"Tinha percorrido um longo caminho para chegar a este relvado azul e o sonho deve ter-lhe parecido tão próximo, que dificilmente escaparia à sua posse", é a citação de O Grande Gatsby que Bill Gates escolheu para mandar gravar na abóboda da sua biblioteca, em Seattle. Foi Gates quem a escolheu, disse-me certa vez, porque todo o cortejar de Gatsby à sua bem-amada Daisy fazia-lhe lembrar – a ele e a Melinda – o seu próprio namoro.
E não é que ele quase teve mesmo tudo. Multimilionário por volta da altura em que chegou aos 31 anos, o brilhante cromo-programador sempre pareceu acertar em tudo à primeira. A sua empresa, a Microsoft, liderou o boom tecnológico, mas ser o homem mais rico da época não era suficiente. Telas pintadas, iates e aviões a jato depressa o aborreciam – ele queria, além de tudo o mais, salvar o mundo. Nas três décadas seguintes, doou mais de 50 mil milhões de dólares [perto de 48 mil milhões de euros, à cotação atual] para erradicar a poliomielite, eliminar a malária e salvar milhões de vidas. Além disso, também desenvolveu uma reputação de profeta, tendo sido um dos primeiros a alertar o mundo para as alterações climáticas e para a pandemia global.
Mas era o seu casamento com Melinda que o distinguia de todos os outros gigantes de Silicon Valley, Bezos, Zuckerberg e Musk. Bill e Melinda, agora com 66 e 57 anos, pareciam ser o casal perfeito. Da primeira vez que me encontrei com Melinda French Gates, há cinco anos, em Seattle, falámos sobre Bill e sexo. "Obviamente que eu, sem dúvida nenhuma, uso contracetivos", disse-me ela, sublinhando os efeitos transformadores do controlo de natalidade nos países em vias de desenvolvimento. "Todos os anos, mais de mil milhões de casais mantêm relações sexuais e sim, não surpreendentemente, nós também." Os dois pareciam adorar-se um ao outro. Tinham escritórios de vidro a condizer e com secretárias iguais, também. Todos os dias iam de carro para casa a discutir géis vaginais e sistemas de esgotos e como salvar o mundo. Ela não era apenas uma qualquer mulher-troféu. Tinham três filhos, Jennifer, de 26 anos, Rory, de 22, e Phoebe, com 19, e haviam criado a Fundação Bill & Melinda Gates, tornando-se os maiores filantropos do mundo.
A licenciada em Economia e Ciências Informáticas, e ex-funcionária da Microsoft, costumava provocar o marido quando ele se punha com ares demasiado pomposos e mantinha-o normal e com os pés assentes na terra. "Ele cumpre as tarefas que lhe competem, leva os miúdos à escola, passeia os cães", disse-me ela. Este é o mesmo homem que, enquanto cofundador e diretor executivo da Microsoft, admite: "Decorei o número mecanográfico de todos os meus empregados, para poder verificar a que horas estavam a sair todas as noites". Mesmo passados sete anos, os dois não conseguiam decidir se deviam ou não casar-se e ele fez uma lista de prós e contras num quadro branco.
Onde ele é mais dado a factos e estatísticas, ela é mais coração e emoções. "Mas bem no seu âmago existia aquela pessoa muito meiga, com bom-coração e curiosa", disse Melinda. Para relaxarem, os dois costumavam fazer meditação. "Nada de pernas cuzadas ou coisa assim, mas em cadeiras, junto um do outro", explicou-me o Bill certa vez. E os dois também criaram juntos um clube literário.
Ele parecia ter tido sorte na vida "e no amor, também", disse Gates. O seu casamento durou 27 anos. Foi então, que há um ano, inesperadamente, a Melinda e o Bill anunciaram que iam separar-se. De repente, tudo pareceu desmoronar-se. Gates foi acusado de ter passado tempo com o financeiro e abusador sexual Jeffrey Epstein antes de este ter morrido, um homem que Melinda apelidou de "o mal personificado", e havia rumores de que ele poderia ter sido infiel. De um dia para o outro, passou de santo a pecador.
Como é que ele pôde ser tão descuidado? Entrevistei Gates cinco vezes ao longo dos últimos anos, em Londres, Etiópia e Seattle. É um homem difícil de não se gostar, já que nos bombardeia entusiasticamente com números e gráficos. Nunca parece arrogante, apesar de ser obsequiado por primeiros-ministros e presidentes. É meticuloso e cortês, o pessoal que trabalha para ele adora-o, a sua mente está constantemente em turbilhão, enquanto vai rabiscando gatafunhos e desenhos num bloco de notas, embora espere, de facto, que toda a gente acompanhe o seu ritmo.
