O assunto ganhou mediatismo há já algum tempo, mas um vídeo que teima em aparecer, de tempos a tempos, no meu feed de Instagram faz com que se torne imperativo falar do assunto: o Presidente da República da Irlanda tem um cão fabuloso. Nesse vídeo, surge Michael D. Higgins, o Presidente irlandês, a fazer um discurso, enquanto um cão, belo e corpulento, o importuna constantantemente, ora dando-lhe narigadas nas mãos, ora tocando-lhe com a pata na perna, tentando chamar a atenção. Higgins, que, recorde-se, é presidente de um país, acaba por ceder e fazer umas festinhas ao cão como quem diz "agora não, Misneach, espera um bocadinho", mas Misneach, um magnífico Pastor de Berna, não quis saber. Os cães não percebem de política, nem de ocasiões sociais. Como poderia Misneach adivinhar que o discurso que o seu amado dono fazia era um tributo ao ator Tom Hickey, falecido pouco tempo antes, em maio de 2021.
Misneach, bem como o seu compincha e companheiro de casa Bród, também ele Pastor de Berna (o Presidente Higgins é fascinado pelos cães desta raça: antes de Misneach e Bród, a família presidencial teve ainda Síoda, que morreu de doença em 2020), é hoje um cão mediático. As aparições na imprensa não são raras, assim como não são raras as ocasiões em que o Bernese rouba para si as atenções. O caso mais célebre, e também mais recente, aconteceu há poucos dias, durante a visita do Presidente americano Joe Biden à República da Irlanda. Biden, que tem raízes irlandesas, confraternizava com o seu homólogo Higgins junto à residência oficial deste e sob o olhar atento de Misneach. E foi então que o Presidente dos Estados Unidos da América fez questão de cumprimentar o cão presidencial irlandês. Contudo, e como já vimos, este Pastor de Berna não é exímio em encontros sociais, possivelmente não domina política internacional e quase de certeza que nem sabe quem é Joe Bidden. Para Misneach, podia tratar-se somente de um intruso de idade avançada. Quando o Presidente Americano levantou a mão para cumprimentar o cão, este recusou o cumprimento e ainda lhe ladrou. "Quem é este senhor?", parecia Misneach perguntar a Higgins. O Presidente irlandês riu-se com bonomia, encolheu os ombros e prosseguiu a conversa, evitando assim um incidente diplomático e um possivel conflito entre nações.
Líderes políticos e chefes de Estado tendem a compor o retrato oficial de família juntando-lhe um animal favorito. Por cá, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa recebeu, em 2016, um Pastor Alemão chamado Asa. Foi um presente da Força Aérea portuguesa. Contudo, Rebelo de Sousa não levou Asa para o Palácio de Belém. Mas vivesse ele em Buckingham, na Casa Branca ou no Kremlin e é certo que o Pastor Alemão do Presidente Português ocuparia o seu lugar na hierarquia do Estado.
Em Inglaterra, era sobejamente conhecida a paixão da rainha Isabel II pelos seus Corgi. Teve vários, desde criança. O primeiro, uma fêmea, foi Susan, em 1933. O último dos chamados Corgis Reais faleceu em 2016 e então a rainha recebeu mais tarde de presente um par de cães da sua raça favorita - já a monarca britânica tinha os seus 90 anos. Quando Isabel II morreu, em setembro de 2022, os dois cães, Muick e Sandy, ficaram ao cuidado de Sarah Ferguson, ex-nora da rainha, e do ex-marido de Fergie, o príncipe André. Sarah e André estão divorciados desde 1997, mas vivem ambos na Mansão Real, em Windsor - don’t ask, trata-se da Firma.
Também o infame Presidente russo, Vladimir Putin, é fascinado por cães. Na verdade, Putin gosta de animas - não no geral, que ele é homem de gostos peculiares, mas de animais opulentos, fortes e poderosos, o que não surpreende tendo em conta o perfil narcísico-imperialista do Presidente da Federação Russa. Vladimir Putin já foi notícia por ter um urso, já deu nas vistas por ser dono de um tigre siberiano e é também célebre por possuir cães. Possuir no sentido de ser dono de. Não são uns cães quaisquer, todos encaixam no perfil das preferências presidenciais. Buffy é um Cão de Karakachan, raça búlgara cujos exemplares apresentam uma dimensão assinalável e facilmente ascendem aos 50 quilos; Yume é um Akita Inu, raça japonesa de cães poderosos, que facilmente também ultrapassam os 50 quilos; Verni é um Alabai, um Pastor da Ásia Central, um cão que pode chegar ao 80 quilos; Pasha, um Pastor Jugoslavo, ou Sarplaninac, é o mais pequeno de todos, chegando apenas aos 45 quilos. Não há relatórios oficiais acerca dos gastos do Presidente Putin com a alimentação do seu quarteto canino, mas é seguro que não gasta pouco com os cães imperiais.
Joe Biden, de quem Misneach, o cãe presidencial irlandês não gostou, tem em Major, um Pastor Alemão, o seu melhor amigo. Nos Estados Unidos da América, é longa a tradição de ter cão na Casa Branca. Ronald Reagan, os presidentes Bush, pai e filho, Bill Clinton, Barack Obama (que tinha um Cão de Água português, Bo, que morreu já este ano), John F. Kennedy (que tinha a tradição de família dos Fox Terrier), enfim, é longa a lista. O mais fácil é recuar até 1901 e ao Presidente William McKinley, o último dos presidentes americanos que não tinha um cão na Casa Branca. Quer dizer, há uma exceção: Donald Trump. Trump não tinha cães. Felizmente para os bichos.