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Isto Lembra-me Uma História: Vamos todos ao Fyre Festival

Ele está de volta: Billy McFarland, o lendário con artist que em 2017 enganou milhares de milionários prometendo-lhes um festival de luxo e dando-lhes, afinal, sandes de queijo, saiu da prisão e anunciou que para o ano há mais. E já não há bilhetes.

Foto: Getty Images
28 de agosto de 2023 | Diogo Xavier
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Diz o adágio popular que à primeira caem todos e que à segunda só cai quem quer. Aparentemente, há muito mais gente a querer cair do que seria de supor. A história é simples, demasiado simples, mas comporta em si a complexidade fascinante da mente humana, um prodígio cósmico capaz de desejos tão surpreendentes como o de dar uma segunda oportunidade a Billy McFarland.

Vamos começar pelo presente: foi notícia na última semana o anúncio de que teriam sido postos à venda os bilhetes para o Fyre Festival 2. E foi também notícia logo a seguir que os bilhetes postos à venda já tinham esgotado. Tudo aconteceu em pouquíssimos dias. E é aqui que o fascínio da mente humana merece todo o sublinhado, porque pessoas muito endinheiradas acorreram à chamada de McFarland que disse simplesmente o seguinte: os bilhetes estão à venda. Vale a pena lembrar que McFarland saiu da prisão há pouco tempo, depois de ter cumprido 4 dos 6 anos a que foi condenado por fraude, mas já lá vamos. 

Acerca do festival propriamente dito, tudo o que se sabe é que, em princípio, talvez aconteça em 2024 e, se o destino o permitir, há de ser numa ilha das Caraíbas, mas nada está ainda confirmado. A única informação acerca do Fyre Festival 2 que é oficial é a seguinte: os bilhetes custam entre 500 e 8 mil dólares. Ou custavam. Olhando para a procura e para a maneira como os ingressos voaram, essa parece ser a única informação que importa. Não há alinhamento, não há cartaz, no fundo não há nada que se saiba acerca do festival, a não ser que esta é a segunda edição do Fyre Festival. E agora há fila de espera para a segunda fase da venda de entradas.

Foto: Reuters
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Uma coisa que os compradores dos bilhetes talvez não tenham presente, e que podia eventualmente servir-lhes de referência, é o Fyre Festival original, aquele que esteve para acontecer em 2017. E essa é uma história que vale a pena recordar. Billy McFarland e o rapper Ja Rule juntaram-se para lançar uma aplicação de agenciamento de artistas musicais chamada Fyre. Para dar notoriedade à tal app, decidiram organizar um luxuoso festival, com um alinhamento também ele luxuoso, numa ilha paradisíaca chamada Norman’s Cay. Na promoção do festival, que contou com o empenho de celebridades como Kendall Jenner, Emily Ratajkowski ou Bella Hadid, entre outras influencers contemporâneas, era anunciado que os festivaleiros seriam instalados em aposentos de luxo, haveria catering do mais sofisticado com pratos confeccionados por chefs internacionais de renome. No evento, não haveria dinheiro, mas sim fichas da Fyre que dariam acesso a todos os bens e serviços.

A megalomania do projeto era de tal ordem que McFarland pretendia que o festival acontecesse em dois fins de semana, uma em abril, outro em maio de 2017. Só que o planeamento estava a ser feito já no final de 2016. E entrando em 2017 houve a primeira baixa de relevo. Os donos da ilha cancelaram o acordo depois de a organização do Fyre ter promovido Norman’s Cay como "a ilha que pertenceu a Pablo Escobar". Desagrados com a mentira, mandaram McFarland ir brincar aos festivais para outro sítio. Este não foi de modas e manteve o plano tal como estava, apesar de só ter dois meses para pôr tudo de pé. A solução que encontrou acabou por ser de recurso: um parque de estacionamento na face norte da ilha de Great Exuma, nas Bahamas - o que não foi impedimento, de todo, a que McFarland tivesse continuado a chamar Norman’s Cay ao local e que mantivesse a narrativa de que o lugar tinha pertencido a Pablo Escobar.

Neste ponto, quase todos os parceiros envolvidos no princípio do projeto já tinham roído a corda. Investidores, planejados e promotores afastaram-se do desastre anunciado e previsível. Mas McFarland insistia em prosseguir, executando uma lendária fuga para a frente. Um dos membros da equipa de produção haveria de relatar, mais tarde, que o organizador "pesquisou no Google" como se montava um palco. O caos foi de tal ordem que os Blink 182 cancelaram a sua atuação na véspera do festival por "não estarem garantidas as condições mínimas" para darem um concerto de qualidade. Os Blink 182 eram os últimos nomes do cartaz inicial que ainda não tinham cancelado a participação.

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Long story short: os festivaleiros chegaram tarde a um desterro onde os alojamentos eram tendas de campanha inundadas por uma chuvada. O catering de luxo - todas as empresas de catering cancelaram contratos por falta de garantias financeiras -, que prometia marisco local e sushi à moda das Bahamas acabou por ser, afinal, sandes de queijo com alface. O único concerto que aconteceu no palco que Billy McFarland lá conseguiu montar foi dado por um conjunto de músicos locais que ficaram a tocar durante horas numa tentativa forçada de entreter quem tinha comprado bilhete. Tudo isto num ambiente onde não havia dinheiro para circular e a iluminação de rua não chegou a ser montada. Bónus: não havia casas de banho suficientes para toda a gente. Pior que isto, só se as pessoas não conseguissem regressar aos Estados Unidos, mais precisamente a Miami, de onde os charters estavam programados partir e para onde haviam de regressar. O que ocorreu: o governo das Bahamas cancelou os voos de ida para a ilha para tentar conter as pessoas - pessoas esfomeadas e sem ter onde dormir (McFarland conseguiu a proeza de agendar o festival para o mesmo fim de semana da grande regata de Great Exuma, o que esgotou todos os alojamentos da ilha) que não tinham consigo dinheiro nem cartões, num sítio sem rede telefónica nem Internet - e esclarecer toda a trapalhada.

Portanto, e como é óbvio, a organização do Fyre Festival foi processada por inúmeras entidades e indivíduos, e Billy McFarland foi julgado por fraude de vários tipos e com avultados montantes. Deu-se como culpado e acabou condenado a seis anos de prisão, dos quais acabou por cumprir quatro. Assim que saiu em liberdade, começou a engendrar o Fyre Festival 2. E os bilhetes esgotaram num ápice. A mente humana é ou não um prodígio? Há quem goste mesmo de testar a vida e o destino.

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