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Haverá vida em Marte? A nova corrida ao Planeta Vermelho

A cientista espacial Maggie Aderin-Pocock fala sobre a série de missões que descolaram rumo a Marte.

Foto: Moviestore Collection Ltd/Alamy Stock Photo/Fotobanco
06 de novembro de 2020
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Se olhar para cima e a noite não estiver nublada, poderá ver Marte, com o seu brilho avermelhado, entre a meia-noite e o nascer-do-sol. É a altura perfeita para os amantes de estrelas, e no último verão, a febre marciana esteve bem alta. Recentemente, assistiu-se a diversos lançamentos para levar orbitadores, veículos não-tripulados e até um helicóptero ao Planeta Vermelho, aproveitando uma "janela de aproximação máxima" entre a Terra e o seu vizinho, que ocorre a cada 26 meses.

Teve início uma nova corrida espacial entre um grupo improvável de países e todos querem desvendar os mistérios do planeta. Se tudo correr conforme planeado, haverá mais razões para ficarmos entusiasmados no início de 2021, quando estas missões chegarem ao seu destino e começarem a enviar dados para casa.

O primeiro país a lançar foi os Emirados Árabes Unidos (E.A.U.) — o miúdo novo do grupo no que diz respeito à exploração espacial. No dia 20 de julho, a sua nave espacial al-Amal ("Esperança") iniciou a viagem de 482 milhões de quilómetros até Marte, partindo da Terra no Centro Espacial Tanegashima, no Japão, a bordo de um foguete japonês H-IIA. A al-Amal irá procurar ligações entre o clima marciano atual e o seu clima passado e espera ser a primeira expedição a fornecer uma imagem completa da atmosfera do planeta. A sonda orbitará Marte a partir de fevereiro de 2021, bastante a tempo das comemorações do 50º aniversário da fundação dos E.A.U., em dezembro de 2021.

O segundo foi a China. No dia 23 de julho lançou, com sucesso, o Tianwen-1, composto por um orbitador, um módulo de aterragem e um veículo não-tripulado, para procurar sinais de vida no planeta inóspito. É um projeto bastante ambicioso para outro participante relativamente novo no jogo da exploração espacial. A China estreou-se em 2007 e conta com uma série de missões lunares bem-sucedidas desde então. Em 2011, tentou enviar um orbitador para Marte, mas essa sonda foi declarada perdida quando o foguete russo a bordo do qual viajava não ganhou impulso suficiente para escapar à órbita terrestre. Desta vez, a China usou o seu próprio veículo de lançamento, o Long March 5.

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Os profissionais experientes da NASA não estão muito atrás. Há décadas que a agência espacial norte-americana tenta concretizar uma missão tripulada ao Planeta Vermelho. Em 2017, o Congresso aprovou uma proposta de lei para levar uma pessoa a Marte até 2033, com a ambição de fundar uma colónia.

A NASA tem muita experiência em levar equipamento até Marte. Não é uma tarefa fácil. Partindo do pressuposto de que a nave atinge a órbita do Planeta Vermelho, a fase mais complicada ainda está por vir. Qualquer módulo de aterragem tem de sobreviver àquilo que os cientistas espaciais chamam "os sete minutos de terror" — o tempo que se demora a atravessar a imprevisível e rarefeita atmosfera marciana e chegar à superfície a uma velocidade que permita a sobrevivência.

O rover Curiosity, um veículo todo o terreno que aterrou em Marte em 2012, utilizou uma combinação de propulsores, paraquedas e guindaste aéreo– um dispositivo de descida movido por um foguete – para aterrar em segurança. Passados oito anos, ainda está a recolher dados. Em 2013, o Curiosity encontrou provas de condições outrora favoráveis à vida microbiana. Foram grandes notícias. A missão Mars 2020, da NASA, lançada no final do mês passado, irá investigar mais aprofundadamente essas descobertas. O novo rover, o Perseverance, irá em busca de sinais de vida passada e o helicóptero robótico Ingenuity será a primeira aeronave a tentar o voo propulsionado noutro planeta.

