Expetativas, quem não as tem? Ou, pelo menos, quem nunca as teve? Segundo o dicionário, a palavra expetativas pode significar: 1. o acto ou efeito de expectar, ou espera; 2. Esperança baseada em supostos direitos, probabilidades, pressupostos ou promessas; 3. Ação ou atitude de esperar por algo ou por alguém, observando, ou ainda, esperança. Comentei com a minha melhor amiga de que estava a trabalhar neste tema e ela, que é uma mulher racional quanto baste, dizia-me: "Eu nunca fui de criar expetativas. Sempre tive a certeza de que as expetativas podiam ser uma fonte de desilusões, então, em campo nenhum da minha vida eu alguma vez as criei". E rematou: "A única vez que desenvolvi expetativas foi relativamente a uma viagem que eu ia fazer e na qual depositei um monte de… expetativas. E, adivinha… Foi a pior viagem de sempre. Correu tudo ao contrário do esperado". Eu, por meu turno, habituei-me a conviver com as expetativas desde muito cedo.
Para todo o cenário possível que me aparecia à frente, eu montava um castelo encantado. A vida, de seu lado, foi-me mostrando que não havia nada de positivo em criar-se expetativas. De decepção em decepção, assim fui entendendo o seu (não) papel. Por um lado, um conceito nulo e inútil não servindo para rigorosamente nada, senão encher-nos de desilusões — note, se houve uma desilusão é porque antes foi criada uma ilusão; Por outro, uma forma de auto-conhecimento já que, de cada vez que a vida nos tira o tapete, há uma lição por detrás a ser tirada ou aprendida – mas isto sou eu a ser otimista, uma ideia bem diferente daquele pelo qual se define uma expetativa. Mas já lá vamos, ao otimismo. Então, por que é que há pessoas que criam expetativas por tudo e por nada e outras que nem sequer incluem esse conceito no dicionário das suas vidas? "As expetativas estão intimamente ligadas à auto-imagem de cada pessoa. À capacidade que cada pessoa tem de analisar a situação em que está inserida. E isto tem tudo a ver com as questões da auto-estima", revela o psicólogo António Tomás. E, contra aquilo que eu julgava que se fosse seguir (lá está, contra as minhas expetativas relativamente à explicação que aí vinha), aquele psicólogo prossegue: "Se a pessoa tiver uma auto-estima saudável, o mais natural é que saiba reconhecer as suas dificuldades e fragilidades, bem como as suas mais-valias. O que acontece é que, a partir daí, consegue delinear um plano daquilo que irá, ou não, ter a capacidade de fazer.
Quando se tem uma auto-estima mais fraca, a tendência para se tentar validar a si próprio através de feitos que se acha que se vai conseguir alcançar ou que, pelo menos, se deseja muito conseguir, pode levar à criação de expetativas muito elevadas. Para não dizer irrealistas. Ou seja, quando se espera que seja o exterior a validar os feitos (típico de alguém com uma fraca auto-estima), existe uma tendência para se colocar metas e objetivos muito elevados. O resultado é uma sensação de fracasso gigantesco. E isto acaba por se tornar numa armadilha e num ciclo vicioso: quanto mais a pessoa se põe em causa, mais vai querer desenvolver planos ambiciosos como forma de tentar desfazer a ideia de que é um ‘fracasso’". No fundo, o que aquele psicólogo sugere é que, quando uma pessoa sabe reconhecer aquilo que tem de bom e de menos bom, consegue criar uma expetativa de acordo com isso. Logo, o risco de dissabor é menor ou até inexistente. A pessoa não fantasia com um resultado que, à partida, não virá, e pode, inclusive, nem sequer se propor a certo tipo de planos – reconhece, de imediato, que não são realistas. E o leitor pergunta, tal como eu questionei: "Então mas o que é isso de se ter uma boa auto-estima versus uma má auto-estima, no campo das decisões?". António Tomás elucida: "Auto-estima é termos a capacidade de gostarmos de nos próprios tendo uma consciência realista daquilo que possuímos de bom e daquilo que temos de menos bom. É saber como nos consegui mos definir. É ter uma ideia de quem somos, sem falhas ou sem fantasias à la super-homem. É ter a sinceridade e a humildade de sabermos reconhecer forças e fraquezas".
