Manuel Pinho e Ricardo Salgado: uma pessoa ouve ou lê estes nomes e pensa "que crimes terão eles cometido agora?", de tal modo a longa lista de notícias sobre as duas figuras se tem centrado em trafulhices e casos bicudos nos últimos largos anos. As mais recentes dão conta das pesadas sentenças que condenam cada um deles a vários anos de prisão efetiva. Manuel Pinho terá de cumprir, segundo o acórdão da primeira instância do julgamento, dez anos de prisão efetiva, enquanto Ricardo Salgado foi condenado a seis anos e três meses, também de prisão efetiva.
Pinho, antigo ministro da Economia do primeiro governo de José Sócrates (2005-2009), e Salgado, ex-presidente do Banco Espírito Santo, foram julgados no âmbito do chamado "caso EDP", durante o qual foram dados como provados 1030 factos da acusação. Não obstante, a decisão do tribunal é passível de recurso para o Tribunal da Relação, pelo que é possível que se assista a uma redução de penas. Essa decisão, juntamente com a contabilização da prisão domiciliária de Manuel Pinho, que já cumpriu mais de dois anos, e a idade e o alegado estado de saúde de Ricardo Salgado não deixará ninguém surpreendido se tudo for transformado numa suspensão de penas para ambos os condenados.
Tanto Manuel Pinho como Ricardo Salgado são, desde há muito, protagonistas de noticiários quase sempre por razões, digamos, menos positivas, para usar um eufemismo. Ao ouvir o nome de Salgado, há quem guarde imediatamente a carteira, porque nunca se sabe. Ao soar o de Manuel Pinho, afinam-se os ouvidos para captar o mais recente caso embaraçoso ou escandaloso de que terá sido personagem principal.
No caso de Pinho, e embora o seu currículo seja longo, sinuoso, escorregadio e algo obscuro - desde os pagamentos via Grupo Espírito Santo recebidos quando já era ministro, para beneficiar a EDP (aqueles que o levaram à condenação), até ao impressionante apartamento que tinha em Nova Iorque, mas que não era seu, era de uma empresa off-shore registada nas Ilhas Virgens (e essa empresa, sim, era sua) -, os casos mais célebres que vêm à memória podem ser vistos como fait-divers. Pelo menos, se comparados com as acusações de corrupção no célebre caso EDP.
Por exemplo, certa vez, no decorrer de uma viagem com o então primeiro-ministro José Sócrates à Venezuela, Manuel Pinho foi apanhado a fumar durante o voo. É certo que se tratava de um avião fretado ao serviço do Estado Português e não um voo comercial de passageiros, e também é verdade que Pinho é um fumador (e ainda aceitamos que não terá a gravidade institucional de receber vários milhões de euros como suborno), mas não deixa de ser proibido fumar a bordo de uma aeronave. Pinho terá apagado o cigarro e fez um pedido de desculpas públicas - ao qual acrescentou ainda um "mas não vou deixar de fumar".
Numa outra ocasião, Manuel Pinho, ainda ministro da Economia do governo PS liderado por Sócrates, estava na Assembleia da República para o debate mensal - na época, usava-se fazer um debate mensal (chegou até a realizar-se o debate em formato quinzenal) entre governo e Parlamento, com o primeiro-ministro e seus ministros a serem questionados e confrontados pelos deputados da oposição. Nessa sessão, interpelado em off por um deputado do Bloco de Esquerda, o então ministro da Economia respondeu às palavras de Francisco Louçã dirigindo-lhe uns memoráveis corninhos que fez, qual criança, com os dedos indicadores na própria testa. Um ensaio de charme, uma lição de classe que acabaria com a sua fugaz, porém inesquecível carreira política.
Já Ricardo Salgado, além da alegada perda da própria memória, deixa outras histórias que vale a pena recordar. Não são fait-divers. Não fica para a posteridade por fumar cigarros em aviões nem por imitar as crianças a fazer corninhos em assembleias. Quando o protagonista é Salgado, em princípio o enredo mete dinheiro, muito dinheiro. Por exemplo, no final de 2023, o Ministério Público acusou o banqueiro de 20 crimes de corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional, além de 21 crimes de branqueamento. O ex-líder do Banco Espírito Santo foi acusado de ter corrompido ativamente 20 dirigentes e administradores públicos venezuelanos, entre 2008 e 2014. Ricardo Salgado terá alegadamente dirigido "uma associação criminosa", nas palavras do próprio Ministério Público.
"Tudo bons rapazes", pensará o leitor. Resta saber o que tem o Tribunal da Relação a dizer sobre os dois compinchas quando os advogados de ambos avançarem com os recursos das sentenças de cada um deles - um avanço que se estima que ocorra bem próximo do fim do prazo legal de maneira a combinar eventuais adiamentos com a entrada das férias judiciais, que isto, como diz o povo, "morrer e pagar, quanto mais tarde melhor".