Agora iria entrevistá-lo em Nova Iorque. Perguntava-me se iria encontrar um homem diferente. Estaria ele penitente ou cauteloso? Supostamente iriamos discutir os seu mais recente livro, Como Prevenir a Próxima Pandemia. Ele continua a adorar gadgets. Antes do nosso encontro, envia-me um teste de covid superelaborado, com baterias e tubos de ensaio. Quando nos encontramos, no hotel onde está hospedado e onde vai promover o seu livro, ele aparenta ser o mesmo, usando a sua indumentária favorita de pulôver com decote em vê, calças de sarja e mocassins, e trazendo uma mala-tote cheia de material de leitura.
"Teve um último par de anos bem cheio", aponto eu. "Não apenas o seu casamento se desfez, como o seu pai morreu e, enquanto tentava salvar o mundo de uma pandemia, foi atacado por anti-vacinas."
Ele faz um pausa. "Tem sido bastante dramático", admite ele. "Mas a parte mais estranha tem sido os miúdos a saírem de casa. A mais nova acaba de ir para a universidade. Ela tinha sempre dez amigos lá por casa. À medida que vou saindo da pandemia e nós regressamos ao ‘normal’, as coisas na verdade estão bastante diferentes." A filha mais nova, acrescenta ele, acaba de passar por Nova Iorque para o ver: "Por isso, eu ainda consegui fazer umas quantas equações diferenciais sobre modelos de infeções com ela. Gostei imenso de fazer isso".
Mas a vasta casa deles em Seattle, de repente, parece estar muito vazia. "A minha mulher também passou para outra fase, portanto vou ter imensos jantares interessantes lá em casa. Calculo que terei vários peritos à mesa diversas vezes por semana. Tenho uma casa agradável, que se presta a discussões fantásticas. Mas dá a sensação de ser grande demais, a maior parte do tempo. Eu sou apenas uma pessoa de pequena estatura."
Xanadu 2.0, a casa dos Gates, em Seattle, cobre pouco mais de 6.130 metros quadrados e tem 18 casas de banho, uma praia cheia de areia vinda das Caraíbas e um dos cadernos científicos de Leonardo da Vinci. Os Gates passaram aqui a maior parte da pandemia, juntamente com os filhos. Phoebe até o convenceu a publicar no TikTok um vídeo com os dois a dançarem uma música de Harry Styles. O Bill, nitidamente, adora ser pai. "A minha mais velha está na faculdade de Medicina, por isso há toda a espécie de coisas divertidas para falar. O meu filho do meio estuda Relações Internacionais, por isso ele e eu temos conversas intermináveis, e a minha mais nova é a que está mais atualizada no que toca a canções, gente e websites. É fantástico. Sinto falta da confusão e do barulho. Eu próprio não faço lá muitas tarefas domésticas, mas nos dias normais era sempre eu quem lavava a loiça, porque isso era uma coisa que eu era bom a fazer, e um dos miúdos ajudava-me. Agora é ou ir ao restaurante ou entrega ao domicílio ou alguém que vem e ajuda no que for preciso."
Durante grande parte dos últimos dois anos, salienta ele, tem andado focado em vencer a covid. A capacidade de Gates para adivinhar o futuro sempre foi estranha, portanto não ficou surpreendido quando uma doença misteriosa em Wuhan obrigou o mundo inteiro a confinar-se. Há três anos, o que é que o mantinha acordado à noite. "A ideia de uma pandemia", respondeu imediatamente. Ele até deu uma conferência em formato TED Talk, em 2015, alertando para a hipótese de um supervírus. Todos nós descartámos as preocupações dele, na altura. Agora, deve sentir-se justificado. "Se a pandemia não tivesse acontecido, teria sido um TED Talk bastante obscuro. Agora foi visto 43 milhões de vezes. Toda a gente que trabalha com doenças infecciosas tem um receio enorme de vírus respiratórios transmissíveis ao homem. Quanto mais as pessoas viajam e mais acentuada é a interação entre as espécies selvagens e os seres humanos, maior é o risco do tipo de doenças zoonóticas interespécies.
O seu TED Talk previu 30 milhões de mortes e 10 biliões de dólares (9,5 biliões de euros) de prejuízos económicos. "É quase estranho quão perto aquela demonstração, em concreto, que eu dei ficou perto da situação real", diz ele. O seu mais recente livro foca-se em como prevenir outro fiasco e deve ser de leitura obrigatória para todos os líderes. "Poucas gerações sobrevivem a eventos que provocam biliões de dólares de prejuízos e dezenas de milhões de mortes. Um sismo nunca fez isso, ou um incêndio e, no entanto, nós estávamos mais preparados para eles. Gastamos milhares de milhões de dólares por ano em defesa, mas quase nada em pandemias."
