O 13 de maio em Portugal tem um significado muito particular e importante, principalmente para quem é crente e para a religião Católica, em geral. A 13 de maio de 1917 aconteceu, segundo a crença e como reza a lenda, a primeira aparição mariana. Foi na Cova de Iria que, no dito 13 de maio, a Virgem Maria apareceu pela primeira vez a três pastorinhos, Lúcia dos Santos, de 10 anos, Francisco Marto, de 9, e Jacinta Marto, de 7. A data marca o início de um ciclo de aparições da Virgem Maria naquele lugar. As visitas de Nossa Senhora do Rosário, como Lúcia viria a identificar a imagem da Virgem posteriormente, acabaram por se repetir no mesmo ano de 1917, até outubro. Mais concretamente, as aparições marianas aos três pastorinhos repetiram-se a 13 de junho, 13 de julho, 19 de agosto, 13 de setembro e, por fim, a 13 de outubro. Não é difícil perceber-se o padrão dos dias 13 de cada mês, todos os meses exceto agosto. Não se encontrou explicação para o atraso de seis dias nessa visita.
Porém, concentremo-nos na data que importa, 13 de maio, a primeira de todas as aparições de Nossa Senhora do Rosário, em 1917, e aquela que me traz à memória uma outra história. É que a 13 de maio de 1985 aconteceu uma grande tragédia que, por cá, em Portugal, não teve eco nem difusão. Já passaram quase 40 anos desde o trágico episódio, mas vale a pena recordá-lo quando, hoje em dia e cada vez mais, se assiste a cenas de repressão policial sobre manifestantes com uma absoluta desproporção de força.
O episódio ficou para a história com a designação 1985 MOVE Bombing, mas a população local de Cobbs Creek, um bairro de Filadélfia, na Pensilvânia (EUA), trata a memória pela data: May 13, 1985. Precisamente porque foi nesse dia e naquele bairro que a polícia de Filadélfia usou um helicóptero para largar duas bombas sobre um prédio de habitação. O resultado da ação policial, que tinha como simples objetivo despejar o edifício que fora ocupado por ativistas do MOVE, saldou-se em 11 mortos - entre os quais, cinco crianças -, dois feridos, um incêndio de proporções dantescas que as autoridades não conseguiram - e, num primeiro momento, não quiseram - travar, que fez arder dois quarteirões inteiros de prédios, deixando sem teto mais de 250 pessoas, que tinham sido previamente avisadas para saírem de casa, antes de a polícia largar as cargas explosivas.
Quando falamos em uso excessivo da força e de repressão policial, este episódio será seguramente dos mais exemplificativos do que é essa prática no mundo ocidental - e o Estados Unidos da América são terreno fértil para este tipo de episódios, em que as autoridades exercem não raras vezes uma força absolutamente injustificada sobre os cidadãos, em especial se os cidadãos não forem brancos. Não é obviamente um detalhe. E também não será certamente surpresa que o MOVE, as 11 pessoas mortas e a população do bairro de Cobbs Creek fossem maioritariamente afrodescendentes.
MOVE, lido como uma só palavra, "move", era a versão abreviada de um nome mais longo: Christian Movement for Life. Tratava-se de uma organização comunitária que defendia a "lei da natureza" e uma "vida natural". A organização foi fundada em 1972 em Filadélfia por Vincent Leaphart, que mudou de nome para passar a chamar-se John Africa e que viria a morrer nesta tragédia. O MOVE instalou-se então no Oeste de Filadélfia, vivendo numa comunidade cuja filosofia assentava numa ideia autointitulada "anarco-primitivismo". A base das filosofias do MOVE era semelhante à dos Black Panthers, à qual adicionavam ativismo pelos direitos dos animais.
