Há quem perca a cabeça só porque perdeu a carteira ou as chaves de casa. Não é o caso de Elon Musk. Há quem perca dinheiro, autênticas fortunas, e tente manter-se tão discreto quanto possível, e se possível manter o assunto em segredo. Também não é assim que acontece com o dono da Tesla - e patrão da SpaceX, e rei do Twitter, e proprietário de outras coisas que valem milhões e milhões de dólares. Elon Musk, quando perde qualquer coisa, fá-lo com pompa e com estrondo de maneira a abrir noticiários, quer se trate de perder a compostura a lidar com a liberdade de expressão dos utentes da sua rede social, ou da privilegiada circunstância de ficar sem 173 mil milhões de euros (há quem diga que foram mais milhões ainda) sem ter de ir vender roupa usada na Vinted para aguentar a prestação da casa.
Naturalmente, o caso fez notícia de abertura e manchetes um pouco por toda a parte. Não é todos os dias que uma só pessoa se dá ao luxo de perder o equivalente ao total da dívida externa do Chile, o 38.º país mais endividado do mundo - e, mesmo assim, essa pessoa continuar a ser hoje, e de acordo com o contador sempre atualizado da Forbes, o segundo homem mais rico do planeta Terra, sendo suplantado apenas por Bernard Arnault (LVMH).
A quantidade de dinheiro que Elon Musk perdeu é tão, mas tão grande que foi certificada pela Guinness World Records. Segundo a insuspeita e idónea instituição que publica o livro dos recordes, o dono da Tesla superou o anterior máximo por larga margem. O antigo recorde pertencia a Masayoshi Son, o japonês que investia em tecnologia e que, no ano 2000, perdeu 54 mil milhões de euros. Foram precisos 23 anos para que o mundo se deparasse com um loser ainda maior, mas a espera valeu a pena: Musk perdeu mais do triplo do que perdera Masayoshi. O sul-africano é implacável e imparável, provavelmente será mesmo incomparável, seja qual for a área ou o assunto em apreço. Musk nasceu para ser o maior de todos, nem que seja a perder.
Elétricos e desejos
Quando a notícia da mastodôntica perda de fortuna de Musk veio a público, muitos foram os que encontraram relação direta entre esse sobressalto desafortunado na carreira do multimilionário e as suas prestações públicas no Twitter após a aquisição dessa mesma empresa. É uma associação legítima: o desempenho de Musk na rede social sempre se pautou por um certo cretinismo ostensivo e orgulhoso, próprio de quem sabe que, para reinar, há que dividir. Logicamente, essa divisão tem um preço, haverá uma fação que o vai odiar, o que resulta num inevitável desgaste da imagem pública, que eventualmente irá refletir-se na maneira como se é avaliado no chamado "mundo dos negócios" - gosto da expressão, especialmente posta entre aspas, porque confere a essa dimensão abstrata uma extraordinária aura de mistério: que mundo será esse? Como serão as pessoas que o compõem? Serão seres humanos convencionais ou criaturas adaptadas e dotadas de formidáveis capacidades? O que acontece para lá dessa fronteira invisível que separa o nosso mundo do "mundo dos negócios"?
Só os homens de negócios saberão. Mas há uma coisa que é mais ou menos do domínio do senso comum: a importância da perceção que os outros têm de nós para a valorização daquilo que representamos. Ou seja, se a imagem de Musk estava debilitada, faz sentido que o comum dos mortais procurasse na fonte dessa debilidade - o desempenho no Twitter - a principal causa para a maior perda de fortuna de todos os tempos. Acontece que não foi exatamente isso que aconteceu. A mais significativa origem da perda astronómica de Musk foi mesmo a Tesla. Grande parte da fortuna de Elon Musk está alocada às ações da Tesla e 2022 não foi um ano espetacular para o desempenho bolsista da empresa. Na verdade, as ações da Tesla sofreram uma desvalorização na ordem dos 65%, o que não é fácil de gerir nem de digerir.
