Vinte e dois minutos de agonia, de asfixia, de sufoco. Vinte e dois minutos de pernas em contorção, olhos constantemente a revirar-se, os punhos a abrir e a fechar como quem luta pela vida, em desespero, na mais profunda aflição. Os relatos acerca da morte de Kenneth Smith, executado a 25 de janeiro de 2024 numa prisão do Alabama, são uma autêntica visão do inferno, a expressão máxima do horror na vida real. Em 2024, custa acreditar que um estado aceite como razoável este nível de crueldade para punir um cidadão. Lê-se e não se acredita. Comparado com a técnica experimental da morte por inalação de nitrogénio - ou azoto, como mais comummente o conhecemos por cá -, o pelotão de fuzilamento parece uma opção muito mais misericordiosa e humana para se executar um criminoso. "Os guardas prisionais presentes estavam visivelmente surpreendidos com o quão mal as coisas estavam a correr", declarou o reverendo Jeff Hood, conselheiro espiritual de Kenneth Smith, citado pelo The Guardian.
"Possivelmente, o mais humano método de execução alguma vez aplicado", assim descreveram as autoridades do estado do Alabama a técnica experimental que iria ser usada para matar Smith, aquando do seu anúncio. Porém, os relatos de quem presenciou os momentos finais do condenado sugerem tudo menos humanidade. Marty Roney, do Montgomery Advertiser, que esteve presente na execução, descreve com detalhe: "Kenneth Eugene Smith parece ter convulsões enquanto se abana vigorosamente durante quatro minutos, depois de o nitrogénio aparentemente ter começado a circular pela máscara completa que lhe cobria toda a cara na câmara da morte do Alabama. Depois, foram mais dois ou três minutos até perder a consciência, tudo enquanto sufocava e ofegava em busca de ar, de tal modo que a marquesa [onde estava deitado e amarrado] abanou várias vezes."
Se isto é humano, nem quero imaginar o que as autoridades do Alabama podem considerar cruel ou, pior, tortuoso. Não era, aliás, difícil de prever que a reação do condenado fosse esta. Só não se pensou que a tortura pudesse durar longos 22 minutos, com especial sublinhado no terror destes seis a sete minutos que o jornalista Marty Roney descreve.
O ar que respiramos é composto, em 78% por azoto. Podemos acreditar ingenuamente que os executores tenham pensado, também de forma ingénua, que, ok, azoto já nós respiramos, portanto este condenado não vai estranhar assim tanto. Talvez se tenham esquecido daquele detalhe dos 21% que o oxigénio ocupa na composição do ar que os humanos respiram para sobreviver e que a falta dele levaria a um efeito semelhante ao de um afogamento a seco. Imaginemos todo um organismo em progressivo colapso enquanto engole avidamente golfadas de ar, só para perceber que esse ar é estéril, vazio e defeituoso, e assim as células do corpo, todas elas, vão aos poucos definhando e morrendo, todos os órgãos vão colapsando, ao mesmo tempo que o cérebro lança todo o tipo de alarmes desesperados, libertando os últimos e mais ferozes instintos animais para salvar a própria vida - debalde, pois estamos amarrados de pés e mãos e pescoço a uma marquesa, numa sala a que displicentemente chamam "câmara da morte", numa prisão de alta segurança do Alabama. Somos um peixe fora de água. Mas um peixe com sentimentos.
O anúncio da aplicação deste método para executar Kenneth Smith gerou muita controvérsia. O próprio apelou ao Supremo Tribunal sob o fundamento de estar a ser "tratado como uma cobaia", uma vez que a morte por inalação de azoto nunca tinha sido testada antes. O Supremo não se pronunciou sobre o caso. As Nações Unidas, que por estes dias não devem ter mãos a medir no que toca a pedir mais humanidade aos humanos, intercedeu a favor de Smith, mostrando às autoridades americanas "grande preocupação" pelo risco desumano que o método poderia conter. Nada feito, no Alabama é assim mesmo, vai morrer e é já, e por falta de oxigénio. E assim foi.
A história de Kenneth Eugene Smith na "câmara da morte" do Alabama é já longa. O condenado é, aliás, um dos dois membros do infame "clube dos executados sobreviventes". Em novembro de 2022, depois condenado à morte por injeção letal, Smith foi levado para a câmara, onde os guardas e a equipa de execução o amarraram a uma marquesa e iniciaram todos os procedimentos com vista a que saísse da sala sem vida alguns minutos mais tarde. Mas morrer nem sempre é fácil, especialmente se a perícia da equipa de execução não for elevada.
Com dificuldades em encontrar veias que pudessem sustentar o composto letal, a equipa acabou por, segundo relatos do próprio Smith, "espetá-lo várias vezes nos músculos". Diante do insucesso, a mesma equipa optou depois, numa decisão no mínimo criativa, por virar a marquesa de cabeça para baixo - as marquesas para a execução com injeção letal têm formato aproximado ao de uma cruz: o corpo fica deitado e os braços abertos, não totalmente, mas o suficiente para se manterem distantes do corpo; todos o membros estão amarrados, assim como o pescoço e a cabeça.
Ou seja, Smith foi deixado em posição de cruz invertida durante vários longos minutos. Depois de uma espera agonizante, foi novamente rodeado pela equipa de execução que, desta vez, e mostrando um novo rasgo de criatividade, tentou injetá-lo através da clavícula. Sem surpresas, não correu bem. A execução acabou por ser suspensa por ordem superior. Smith foi retirado da câmara da morte com vida, embora não conseguisse caminhar, nem levantar os braços, nem respirar normalmente (estava a hiperventilar, segundo o relatório oficial, e isso também não é surpresa, tendo em conta o sucedido).
Foi por causa deste falhanço, que não foi o único nos tempos mais recentes, na execução de Kenneth Smith que as autoridades do Alabama decidiram experimentar - o termo é mesmo esse - a técnica da asfixia letal por azoto no condenado. O Alabama parecia, aliás, determinado a executar Kenneth Smith a todo o custo, desse por onde desse. Smith fora considerado culpado de um homicídio por encomenda, em 1988. A troco de mil dólares, ele e um cúmplice, que também acabaria condenado à morte, aceitaram a tarefa de matar a mulher de um pastor cristão, a pedido deste. O pastor haveria de se suicidar com um tiro na cabeça depois de confessar aos filhos o que fizera. A confissão, porém, acabou por denunciar Smith e o seu parceiro. Julgado por um júri, em primeira instância Kenneth Smith foi considerado culpado do homicídio, tendo o júri votado a pena de morte por 10 contra a 2.