Marte fascinava-me quando eu era pequena, na década de 1970, porque era um dos poucos sítios do sistema solar que eu achava ser possível visitar no meu tempo de vida. Li muita ficção científica e a ideia dos marcianos ainda pairava no ar. Ainda acalento o meu sonho louco de lá ir, mas agora é mais parecido com um plano de reforma – uma viagem de ida ao planeta para fazer descobertas. À semelhança de Matt Damon, no filme O Marciano (2015), vejo-me a passar os dias a cultivar alimentos em estufas especializadas. Ao contrário de Damon, espero usar um adubo mais convencional.

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Pronto, sou uma cientista espacial, não uma astronauta, mas uma rapariga pode sonhar. Hoje vou ser coapresentadora de uma edição especial sobre Marte no programa The Sky at Night, para a qual mergulhámos nos arquivos para ver quão radicalmente o nosso conhecimento de Marte mudou ao longo dos 63 anos da história do programa. Quando o primeiro episódio foi transmitido, em 1957, muitas pessoas acreditavam que havia marcianos – uma raça de seres inteligentes e civilizados – no planeta. Isto devia-se, em parte, às observações do astrónomo italiano de finais do século XIX Giovanni Schiaparelli, que afirmou ter detetado uma rede densa de estruturas lineares na superfície de Marte, à qual chamou canali (canais), bem como mares e continentes. Estas observações foram feitas através de um telescópio e desenhadas após horas de escrutínio.

Alguns anos mais tarde, o astrónomo norte-americano Percival Lowell, depois de observar o crescimento e diminuição sazonais das calotas polares do planeta, concluiu que os canali eram canais de irrigação, usados para transportar água dos polos para as regiões equatoriais. No seu livro Mars and Its Canals (1906), Lowell escreveu: "O facto de Marte ser habitado por algum tipo de criaturas, de uma espécie ou outra, pode ser considerado tão certo como o facto de não sabermos que criaturas são".

A ideia romântica – e por vezes assustadora – de haver vida inteligente no nosso planeta vizinho persistiu ao longo da era espacial e, mesmo nessa altura, muitos astrónomos mantiveram a crença na existência de marcianos. Em 1965 a nave espacial Mariner 4, da NASA, fez a sua última aproximação e enviou-nos 21 imagens com grão de uma superfície estéril, sem quaisquer sinais de vida. A ausência de atividade extraterrestre foi atribuída ao facto de as imagens serem apenas uma minúscula amostra da superfície do planeta. Investigações futuras deveriam fornecer mais informação.

Ao longo da década seguinte, outras missões chegaram a Marte. Tanto os E.U.A. como a U.R.S.S. conseguiram aterrar módulos na superfície do planeta e recebemos imagens mais detalhadas dos orbitadores. As especulações continuaram. Estariam aquelas áreas escuras cobertas por vegetação? Poderiam aqueles afluentes secos provar a existência de água? Seria a vida em Marte ainda possível? Foi então, em 1975, que não um, mas dois módulos de aterragem da NASA sobreviveram aos sete minutos de terror e a sua análise não revelou quaisquer formas de vida detetáveis no solo vermelho de Marte. O sonho de encontrar vida no planeta parecia ter morrido e os cientistas soviéticos e a NASA puseram os seus programas de Marte na gaveta.

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Foi um meteorito com quase 2 quilos descoberto na Antártida que voltou a pôr Marte no radar. Denominada Allan Hills 84001, pensa-se que a rocha tenha quatro mil milhões de anos e seja originária de Marte. Análises realizadas em 1996 revelaram algo que se parecia com restos fossilizados de bactérias — formas de vida marcianas. O presidente Clinton anunciou as descobertas na televisão e, embora tenham sido postuladas explicações alternativas para as estruturas, a ideia de haver vida antiga e extinta em Marte apelou à imaginação dos cientistas e do público.

A descoberta de vida em redor de fontes hidrotermais nas profundezas do nosso próprio planeta abriu a porta à possibilidade de haver organismos a viver sob as condições duras de Marte. Se havia criaturas que prosperavam num dos ambientes mais agressivos da Terra, talvez pudesse existir vida em Marte, muito abaixo da sua superfície banhada pela radiação.

