"Serão 10 anos difíceis e mais além, mas o mundo não para em 2030, por isso apertem o cinto". Foi assim que Huard Smith, vice-presidente da Forrester concluiu a apresentação em que prevê o impacto da Inteligência Artificial (IA) no mundo laboral nos próximos 10 anos. A conferência teve lugar em Santa Clara, na Califórnia, em meados de novembro, pelo que o principal consultor daquela que é uma das mais influentes empresas de pesquisa e consultadoria da atualidade revelou quais os empregos a desaparecer proximamente com o desenvolvimento exponencial da IA.
Mas do que falamos exatamente quando nos referimos à IA? E o que deveríamos saber sobre este ex-líbris da tecnologia que nos está a escapar? Não se trata de um hype ou promoção exacerbada de algo que conhecemos somente dos filmes. A IA é uma realidade que já está a ser utilizada na medicina, na física quântica, no campo financeiro, na indústria automobilística e ainda no fabrico de software empresarial.
Trata-se, pois, de um termo abrangente para designar sistemas computacionais que conseguem compreender o seu ambiente, pensar, aprender e agir em resposta ao que estão apreendendo e aos seus objetivos. Uma similaridade à inteligência humana projetada em mecanismos ou software e que inclui tecnologias como processamento de linguagem natural, reconhecimento da fala, gestão de decisão, agentes virtuais ou mesmo hardware otimizado para IA como descreve o relatório TechRadar da Forrester. Também a PwC – auditoria, consultadoria e fiscalidade – se pronunciou sobre esta temática elaborando o estudo Sizing the Prize onde explora a revolução da IA que apelida como fonte de simultânea excitação e apreensão. Aqui, exploram-se as principais formas de IA atuais: a inteligência automatizada, que aplica a automatização a tarefas manuais e de rotina; a inteligência assistida, que auxilia o humano na realização de melhores e mais rápidas tarefas; a inteligência aumentada, ajudando as pessoas a tomar melhores decisões e a inteligência autónoma, na automatização dos processos de decisão sem a intervenção humana.
Da mesma forma, também a Universidade de Stanford, nos EUA, elaborou o relatório Artificial Intelligence and life in 2030 onde explora como as tecnologias inteligentes afetarão a vida diária humana em tópicos como a saúde, segurança, entretenimento, educação e transportes. No entanto é no campo laboral das grandes empresas que estas alterações mais têm sido discutidas. O que nos leva de novo à palestra em Santa Clara em novembro.
Huard Smith é claro: trabalhadores de cubículo, quem se dedica por exemplo a tarefas administrativas – os chamados colarinhos brancos; processadores ou analistas de empréstimos e funcionários de expedição que tratam das suas encomendas desaparecerão por completo. E o mesmo se aplica a quem trabalha nos supermercados: algumas funções como o rastreio de stock nas prateleiras já é possível com a IA e quando o robot do inventário puder também reabastecer as mesmas, então os funcionários desaparecerão por completo. Mas o vice-presidente da Forrester vai mais além e defende que nem mesmo a codificação será uma vantagem no futuro pois passará a ser automatizada. Para quem tem filhos a estudar código, Huard Smith aconselha-os antes a escolherem IA como campo de investigação de trabalho.
Mas há outros empregos que poderão estar em risco segundo observadores mais atentos desta tecnologia emergente: contabilistas, especialistas em marketing e analistas de pesquisa de mercado, trabalhadores no setor do retalho e mesmo quem trabalha as tecnologias de informação (TI) por exemplo no desenvolvimento de software. Assim, a maioria dos empregos que incluam tarefas repetitivas e manuais ou trabalhadores com conhecimento e funções específicas, em domínios únicos ou por exemplo trabalhadores físicos irão desaparecer. Segundo a projeção da Forrester, a IA eliminará 29% de todos os empregos nos EUA ao passo que criará somente o equivalente a 13% até 2030.
Assim sendo, a que nos podemos agarrar, num futuro laboral que se prevê avassaladoramente diferente do que o que conhecemos hoje? Há aqui um sentido de urgência: é preciso, primeiro que tudo, sinceridade por parte dos executivos das empresas com os seus funcionários sobre o impacto da IA nos seus trabalhos e investir em programas de treino corporativo. Para além disto, se os empregos supracitados tenderão a desaparecer, então quais sobreviverão e ascenderão – para além do próprio e óbvio setor da IA? No estudo da consultora McKinsey & Co, Skill Shift: Automation and the future of the workforce "A demanda por habilidades cognitivas mais altas como a criatividade, o pensamento crítico, a tomada de decisão e o processamento complexo de informações crescerá até 2030" pelo que nos próximos 10 a 15 anos a IA "transformará o local de trabalho à medida que as pessoas interagem com máquinas cada vez mais inteligentes". Apesar disto, a IA tem ainda o obstáculo de ser bastante dispendiosa, e há valores humanos que se perdem – o próprio relacionamento afetivo e um trabalho cognitivo mais profundo onde o homem será ainda valorizado independentemente do poder da máquina. Com mais ou menos previsibilidade, numa perspetiva mais otimista ou mais Forrester, a verdade é que os próximos tempos deverão ser de grande adaptação humana, num mundo transformativo onde a expansão da IA ainda agora começou.