Gates passou horas a estudar estatísticas relativas à resposta de cada país ao vírus: "Sou um homem de dados." Austrália, Nova Zelândia e Coreia do Sul responderam bem no início. Mas ele ficou muito bem impressionado com o Vietname pelo seu sistema de saúde, notificações por mensagem e 98% de cobertura de vacinação. "É uma exceção anómala", diz ele. Gates é fã dos confinamentos, mas diz que países como a Suécia são complicados, porque, apesar de terem regras permissivas, a população comportou-se responsavelmente, como se tivesse estado sujeita a confinamento, ao passo que os EUA foram mais rigorosos, mas tiveram piores taxas de cumprimento. "E Hong Kong é um exemplo raro onde foi feito um trabalho excelente com os confinamentos, mas que deu origem a um sentido de afrouxamento no que toca à vacinação daqueles que para quem o risco era maior. Entraram na [vaga] Ómicron com uma taxa de vacinação de 35% das pessoas com mais de 65 anos, o que é gritante." Enquanto isso, o Japão é um caso único, "devido à sua obsessão com o uso de máscaras. Tem a população mais velha [do mundo], mas tem sorte, porque as pessoas também são magras e muitos dos riscos de morte também estão associados à obesidade e diabetes."
Desde o início que Gates, que tem os melhores epidemiologistas e diretores executivos de farmacêuticas do mundo nos acessos rápidos do telemóvel, acreditou que uma vacina era a melhor forma de travar a epidemia e começou a preparar-se para a sua produção. "Eu pensei que as conseguiríamos obter mais depressa e nós fizemo-las mais baratas. Dou a nós próprios nota B+ pelas nossas vacinas – têm sido a nossa melhor arma. Até a [chinesa] Sinovac e a vacina russa funcionou bastante bem", diz ele. "Já o tratamento tem constituído a maior deceção."
Gates parece tratar o vírus como um inimigo e a pandemia como uma guerra. "Vejo, de facto, isto como uma batalha e o vírus como nosso adversário. Estou constantemente a interrogar-me se ele foi mais esperto do que nós e como é que ele nos está a passar a perna. Isto devia ser mais fácil do que uma guerra, uma vez que nós estamos todos a partilhar conhecimento e a ajudar-nos uns aos outros", diz ele, "mas tem sido mais fraturante do que eu pensei".
No seu livro, ele sugere: "Observem os cuidadores e os voluntários". Algumas pessoas foram avarentas e egocêntricas, outras altruístas. "Em termos de natureza humana, vimos que a pandemia trouxe ao de cima o melhor e o pior das pessoas. Haverá sempre algum grau de pânico e egoísmo, açambarcamento, aproveitamento, pessoas e países que pensaram que podiam obter as vacinas primeiro que os outros. Vacinámos muitos jovens em países desenvolvidos antes de idosos na América do Sul e em África. Agora o mundo tem uma oferta excedentária."
Como tecnófilo que está convencido que a tecnologia pode resolver qualquer problema, deve ter sido difícil ver as pessoas comportarem-se, muitas vezes, tão irracional e contrariamente aos seus próprios interesses, em especial quando se tornou o alvo da ira dos anti-vacinas. Quando fez um discurso, no mês passado, os manifestantes saíram à rua em bandos. "Felizmente, perceberam mal o dia, por isso desencontrei-me deles. A ideia de que eu seria apontado como alguém que, de algum modo, desempenhando um papel nefasto no que toca a esta pandemia, isso eu não previ. Sim, eu trabalho no mundo das vacinas e tenho imenso dinheiro. Mas – está a ver? – alegar que eu controlo o corpo das pessoas é bizarro."
E o que é que ele diz aos amigos que não querem ser vacinados? Se não te vacinares, não quero estar contigo? "Sim, a coisa está a ir de ‘Não quero ver ninguém’ a ‘Só quero estar com gente vacinada’." Ele recusa-se a chamar aos não-vacinados egocêntricos, embora ache difícil compreender por que razão toda a gente não haverá de querer proteger-se a si própria.
Gates está também preocupado com o facto de outros programas de vacinas poderem sofrer com isto. "Se a bizarrice da perspetiva das vacinas da pandemia alastrar, por exemplo, à vacina contra o sarampo nos países em vias de desenvolvimento, onde o sarampo ainda mata 140.000 miúdos por ano, isso será trágico."
