crescimento achei que abrir mais umas tabs não faria mal a ninguém. Não preciso dizer o que encontrei. Sarah Hunter Murray, uma terapeuta de relações e autora do livro Not Always in the Mood: The New Science of Men, Sex and Relationshipsconta que um dos dados mais claros da sua pesquisa (que envolveu cerca de 200 homens com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos) é que eles querem sentir-se desejados – e isso inclui, claro, uma investida feminina. "É surpreendente porque vai contra a sabedoria convencional", diz. "Estamos tão habituados a ver os corpos das mulheres como sendo o objeto de desejo. Mas os homens disseram-me mesmo o quão importante era para eles sentirem que essas regras são revertidas por vezes. Queriam que elas os elogiassem, flirtassem, seduzissem e iniciassem as relações sexuais." "É sexy quando alguém mostra interesse em ti", diz-me um dos meus ‘entrevistados’ via Bumble, todos os meus amigos e até os homens que vejo no Quora a discutir o tópico "deve uma mulher dar o primeiro passo?". Estarei maluca? Desde quando é que vivemos neste mundo encantado de igualdade de género e ninguém me avisou? 

Lembro-me de ter uma melhor amiga no liceu que era conhecida por dar o primeiro passo em relação aos rapazes. Só que na altura ninguém se referia a ela como uma ‘mulher empoderada’ ou ‘confiante’, mas sim como uma ‘oferecida’. No livro de 1995, The Rules, as autoras Ellen Fein e Sherrie Schneider defendem que "as mulheres que se fazem de difíceis, deliberadamente ou por acidente, são as que conseguem os homens, enquanto as mulheres que convidam os homens para sair ou estão demasiado disponíveis são as que são deixadas". A história é clara: no que ao romance diz respeito (e em quase tudo, na verdade) a batata esteve sempre do lado dos homens. Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica, explica: "Do ponto de vista evolutivo, homens e mulheres, enfrentaram diferentes oportunidades e restrições reprodutivas. Sendo atribuído à mulher o desígnio de gerar vida, esse tornou-se durante décadas no seu papel principal por excelência. Por questões culturais, cabia ao homem selecionar uma mulher para constituir família o que se revelava uma grande honra. Nessa seleção, a reputação feminina era um fator tido em consideração de acordo com as regras sociais e culturais de cada era. Assim, historicamente as mulheres foram convidadas a tornar-se recatadas, sem comportamentos explícitos de sedução que pudessem comprometer a sua honra e conduta, bem como a honra das suas famílias de origem". Ainda existem muitas ideias pré-concebidas na sociedade portuguesa em torno dos papéis da mulher e do homem e o dating não escapa à regra. Ainda assim, confirma, "os paradigmas de género têm-se alterado de forma significativa. A mulher, mais do que nunca, tem assumido papéis que até há pouco tempo lhe eram vedados e se desvinculado de outros nos quais o seu valor enquanto pessoa pareciam assentar. Diria que uma aplicação como o Bumble surge como consequência da proliferação de uma mulher autónoma e independente, fiel a si mesma e aos seus valores, mais do que refém de papéis tradicionalmente associados. Uma mulher que corre atrás do que quer, que luta pelos seus sonhos e que defende os seus direitos".  

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As mulheres estão a dar todo o tipo de primeiros passos, dentro e fora do Bumble – mas isso não significa que a caminhada seja confortável. O mesmo é válido para os homens. "Sabemos bem que tudo o que é diferente, novo ou desafia tradições primeiro estranha-se e combate-se, até ser melhor pesquisado e compreendido", explica a psicóloga. Mas também, vamos ser realistas, quando é que isto da sedução não nos provocou um frio na barriga? O medo da rejeição está sempre lá a lembrar-nos que o ‘não’ é garantido. "Seduzir traduz-se no ato de dar a conhecer o melhor de nós com vista a conquistar o outro", resume Filipa, e se o outro não gostar do nosso melhor, é a pergunta que surge na maioria das nossas cabeças logo de seguida. E depois ainda se juntam todos as crenças associadas aos papéis de homem e mulher e as ideias pré-concebidas sobre demonstrar interesse numa outra pessoa à festa. Se uma mulher considerar desadequado ou até promíscuo abordar diretamente alguém em quem tenha interesse, exemplifica Filipa, essas ideias enraizadas tenderão a prevalecer, levando-a a evitar esse comportamento ou a criticar-se se o adotar. Com tantos artigos online com dicas e regras sobre flirt, por onde nos devemos guiar? Não precisa de wi-fi para saber a resposta, ela está logo aqui: "É importante que qualquer pessoa, seja mulher ou homem, aprenda ao longo da sua vida, a comportar-se de forma alinhada consigo mesmo e com os seus princípios e com aquilo que valoriza, mais do que com aquilo que será supostamente apreciado pelos outros", diz a psicóloga, até porque seja qual for o nosso comportamento, "poderá sempre passar-se uma ideia diferente da intenção inicial, porque existirão tantas leituras interpretativas quanto pessoas, cada uma com a sua lente calibrada à luz das suas crenças e valores". É uma aposta de 50/50: uma mulher poderá tomar a iniciativa junto de alguém que lhe interesse e ser julgada por ser demasiado ‘atrevida’. Mas também poderá não o fazer e ser interpretada como snob e ‘convencida’. 