Em 1981, a comunidade MOVE - o nome não era um acrónimo da designação completa do movimento, era antes uma forma de o grupo comunicar o propósito com que se apresentava ao mundo: "Everything that’s alive moves" - mudou-se para um casa na Osage Avenue, no bairro de Cobbs Creek. A vizinhança não acolheu da melhor maneira a chegada do grupo. Durante anos, houve queixas do lixo em torno da residência, do barulho que faziam, dos conflitos que tinham com vizinhos e ainda das apresentações dos discursos políticos, que eram feitas com megafones.
Nas semanas anteriores à ação policial, as autoridades conseguiram mandados de captura para quatro membros do MOVE que incluíam várias acusações, desde as mais simples, como desrespeito pelo tribunal ou violação de liberdade condicional, às mais pesadas, como ameaças terroristas e posse ilegal de armas de fogo. Tanto o mayor de Filadélfia como o comissário da polícia à época acabaram por classificar o MOVE como organização terrorista. Antes da intervenção da polícia, a área foi evacuada, tendo a população residente recebido a garantia de que poderia voltar a casa ao fim de, no máximo, 24 horas.
E assim se chegou a 13 de maio de 1985, com cerca de 500 agentes da polícia a cercar a residência do MOVE. As forças policiais tentaram entrar no edifício e executar os mandados de captura. Primeiro, cortaram água e eletricidade, na expectativa de que a ação fosse suficiente para fazer sair os ocupantes da casa. Tal não aconteceu. Foi então que George Sambor, o comissário da polícia, fez um discurso muito duro que parecia antecipar o pior. A comunicação aos ocupantes da casa começava assim: "Atenção, MOVE, isto é a América. E vocês têm de obedecer à lei americana", após o que deu 15 minutos para que todos os ocupantes abandonassem a casa. No interior, havia sete adultos e seis crianças. Os 15 minutos passaram e ninguém saiu. Então a polícia tentou entrar à força e retirar de lá as 13 pessoas, mas do interior houve resposta armada e uma troca de tiros com a polícia, que acabou por lançar para o interior da residência gás lacrimogéneo. O tiroteio durou cerca de hora e meia. Um polícia foi atingido por um tiro no colete à prova de bola. Não ficou ferido. E então o comissário Sambor ordenou que se bombardeasse a casa.
Um helicóptero da polícia sobrevoou o bairro e atirou para o telhado da casa dois combinados explosivos. Cada um continha 750 gramas de Tovex, uma alternativa à dinamite, e um quilo de C-4, explosivo utilizado pelo FBI para arrombamentos, por exemplo. As bombas foram atiradas para um sítio específico, um cubículo que era como um bunker, todo fortificado, que existia no telhado. As explosões aconteceram 45 segundos depois, com os ocupantes da casa completamente encurralados e sem terem por onde escapar. As duas bombas fizeram de ignição para uma nova explosão, desta vez a de um depósito de gasolina que pegou fogo a toda a casa. E as autoridades mandaram deixar arder, para obrigar os ocupantes a sair - por onde, não se percebe. Meia-hora depois, os bombeiros tentaram controlar a situação, porém acabaram por não agir. O fogo alastrou então para os edifícios adjacentes.
Só duas pessoas sobreviveram à tragédia, uma delas Birdie Africa, de 13 anos. As 250 pessoas a quem foi dito que regressariam a casa ao fim de 24 horas, ficaram sem abrigo. A cidade de Filadélfia acabou por ser condenada a indemnizar, numa decisão de 1996, os sobreviventes do MOVE em 1,5 milhões de dólares (€1,38 milhões). As pessoas desalojadas viriam também a ser indemnizadas em 2005 num montante total de 12,83 milhões de dólares (€11,78 milhões). Tudo porque o Tribunal Federal considerou que a Polícia de Filadélfia usou "força excessiva" e procedeu "irrazoavelmente à busca e detenção". O comissário George J. Sambor apresentou a demissão em novembro de 1985, alegando que, caso não o fizesse, o "mais provável" era que o mayor o demitisse no fim do ano. Após os inquéritos, ficou claro que Sambor deu ordem aos bombeiros para "deixar arder". Morreu aos 87 anos, em 2015, e nunca foi preso pelas decisões que tomou.