Uma solução possível
O mais difícil será explicar esta quebra de valor da Tesla, sendo, segundo os dados que circulam pelo Ocidente, a marca que mais vende no mercado dos veículos elétricos, ao mesmo tempo que se mantém na pole position das marcas automóveis mais valiosas do mundo. Uma explicação possível para esta quebra de valor de mercado pode residir na dificuldade em manter uma cadeia de fornecimento consistente e a funcionar cada vez melhor. Não é só a Tesla quem sofre com esta dificuldade, que se estende desde a origem das matérias-primas, como o lítio, até ao transporte de componentes: fabricantes como a Ford, a General Motors ou a Volkswagen, que tentam posicionar-se cada vez mais na dianteira do mercado dos elétricos, têm-se debatido com os mesmos problemas.
A viabilidade do objetivo de curto ou médio-prazo de ter, à escala mundial, mais veículos elétricos ou híbridos do que a combustível fóssil não está garantida. Há demasiadas questões em jogo. Outra delas, por exemplo, tem que ver com a funcionalidade do automóvel elétrico do ponto de vista do utilizador. Portugal é até um bom exemplo de abundância de pontos de recarga, mas não acontece o mesmo em toda a parte. Além disso, quanto tempo demora uma recarga completa de uma bateria elétrica? Olhando para a tecnologia hoje disponível, e pensando já nos pontos de carregamento rápidos, os express, o melhor que se consegue são 20 a 30 minutos para repor os níveis da bateria a 80%.
Além da cadeia de distribuição de matérias-primas, a indústria dos veículos elétricos tem de resolver mais um problema - e talvez seja da resolução desse problema que vai depender a disponibilidade e a vontade de levar os investimentos ainda mais longe, mesmo em tempos difíceis. E a questão é precisamente essa, a da logística individual de cada utilização de um veículo elétrico, na medida em que reabastecer, digamos assim, um automóvel elétrico durante uma viagem longa exige planeamento rigoroso e tempo para paragens.
Isto lembra-me uma história, ou até mais que uma, em que os vencedores acabam por ser aqueles que se atrevem a ter a boa ideia. Permitam-me que misturemos eletricidade, combustíveis fósseis, cassetes VHS, CDs e disquetes de computadores, mas o princípio será mais ou menos o mesmo. Uma cadeia de abastecimento universal - como será aquela em que os veículos elétricos são recarregados - deve responder à necessidade generalizada de um determinado consumidor ou objeto. Neste caso, temos falta de tempo e necessidade de recarregar uma bateria; noutros tempos e dimensões do quotidiano, precisámos de objetos que coubessem e pudessem ser lidos noutros objetos eletrónicos, como os vídeogravadores. A certa altura, havia várias modelos e formatos disponíveis, como o VHS e o Beta, entre outros. Até que acabou por sobrar só um, o mais forte e universal. O mesmo sucedeu com as disquetes de 3 ½ ou com os CD’s e respetivos leitores, que superaram a concorrência de formatos.
Acredito que neste caso particular - e caso Elon Musk me esteja a ler, pode ficar com a ideia - estejamos perante um problema semelhante, ou na iminência de ele existir. Encaramos, porventura erradamente, o reabastecimento de um elétrico da mesma forma que entendamos o reabastecimento dos automóveis a gasolina ou a gasóleo. E isso é um erro, pois a diferença de tempo despendido numa e noutra funções é substancialmente diferente. Então, porque não ter postos de abastecimento em que substituímos as baterias esvaziadas por outras já recarregadas e prontas a usar? E a Tesla, sendo líder de mercado, pode conceber o molde por que todos os outros se regerão no futuro, ganhando assim ainda mais vantagem sobre a concorrência.
É certo que o problema do abastecimento não ficaria resolvido - podia até ser agravado, caso não se encontrasse maneira de reutilizar muitas vezes cada bateria -, mas o outro problema, o da usabilidade, deixaria de se pôr, tornado os veículos mais autónomos e os tempos de pausa para reabastecimento muitíssimo mais curtos, o que constituiria um novo atrativo para a indústria.
A ideia pode parecer estapafúrdia, mas é só uma tentativa de ajudar quem passa dificuldades. Ninguém gosta de ver outra pessoa perder 174 mil milhões de euros de um ano para o outro, há que ajudar Elon Musk a recuperar.