À medida que abril vai chegando ao fim, os adeptos do futebol português vão contando o tempo que falta para que a época acabe. Cada um conta à sua maneira. Os sportinguistas misturam paciência com impaciência, enquanto contemplam a areia caindo de um para outra âmbula na ampulheta. Campeões num futuro próximo, sabem que é só uma questão de tempo até que expectativa mais que provável se torne certeza matemática e possam, por fim, celebrar - e celebrar muito merecidamente, diga-se - o 20.º título de campeão nacional. Os portistas, quando tudo ameaça colapsar no meio de um período caótico, contam o tempo que falta para a final da Taça de Portugal para não perderem referências da realidade numa época que tem tido contornos surrealistas.
Os benfiquistas, por seu lado, talvez já nem contem o tempo para o fim de coisa alguma. Possivelmente, contam os meses, as semanas e os dias que faltam para que comece a próxima época, já que esta não deixará saudades. Depois da eliminação das competições europeias, nos quartos-de-final da Liga Europa contra o medíocre Marselha, e de ter sido, antes disso, eliminado das Taças da Liga e de Portugal, aos benfiquistas não chega sequer a possibilidade matemática de ainda chegarem ao título de campeão nacional. As probabilidades são tão reduzidas que mesmo a existência da possibilidade matemática parece apenas mais um exercício mesquinho de tortura - lá está, para fazer os adeptos contarem o tempo até que, por fim, se concretize o inevitável.
O Sporting, sob a liderança discreta, moderada, pacífica e, ainda assim, firme de Frederico Varandas parece ter encontrado o caminho e a fórmula para elevar a equipa de futebol à altura dos pergaminhos do clube. O Sporting, sob a presidência de Varandas, deixou definitivamente de ser "a terceira equipa" de Portugal, tendo assumido, de novo e com toda a firmeza, o estatuto de perpétuo candidato a ganhar o que quer que seja que esteja em competição. Há no Sporting uma clara mudança de mentalidade, no que à gestão da equipa diz respeito.
O treinador, o muito elogiado e cobiçado Ruben Amorim, não esteve sob pressão para ganhar tudo e mais um par de botas. Pelo contrário: foi-lhe dado tempo, sossego, proteção e meios - jogadores de grande qualidade, que chegaram, não em quantidade, mas obedecendo a escolhas de precisão cirúrgica. Implementou e assentou um modelo de jogo, corrigiu sempre que a equipa foi desfalcada, segurou alguns jogadores, adaptou outros, potenciou ainda mais uns tantos. E é assim que se constroi uma grande equipa: com tempo, com algum dinheiro, claro, mas acima de tudo com uma estratégia clara cujos princípios todos partilham, desde quem dirige nos gabinetes a quem dirige no centro de treinos, passando por quem tem voz de comando dentro das quatro linhas. A sintonia é fundamental.
Já o FC Porto parece ter caído no seu próprio abismo - um abismo que se abre naturalmente quando parece ter chegado o fim de uma era. E esta era, a que todos concordarão que só pode chamar-se "Era Jorge Nuno Pinto da Costa" tem, também ela e já que se fala de contagem de tempo, os dias contados. Muitos dias têm 40 anos, parafraseando o vetusto presidente portista, e ao fim de tanto tempo é normal que se esgotem diversos recursos. Além do próprio tempo, esgota-se o fervor da unanimidade, esgota-se o efeito surpresa e, depois de habituados os adeptos a sendas quase inexoráveis de vitórias, esgota-se-lhes também a eles a paciência para esperar por melhores dias.
Aparentemente, e seguindo e acreditando nas notícias recentes, esgota-se também o dinheiro. A situação financeira periclitante do FC Porto e do seu património, que alegadamente já não chega para suprir o valor da dívida, é corroborada pelas ameaças da UEFA relativamente ao incumprimento das regras do fair-play financeiro. Juntando a isso as eleições que se avizinham e a candidatura de André Villas-Boas, corporizando a contestação a Pinto das Costa, há ainda um desempenho irregular da equipa de futebol ao longo das últimas épocas que atinge o seu epítome num campeonato particularmente mau este ano - com uma performance apenas amenizada pelo 5-0 ao Benfica, em casa, que há de ficar na história. Não espanta que, naquilo que parece ser uma manobra fruto do desespero, Sérgio Conceição, o treinador portista, tenha optado por um discurso em que acusa entidades indefinidas e não-identificadas de tentarem "tirar a Região Norte" dos caminhos da glória.
É um discurso que não lhe fica bem, por vários motivos, a começar pelo facto de a posição do Porto na tabela classificativa estar ameaçada pelos concorrentes Sporting de Braga e Vitória Sport Clube, o de Guimarães - ou seja, por dois clubes mais a norte do que o próprio Porto, ambos minhotos. A tese, além de não pegar por não ter pés nem cabeça, revela ainda um tique saudosista que remonta aos primórdios da era portista que agora parece encerrar-se. Foi nos primeiros tempos de Pinto da Costa como presidente, e de José Maria Pedroto como treinador da equipa de futebol, que o discurso regionalista, nortenho e anti-sulista - especialmente, anti-lisboeta - nasceu e prosperou. O FC Porto tornou-se, então, e em boa parte às custas desse regionalismo, baluarte do sentimento nortenho, que assentava, por sua vez, numa espécie de ódio ou, pelo menos, de despeito pelo centralismo lisboeta. Se o discurso, à época, fazia sentido, é uma questão interessante; se Conceição faz bem em recuperá-lo, hoje, 40 anos depois, é já uma questão de falta de bom-senso.