A recusa de algumas pessoas em usar máscara também o deixa perplexo. "O nível a que as máscaras bloqueiam a transmissão e a infeção é realmente incrível. A coisa mais arriscada que eu fiz durante toda a pandemia foi quando fui à conferência CoP 26, em Glasgow, quando o índice de infeção estava bastante elevado. A adesão à máscara era bastante grande quando estávamos lá fora, na rua, mas assim que entrávamos para os cocktails, toda a gente se punha a beber sem máscaras. Era uma loucura. Pelo menos, eu já tinha três doses de vacinação."
Ele nunca apanhou covid [pouco depois da publicação desta entrevista no The Times, Gates revelou foi infetado com a doença]. Em parte, deve sentir curiosidade pela ideia de finalmente conhecer o seu adversário. "Agora já só estou a fazer, tipo, dois testes por semana e se me sentir um pouco em baixo. As minhas duas irmãs e os maridos não a apanharam, nem a Melinda ou algum dos meus três filhos apanharam a doença também. E pelo menos um deles nem sequer foi supercuidadoso."
Será que Bill violou regras, organizou raves, partilhou malas de vinho ou bolos de aniversário com colegas? "Eu só tomei a vacina quando chegou a minha vez. Agora estou a aprender como dar as minhas próprias festas, mas não dei nenhuma nestes últimos dois anos. Penso que a maioria das pessoas se manteve dentro da sua própria bolha." O escândalo britânico do Partygate deixa-o perplexo. "Não conheço os facto particularmente bem. O que sei é que se algo parece ser hipócrita, isso adquire uma certa sonoridade para as pessoas que estão a fazer sacrifícios na altura. Por isso, eu aconselhá-los-ia a não fazerem mais festas durante a pandemia. Mas eu não sou o rezingão de serviço."
No entanto, ele sente-se, de facto, culpado por ter passado uma pandemia bem mais fácil do que a maioria do mundo. "Tive uma Internet perfeita, casas grandes, uma avião privado com risco zero de contaminação. Pude estar com os meus filhos. Outras pessoas sofreram bem mais, especialmente as pobres."
No dia em que a América pela primeira vez entrou em confinamento, há mais de dois anos, ele lembrar-se de ter deixado os escritórios da Fundação a pensar que todos os projetos que tinham estavam em risco, agora que o pessoal tinha ido para casa. "Estranhamente, foi o meu primeiro amor que me demonstrou estar errado. Muito simplesmente eles pegaram todos nos seus computadores e nós continuámos a ser 90% tão produtivos quanto antes. Passámos 2.000 milhões de dólares (cerca de 1,9 mil milhões de euros) de cheques para apoios à pandemia. E não houve um único deles em que eu dissesse: ‘Se não estivesses metido em casa, enfiado no teu pijama, terias feito bem melhor do que passar aquele cheque’." Então a Microsoft deve ter-se saído muito bem. "A Microsoft representa, tipo, sei lá, 10% ou 12% da minha fortuna. Mas as ações, em geral, portaram-se bem, portanto, sim, isso significou que pudemos doar um montante de dinheiro recorde. Com Warren Buffet [o investidor e parceiro de bridge de Gates], punha-me a conversar sobre como havíamos de conseguir pôr todos os filantropos, em especial os do setor das tecnológicas) porque a digitalização recebeu um boost gigantesco a acompanhar as compras online) a aumentar o seu nível de donativos.
Gates recusa-se a dizer quanto dinheiro ganhou durante a pandemia. "No meu caso, tem de se fazer os devidos ajustes pelo facto de eu ser então casado e agora ser divorciado, mas continuo a viver abastado, ao passo que a maioria das pessoas teve dificuldades e as economias de muitos países foram-se abaixo."
Ele considera que tanto os jovens, como os idosos, pagaram um preço demasiado elevado durante a pandemia. No seu livro sugere que as escolas devem ser mantidas abertas em todos os locais em que tal seja possível, caso venha a eclodir outro surto. "Nas cidades interiores, nos EUA, verificam-se perdas de aprendizagem que vão até dois anos – isto é uma coisa simplesmente superdramática. Houve imensos lares de idosos que se transformaram em prisões."
