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José Neves e a Farfetch: de bestiais a bestas

Fundador do primeiro "unicórnio" português abandona o cargo de presidente executivo da plataforma online de venda de roupa de acessórios de luxo. Quem é este homem que conseguiu o que nenhum outro português conseguiu e vê agora o seu trabalho cair por terra?

Foto: Reuters
16 de fevereiro de 2024 | Madalena Haderer
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Balenciaga, Burberry, Dolce & Gabbana, Gucci, Prada, Yves Saint Laurent, Versace. Eis algumas das centenas de marcas de luxo à venda na Farfetch. A empresa portuguesa é uma plataforma de comércio online para roupa e acessórios de luxo, e presta serviços a boutiques deste segmento, ligando as marcas aos seus clientes no processo logístico da compra e entrega. Tem saldos apetecíveis – com descontos que chegam aos 60% – e um canal de venda de artigos em segunda-mão – há por lá umas quantas Birkin, a mala mais famosa e desejada da Hermès.

O mercado do luxo é famoso pela sua resistência. Afinal, até durante Segunda Guerra Mundial as mulheres não passavam sem os seus batons vermelhos e as suas meias de seda. E, de facto, a pandemia – crise mais recente a virar o mundo das avessas – foi positiva para a Farfetch, com centenas de milhões de pessoas fechadas em casa, sem poderem gastar dinheiro nas lojas tradicionais. Razão pela qual os rumores de que a empresa conhecida como o primeiro "unicórnio" português (nome que designa empresas emergentes com valor acima de mil milhões) estaria em maus lençóis foram acolhidos com espanto.

Foto: Getty Images

Certo é que no final de 2023 a Farfetch foi comprada pelo grupo sul-coreano Coupang – uma espécie de Amazon – que lhe forneceu um empréstimo de 500 milhões de dólares a ser pago com o capital da empresa, o que deixa os accionistas – muitos deles funcionário da empresa – com os títulos a valer zero, o que, de resto, aconteceria de qualquer forma se a empresa entrasse em insolvência, cenário que pareceu bastante provável durante uns tempos.

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José Neves, o empresário português que fundou a Farfetch em 2008, demitiu-se hoje do cargo de presidente executivo da empresa. Os despedimentos começam amanhã, 17 de fevereiro. De acordo com uma nota interna da empresa, e que a publicação Business of Fashion divulgou, "um grupo de outros executivos da Farfetch também sairá, incluindo o diretor financeiro da empresa, o diretor de produtos, o diretor de plataforma e o diretor de operações. Enquanto isso, o diretor executivo da Coupang, Bom Kim, e uma equipa de executivos remanescentes da Farfetch vão liderar a empresa. Mais demissões em toda a Farfetch são iminentes".

Quem é, afinal, este homem que em escassos 14 anos fez a sua empresa subir aos píncaros apenas para evitar, à tangente, que ela se estatelasse? Conheça alguns dos altos e baixos da vida de José Neves.

Fevereiro de 2024

José Neves demite-se do cargo de presidente executivo da Farfetch, mas mantém-se como consultor.

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Foto: Reuters

Dezembro de 2023

A Farfetch é comprada pelo grupo sul-coreano Coupang, uma espécie de Amazon, através de um resgate de 500 milhões de dólares. José Neves chegou a ser o segundo homem mais rico de Portugal e este é o princípio de fim do seu percurso na empresa. Depois de conhecido o acordo de compra, Neves pediu desculpa aos trabalhadores pelo desfecho que significa perdas para todos quantos tinham dinheiro investido na empresa. De resto, era prática da Farfetch pagar prémios de desempenho sob forma de títulos convertíveis em ações. Quem não converteu ou não vendeu as ações a tempo, perdeu o prémio de desempenho. Ainda assim, os cerca de 2000 trabalhadores que a Farfetch tinha em Portugal no final de 2023 ficam aliviados por o resgate impedir o fecho imediato.

Junho de 2023

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No primeiro semestre, a empresa apresenta prejuízos no valor de 281.34 milhões de dólares. Com uma dívida de 1,6 mil milhões de dólares, a vencer entre 2027 e 2030, e sem apoio de parceiros para investir ou emprestar dinheiro à Farfetch, o cerco começou a apertar-se sobre José Neves.

2022

Surgem os primeiros sinais de que a empresa já tinha tido melhores dias. Numa entrevista ao jornal digital Eco, José Neves refere a "procura menos acentuada, a decisão de terminar as operações na Rússia [na sequência da invasão da Ucrânia] – um mercado muito grande para a Farfetch – e também o abrandamento na China" como algo que levará à "redução de equipas".

Setembro de 2018

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A Farfetch entra em bolsa, algo que José Neves indicou, em entrevista à Must, como "algo que nos deve deixar a todos orgulhosos".

Julho de 2015

Na quinta ronda de investimento que capta, a Farfetch torna-se a primeira empresa portuguesa a obter uma avaliação superior a mil milhões de dólares. Foi o ano do "unicórnio".

Foto: Reuters
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2010 

Os primeiros dois anos da Farfetch foram difícieis, mas a partir de 2010 José Neves conquista as suas primeiras rondas de financiamento – até aí tinha avançado com capitais próprios –, o que acelerou o crescimento da empresa.

2008

José Neves cria a Farfetch. Uma ideia que lhe surgiu durante a Paris Fashion Week de 2007. Nas suas palavras, conforme explicou à revista Visão em 2016, o objetivo era "criar uma plataforma que ajudaria as pequenas e médias empresas a terem acesso a esse mercado global, um negócio que teria alguma margem de defesa e de manobra relativamente à concorrência dos grandes gigantes mundiais do e-commerce".

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1993

Foi neste ano, aos 19 anos, que fundou a sua primeira empresa tecnológica, a Grey Matter. "Era uma loja onde criava software para empresas e, sendo do norte de Portugal e com um historial de família ligado ao calçado, as empresas de moda dessa área bastante cedo se tornaram nas minhas principais clientes", conta na apresentação da empresa aquando do IPO na bolsa de Nova Iorque.

1982

Começa a programar aos oito anos, quando os pais lhe oferecem um computador ZX Spectrum.

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1974

Nasce no Porto, onde viverá com o pai, diretor de marketing de uma farmacêutica e com a mãe, autora de manuais escolares de matemática.

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