Reabriu assim a caça à vida, desta vez abaixo do solo, nas fendas e reentrâncias onde pudesse haver água. Talvez pudéssemos encontrar provas de ter existido vida num passado distante, quando a água ainda corria e as condições eram mais hospitaleiras.

Desde 1996 que voltou a haver um fluxo relativamente regular de orbitadores, módulos de aterragem e veículos não-tripulados para o Planeta Vermelho. Uma das missões mais bem-sucedidas depositou os veículos não-tripulados gémeos Spirit e Opportunity, da NASA, em Marte em 2004. O Spirit vagueou sobre a superfície do planeta até ficar encalhado na areia em 2009, mas continuou a transmitir dados como sonda imóvel até perder o contacto com a Terra em março de 2010. O veículo não-tripulado Opportunity manteve-se operacional durante quase 15 anos. Esta demanda por provas de vida dura até aos dias de hoje, embora tenhamos limitado as nossas expetativas quanto ao que poderemos encontrar. Desistimos dos homenzinhos verdes.

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A grande esperança é que, um dia, formas de vida possam prosperar em Marte e que essas formas de vida sejam humanas. A ideia de colonizarmos o nosso vizinho não é assim tão disparatada como possa parecer. Embora o planeta mais parecido com a Terra em termos de tamanho e gravidade seja Vénus, Marte é muito mais indicado para alojar vida humana. A temperatura e a exposição solar na superfície do planeta são mais próximos dos da Terra do que qualquer outro sítio do sistema solar. No entanto, isso não significa que seja instantaneamente habitável. A radiação e os níveis de oxigénio de apenas 0,16 porcento (temos 21 porcento aqui na Terra) significam que os seres humanos teriam de viver dentro de edifícios pressurizados, protegidos das temperaturas extremas e com uma atmosfera artificial respirável. A água potável teria de ser transportada até lá ou fabricada in situ. Uma das possibilidades é os seres humanos viverem no subsolo, em grutas ou em túneis vulcânicos. A NASA já começou a cartografar os melhores locais.

Há outros projetos comerciais em curso que pretendem ser acessíveis e exequíveis com a tecnologia atual. A empresa SpaceX, de Elon Musk, tem o "objetivo aspiracional" de levar os primeiros seres humanos a Marte até 2024. Os astronautas voariam a bordo da nave SpaceX Starship — uma transportadora interplanetária já em desenvolvimento. Musk diz haver 70 porcento de probabilidades de ele próprio viajar até Marte no seu tempo de vida e imagina que, um dia, haverá colónias compostas por dezenas de milhares de pessoas.

Há outro projeto que dá pelo nome de Mars Base Camp, encomendado pela NASA à Lockheed Martin, fornecedora dos setores aerospacial e da defesa. O seu objetivo é transportar equipamento e astronautas para um laboratório científico instalado na órbita de Marte utilizando propulsão gerada por energia solar, com a ambição de levar seres humanos até ao planeta na década de 2030. Apesar do investimento significativo, projetos como este ainda terão de superar muitas dificuldades, nomeadamente manter os astronautas seguros e saudáveis ao longo da sua viagem de seis meses.

Os planos dos E.A.U. para Marte vão muito para além do orbitador al-Amal. Se as animações em vídeo da sua agência especial forem um bom indicador, os E.A.U. esperam ter uma grande colónia em Marte até 2117. A NASA, a Agência Espacial Europeia e a Administração Espacial Nacional Chinesa pretendem criar bases no planeta.

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Para além da curiosidade e do estudo científico, as razões para colonizar Marte incluem o interesse económico nos recursos do planeta e a possibilidade de colonização, que poderia permitir aos seres humanos evitarem a extinção no futuro. Que lições deveremos aprender antes de corrermos até lá? E será que a confirmação da existência de vida impediria estes planos? Depois de vermos os efeitos que um vírus pode ter sobre a raça humana, talvez o facto de não termos encontrado vida em Marte até à data seja uma coisa positiva. Talvez isso signifique que existe, algures, um futuro para todos nós.

Maggie Aderin-Pocock/ The Times/Atlantico Press

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