Há uma linha que separa as expetativas do otimismo
"As minhas expetativas ficaram reduzidas a zero quando eu tinha 21 anos. Tudo o que veio a partir de então foi um bónus". As palavras são de Stephen W. Hawking (1942-2018), numa entrevista à New York Times Magazine, com data de 2004. Com apenas 21 anos de idade, e após uma queda de patins, o famoso fisico inglês foi levado ao médico que o diagnosticou com esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença degenerativa que iria, progressivamente, paralisar os seus músculos e que, segundo o médico, o levaria à morte num máximo de três anos. Perante os factos da vida de Hawking, torna-se fácil entender a afirmação acima e ainda mais claro perceber-se de que não haveria expetativa possível no cenário de vida que lhe havia sido traçado. Porém, na mesma citação o físico cita também o termo bónus. No dicionário de sinónimos, um bónus é tudo o que é um acréscimo, um lucro, uma vantagem, uma bonificação ou uma gratificação. É, no fundo, tudo aquilo que surge sem se estar à espera. Sem expetativa, portanto. Acontece que um bónus não surge se permanecermos de braços cruzados. Uma gratificação pode muito bem não ser resultado de uma expetativa que se criou – não o é. No entanto, será, certamente, consequência de muito trabalho (e, no caso do físico, de muita genialidade), bem como de um espírito otimista necessário. "Não se pode confundir expetativa com otimismo", alerta António Tomás. "O otimismo é como um wishfull thinking: ‘Existe um cenário que seria bastante ideal para mim se acontecesse’. É um pensamento positivo em relação a algo, mas que mantém o ‘se’, que é como se fosse o pé assente na terra." E explica que, mesmo dentro do otimismo, há quadros patológicos que ligam o otimismo extremo ao perfeccionismo: "O pensamento perfecionista enraizado tenta evitar, a todo o custo, a falha e só vê para si um resultado perfeito. [As pessoas patologicamente otimistas] são, por norma, pessoas muito duras consigo mesmas que, quando os resultados ficam aquém daquilo que estavam à espera, vêem-se obrigadas a lidar com sentimentos muito penosos, tais como a frustração, a vergonha e ainda com pensamentos auto-depreciativos…".
O otimismo, numa dose saudável, é pertinente. É um motor para a vida, convém apenas que seja tomado em doses saudáveis. Ou seja, doses que tenham em conta a realidade e, acima de tudo, que compreendam que na realidade há muita coisa que não controlamos – na verdade, praticamente nada. "Há três conjuntos de coisas na nossa vida. Primeiro, as coisas que controlamos, que representam 10% da nossa vida. Nelas inserem-se ações, como por exemplo, ‘o que vou comer ao pequeno almoço’, ‘se corto o cabelo ou não’… Depois, aquelas que, através da nossa ação, conseguimos, de certa forma, influenciar. Estas são cerca de 20 a 30% e representam ações, tais como, ‘se me levantar mais cedo é provável que chegue ao trabalho a horas, ou ‘se me alimentar melhor é menos provável que fique doente’. Por fim, temos aquelas coisas que não controlamos de todo e que representam 60 a 70% da nossa vida: porque vivemos numa sociedade rodeados de pessoas com vontades próprias e aleatórias; porque não controlamos o tempo, o trânsito, se algo se vai avariar, se o autocarro vai atrasar, etc. Grande parte da nossa vida nós não controlámos", continua o psicólogo. Perante tais factos, induz-se que, ao estabelecermos um plano ou um objetivo, é fundamental que a realidade seja tida em conta. O que acontece, tal como relata António Tomás, é que, na maioria das vezes as pessoas têm as proporções acima todas trocadas.
Quem cria expetativas ou quem é patologicamente otimista não toma em consideração as coisas que não consegue controlar que representam, tal como podemos constatar, praticamente o bolo todo da vida. Inclusivamente no relacionamento com os outros – o facto de eu gostar muito da minha mulher ou do meu marido não me garante que vamos viver felizes até aos 80 anos. O guru indiano, Osho, disse que "uma vez que você abandone as expetativas, você aprendeu a viver". É certo que, tal como em muita coisa nesta vida, uma afirmação assim é easier said than done. Porém, há uma verdade que ninguém nos tira e que pode evitar muitos dissabores: é que quanto menos as expetativas, menores as decepções.