Uma boa liderança é o seu outro requisito crucial numa pandemia. Será que Gates considera que o mundo teve os líderes certos? Ele faz uma pausa, durante longos momentos. Gates detesta ataques pessoais e política, mesmo apesar de ser notório que ele tinha pouca paciência para aturar os presidentes Trump, Putin ou Xi. "Bem, nós perdemos uma data de bons líderes. Além de que é difícil ser líder. O mundo tem dependido dos EUA em muitas áreas, incluindo na da saúde global. Por isso, ter uma pandemia em que a infraestrutura global de saúde estava sujeita a grande pressão e os EUA, pelo meio, ainda abandonam a OMS [Organização Mundial de Saúde] e alegam que foi infiltrada pelos chineses, o que definitivamente não é verdade, isso foi complicado, porque quem é que preenche esse vazio? Os EUA não estavam muito presentes. Havia muito poucos bons líderes, muito poucas pessoas de valor a quem dar ouvidos e imensas mensagens caóticas."
À medida que o mundo emerge desta pandemia, e com uma guerra grassando desenfreada na periferia da Europa, a sensação que dá é como se estivéssemos a entrar numa nova era de fragilidade e incerteza. Será que ele continua a ser um otimista ou sentirá que a humanidade está a andar para trás? "Penso que é uma pena e, à luz dos critérios mais objetivos, é erróneo e triste que as pessoas agora se sintam tão preocupadas e nervosas quanto ao seu futuro. Até a pandemia deu origem a uns quantos grandes avanços na investigação científica e acelerou a chegada das vacinas para outras doenças."
Mas as pessoas e a política parecem ter ficado mais polarizadas e as guerras culturais tornaram-se tóxicas. "Bem, a forma positiva de ver isto é dizer que, está a ver, estamos a dar-nos melhor no que toca aos direitos das mulheres e dos homossexuais e, de momento, agora ainda ficamos desconfortáveis com os transgénero, mas havemos de nos sair melhor também aí e eu acho que a forma como as pessoas ficaram tranquilas quanto às pessoas gay está dramaticamente melhor do que quando eu era novo. As pessoas transsexuais criam complexos relativos à forma como são tratadas, aos desportos e às prisões, mas não sou um perito na matéria – não tenho dados sobre isso. A minha filha mais nova põe-me a par da terminologia e dos comportamentos. É como na turma dela, os miúdos podem ser gay, transgénero, aquilo que quiserem ser."
Aquilo que o aborrece é a forma como ele sente que as guerras culturais se tornaram uma distração. "Os políticos são eleitos para melhorar as escolas, o sistema de saúde, o sistema de justiça. Portanto, quando o que se obtém é ‘Bora lá fazer uma «lei para as casas de banho»’? Será que é mesmo nisso que se querem focar enquanto prioridade? Não estarão maioritariamente apenas a escolher uma qualquer questão limítrofe ou slogan para tentar irritar as pessoas? Porque é que não estão a falar acerca da qualidade das aulas de Matemática? Preocupo-me com o facto de os nossos políticos não dedicarem tempo suficiente a tentar assegurar que os nossos diversos sistemas funcionem sem problemas. Espero que reservem algum tempo, enquanto estiverem a levar a cabo as guerras culturais, para pensarem nestas outras coisas, que é naquilo em que eu penso o tempo inteiro."
Há alguma coisa que o impeça de dormir, neste exato momento? "Bem, espero que nunca tenhamos de lidar com bioterrorismo e com um vírus intencionalmente provocado. Mas estamos a fazer progressos noutras áreas, como na cura para o VIH. Cortámos a mortalidade infantil para metade, de 1990 para 2020, e temos uma oportunidade de voltarmos a cortá-la para metade outra vez até 2040. Estamos a fazer enormes progressos no campo da compreensão do microbioma – para o mundo rico, isso significa resolver a sobrenutrição e, para o mundo em vias de desenvolvimento, a malnutrição, portanto, isso é bastante empolgante. Depois, juntem a tudo isto alguma prevenção do Alzheimer. Portanto, apesar de toda a polarização e liderança imperfeita que temos, eu continuo a sentir muito fortemente que a condição humana está a melhorar."
E ele é assim tão positivo a nível pessoal? Numa entrevista muito franca, no mês passado, dada à CBS, Melinda disse que estava apenas a começar a sarar. E ele, sentirá que já seguiu em frente, de todo? "Ó, iá, isto é muito diferente." Ele não é conhecido por ser uma pessoa muito emotiva, digo eu. Melinda sempre foi a tagarela e emotiva. "Sei lá. Eu não sou visivelmente emotivo. Talvez algures bem lá no fundo o seja."
Leia a segunda parte da entrevista esta quinta, 26.
O livro Como Prevenir a Próxima Pandemia está editado em Portugal pela Porto Editora.
Alice Thomson/The Times/Atlântico Press
Tradução: Adelaide Cabral