"O mais importante é conhecermo-nos e guiarmo-nos por aquilo que se enquadra no nosso perfil individual, sendo fiéis a nós mesmos, mais do que nos preocuparmos em demasia com a imagem projetada e com aquilo que os outros irão achar." É tudo sobre confiança (e algum instinto). Na sedução, tal como em tudo, não existem regras absolutas: "Diria que deve dar o primeiro passo aquele que se disponibilizar a isso num determinado momento, o que sentir confiança e segurança suficientes para ter iniciativa, aquele que acreditar que vale a pena o risco para poder conhecer uma determinada pessoa", resume a especialista. 

Quer a resposta do outro lado do ecrã ou de um balcão de um bar seja sim ou não, quando tento pesar na balança dar o primeiro passo compensa, porque nos injeta com aquela adrenalina de fazer uma coisa pela primeira vez, de arriscar, de - qualquer que seja o resultado – sabermos que a pessoa que temos de seduzir em primeiro lugar somos nós. E depois, claro, quando o feedback é positivo, é como o topping de cobertura de chocolate extra. O que não faltam são histórias que, como nos filmes, nos mostram que as coisas podem tornar-se efetivamente saborosas (e em alguma delas interessa realmente quem deu o primeiro passo?). É o caso de Beatriz e André. Estávamos em 2013, ela tinha acabado de sair de uma relação longa e depois de alguns meses da habitual fossa, começou a reparar no colega de trabalho. "Mandei-lhe uma mensagem pelo Facebook a perguntar se queria jantar e ele disse que sim. Respondi-lhe que jantávamos na casa dele e que dormia lá também. Desde aí que estamos juntos." Ele sempre quis casar, ela não e por isso "ele nunca me iria pedir porque é todo cauteloso". Assim, em novembro de 2017, Beatriz deu o segundo passo. "Ele é fanático pelo Sporting e pensei fazer um vídeo em que algum jogador fizesse parte do pedido. Falei com uma amiga que conhecia um jogador do Belenenses para ver se ele conhecia algum do Sporting. Ele conseguiu três e eu o Jorge Jesus. Em novembro fomos viajar para a Holanda, dia 22 vimos o jogo da Champions, onde o Sporting participava, e depois de terminar perguntei-lhe se tinha visto o vídeo com ’os melhores momentos do Sporting na competição’. Não sei porquê de repente fiquei super nervosa". Surpresa: o vídeo, que começa com uma espécie de montagem sobre os jogadores e a sua força de vontade, termina com o pedido de casamento feito por três rostos conhecidos dos verdes e o antigo mister a fazer a questão. "Ele teve de ver o vídeo duas vezes para perceber o que era. Só me perguntava ‘o que é isto?’ Depois lá lhe caiu a ficha. Não lhe ofereci nenhum anel, mas um relógio com uma gravação. Ah, e ele disse que sim, claro." Um mês depois, perto da altura do Natal, André e a cadela dos dois voltaram do habitual passeio da rua com um saquinho cor-de-rosa pendurado na coleira dela. "Queres casar com o meu dono?" À espera de bebé, Beatriz diz que desde o primeiro dia tudo aconteceu de forma muito natural. Quando estiver horas a olhar para o ecrã do Bumble sem saber como começar uma conversa, lembre-se desta história. Os finais felizes acontecem – e para isso só precisam de um início.  

 

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