Não obstante, os portistas, com tudo o que lhes foi acontecendo de mal ao longo da época, têm ainda a possibilidade de contar, com algum ânimo, o tempo que falta para a final da Taça de Portugal, que irão disputar no Estádio do Nacional, no Jamor, a 26 de maio. Ainda falta muito até lá, há muito calendário para cumprir com jogos que são só de cumprir calendário, porque o campeonato, por mais decidido que esteja, tem de ser jogado até ao fim. Mas, pelo menos, ao FC Porto ainda resta uma nesga de motivação, nem que seja para disputar aquilo a que, com menosprezo de quem se habituou demasiado a ganhar os troféus mais importantes, os portistas chamavam "a fruteira". Mas mais vale uma fruteira na mão de Pepe do que noutra mão qualquer, essa é que é essa.
Ao Benfica não resta absolutamente nada. Nem fruteiras, nem Liga Europa, nem sequer a miragem do campeonato - era preciso ser-se tolo para ainda ter fé que o Sporting deixaria escorregar o troféu das mãos como Trubin tem deixado escapar a bola dentro da pequena área. O Benfica, que arrancou para esta época com as quinas de campeão nacional no equipamento, o Benfica que vendeu muito bem alguns dos seus jogadores, o Benfica que faturou muitos milhões em vendas e presenças na Liga dos Campeões nas últimas épocas, foi pouco mais do que uma sombra de si mesmo no final da época passada, e ainda menos do que isso em relação às expectativas deste ano. Erros de casting, teimosias, falta de estratégia dentro e fora de campo, tiques de novo-rico, compras desregradas, houve de tudo um pouco e nas várias competições que a equipa disputou este ano.
Curiosamente, a maioria dos adeptos benfiquistas, pelo que é dado a observar em textos e comentários nas redes sociais, até do próprio clube, parecem procurar na mudança de treinador a solução milagrosa para o estado das coisas. Aparentemente, todos os problemas podem ser resolvidos trocando Roger Schmidt por outra pessoa com habilitações para treinar uma equipa que, à partida, parecia ser constituída por futebolistas topo de gama. E isto faz-me lembrar uma história: a história de quando o Benfica e os benfiquistas cavaram a sua própria sepultura no início dos anos 90, não vendo além dos seus narizes e não encontrou a chave para decifrar a realidade.
Depois de ter sido um campeão valoroso e brilhante em 1993-1994, diante de um Sporting super poderoso e que lhe tinha roubado - figurativamente falando, claro - dois jogadores a custo zero (Pacheco e Paulo Sousa), o Benfica não soube pensar nos problemas que deixaram o clube em maus lençois. Vaidoso e soberbo, achou-se insuperável e irredutível, deduziram os benfiquistas que, sendo esse clube o Benfica, as camisolas ganhariam nem que jogassem sozinhas. Obviamente, estavam enganados, como os 11 anos seguintes (que até se pode arredondar 16, se ignorarmos o milagre de Trapattoni, em 2004-2005) viriam a demonstrar para lá de qualquer dúvida.
Não acautelados os problemas estruturais do clube, as direções sucederam-se sem trazerem soluções de fundo. Pelo contrário: o dinheiro continuava a ser esbanjando sem que surgisse qualquer indício de estratégia de longo-prazo. E assim o clube tornou-se um formidável cemitério de treinadores, os agentes sobre quem toda a nação benfiquista deitava culpas depois de mais uma época de fracasso. Artur Jorge, Manuel José, Graeme Souness, Paulo Autuori, o campeão europeu Jupp Heynckes, nenhum deles esteve à altura de treinar o Benfica, ainda que dispusessem no plantel de nomes como João Vieira Pinto, Michel Preud'homme, Karel Poborsky, Nuno Gomes, Valdo, Claudio Caniggia ou Pierre van Hooijdonk, em épocas diferentes, mas ao longo de vários anos.
No fim desta época, e depois de em anos recentes terem subido ao céu e descido ao inferno em poucos meses treinadores como Rui Vitória, Bruno Lage e Jorge Jesus - de janeiro de 2019 a maio de 2022, com o interino Nelson Veríssimo pelo meio -, as baterias parecem novamente apontadas apenas ao treinador, Roger Schmidt, como se ele sozinho fosse merecedor de assumir toda a culpa pelo falhanço e se a ele fosse legítimo exigir-se a solução mágico para um problema que parece ser, uma vez mais, muito mais estrutural do que circunstancial. Cabe aos benfiquistas usar a memória e pensarem seriamente se querem resolver o futuro com pensos rápidos ou se preferem olhar para o passado e demorar-se um pouco mais a pensar no assunto. Em todo o caso, e como se diz em futebolês, "para o ano há mais".