"Jobs for the boys." De cada vez que há uma mudança de gestão, num governo ou em qualquer tipo de administração, a expressão passa a surgir amiúde nos média, e assim continue até que assente a poeira que uma transição de poder sempre levanta. "Work that someone in an importante position gives to their friends or relations", ou, em português e com tradução literal, "trabalho que alguém numa posição importante dá aos seus amigos ou [pessoas das] suas relações" - numa tradução mais sensível, poderíamos substituir "trabalho" por "posto", "lugar" ou "posição", por uma questão de rigor.
A definição da frase é do insuspeito Cambridge Dictionary, e a expressão idiomática é de tal maneira útil e eficiente para descrever o jogo de cadeiras em que se transforma a atribuição de lugares dentro das estruturas quando ocorre uma mudança de poder que saltou do inglês para todos os outros idiomas sem sequer precisar de tradução. Toda a gente sabe o que são "jobs for the boys", aqui ou na América, no Brasil ou no Japão. Só não sabem na China porque por lá as alterações na estrutura acontecem por dentro, já que o partido no poder é sempre o mesmo. Enfim, idiossincrasias de um regime comunista assente num capitalismo de estado, ou vice-versa.
Por cá, a mudança de Governo resultou, lá está, num inevitável e turbulento movimento rotativo, que ocorre habitualmente em ciclos de seis ou de oito anos, consoante o tempo que o PS consegue aguentar-se no poder sem ser destituído ou sem apresentar a própria demissão. Com a chegada da AD ao poder, liderada pelo social-democrata Luís Montenegro, não seria menos do que altamente expectável que os cargos e posições de chefia nos mais variados institutos que compõem aquilo a que podemos genericamente chamar estruturas públicas tivessem no horizonte uma mudança de família: das simpatias socialistas para as relações do PSD (e do CDS, claro - não nos queçamos que o CDS existe e ajuda a compor o Governo).
Todavia, nem tudo tem decorrido com a fluidez e a discrição que seriam desejáveis para este tipo de transição. O caso mais ruidoso - ou a cadeira que tem sido mais difícil de vagar - é o da provedoria da Santa Casa da Misericórdia. O caso terá demasiados detalhes e contornos para ser explicado, com pormenor, num texto que se quer ligeiro, pelo que nos remetemos ao essencial dentro do tema dos jobs for the boys: a nova ministra do Trabalho e da Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, convidou a atual provedora, Ana Jorge, a demitir-se. Ana Jorge, contudo, não aceitou o convite, ficando na cadeira. A exoneração da provedora da Santa Casa, alegadamente motivada por erros graves de gestão, pois claro, deparou-se, logo no arranque do processo, com um pequeno obstáculo: a falta de vontade da visada no caso em cumprir com o sugerido. Ana Jorge tentou mesmo impugnar a sua própria exoneração, mas a estratégia foi recusada pela instituição. A provedora - ou ex-provedora, ou futura-ex-provedora - deverá ir ao Parlamento na próxima semana para ser ouvida sobre o assunto e apresentar a sua versão dos factos.
Mas não é só na política que, nesta dança das cadeiras, se torna difícil a atribuição de jobs for the boys. Também no futebol - e até podemos aceitar que o futebol também é política, pelo menos a este nível - a transição de poder nem sempre é fluida e pacífica, como seria de esperar num regime democrático saudável. Veja-se o caso do Futebol Clube do Porto. Foi a 27 de abril que André Villas-Boas derrotou o histórico Jorge Nuno Pinto da Costa nas eleições para a presidência do clube portuense, levando ao fim de uma era que durou 42 anos. Pinto da Costa, figura incontornável do futebol português e símbolo máximo do FC Porto, foi esmagado pelo jovem que, há pouco mais de uma década, contratou como treinador da equipa de futebol, e que lhe retribuiu com a conquista de títulos e um percurso de assinalável sucesso, em Portugal e na Europa.
Depois de vistos a dar um abraço em público, e apesar das públicas trocas de galhardetes e de elogios, Villas-Boas e Pinto da Costa ainda não conseguiram acertar todas as agulhas. Eleito a 27 de abril, a nova direção do clube tem tomada de posse agendada para terça-feira, dia 7 de maio. Segundo os prazos oficiais, a nova SAD do clube só pode tomar posse depois de uma assembleia-geral de acionistas, que só pode ser convocada para, no mínimo, 21 dias depois da tomada de posse do novo presidente do clube. Ou seja, neste caso, seria para 28 de maio.
Claro que tudo isto é protocolar, e o que é habitual acontecer - pelo menos, nos outros clubes, já que no FC Porto a presidência foi ocupada pelo mesmo Jorge Nuno Pinto da Costa desde muito anos de serem constituídas SADs no futebol português - é os que os dirigentes da sociedade anónima cessante ponham o lugar à disposição dos futuros dirigentes, de modo a que estes acedam à gestão da SAD o mais rapidamente possível. Mesmo que não seja toda a direção, pelo menos alguns lugares devem ser ocupados pelos novos membros, de maneira a facultar a transição do poder. Contudo, e apesar da insistência do presidente eleito, nenhum dos dirigentes da SAD do FC Porto parece disposto a abdicar da sua cadeira para dar o lugar a um novo boy. Villas-Boas continua a reunir-se com os elementos da direção cessante, mas até agora não há resultados. Na provedoria da Santa Casa da Misericórdia ou na SAD do Futebol Clube do Porto, até ver, não há cadeiras disponíveis, no jobs for the boys.