O crescimento da população global poderá atingir o seu auge mais cedo e em menor dimensão do que esperado, evitando parcialmente o desgaste previsto dos recursos naturais, o que por sua vez poderá colocar os governos em situações delicadas quanto às políticas de migração e à economia. Estes são os dados revelados por um estudo recentemente publicado pela Universidade de Washington no jornal científico Lancet.
De acordo com a investigação, a Terra chegará aos 9.7 mil milhões de habitantes em 2064 e diminuirá para 8 mil milhões no fim do século, sendo que vários países como o Japão, Espanha e Itália verão a população nacional reduzida a metade, enquanto a dos países da África Sub-Sariana triplicará nos próximos 80 anos.
Os principais fatores apontados para esta diminuição demográfica são mais acesso aos métodos contracetivos e o melhoramento da educação das mulheres. Enquanto se prevê que a população do Norte de África dispare, as taxas de fertilidade deverão baixar dos 4.6 partos por mulher registados em 2017 para 1.7 em 2100. Se esta queda não acontecer, o aumento populacional será muito maior.
Christopher Murray, um dos autores do estudo e diretor do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde na Universidade de Washington em Seattle (EUA), disse numa entrevista ao jornal The Guardian que esta previsão trará consequências especialmente negativas se, por exemplo, os governos optarem por políticas que não favoreçam a imigração nem as mulheres: "as melhores soluções para manter os níveis atuais da população, o crescimento económico e a segurança geopolítica são políticas abertas à imigração e políticas que apoiem as famílias a ter o seu número desejado de filhos". "No entanto (...) alguns países podem considerar políticas restritivas ao acesso a serviços de saúde reprodutiva, com consequências devastadoras. É imperativo que a liberdade e direitos das mulheres sejam uma prioridade para os governos".
No caso da população ativa (número de habitantes que, a dada altura, fazem parte do mercado de trabalho e respetiva economia de um país, ou estão aptos para tal), estas mudanças poderão ser particularmente decisivas para os políticos. Na China, prevê-se que este grupo diminua dos 950 milhões em 2018 para cerca de 360 milhões em 2100, enquanto na Índia se preveja uma diminuição de 762 milhões para à volta de 580 milhões.
A migração deverá ser outro fator de peso no panorama futuro, sendo que sem leis que promovam a migração, estima-se que os habitantes de 23 países deverão ficar pela metade, como é o caso do Japão, a Tailândia, Itália e Espanha. "Os países teriam de cooperar a níveis inéditos... a escolha que temos é melhorar a riqueza e saúde geral ao permitir o movimento planeado da população ou acabar com uma subclasse de trabalho importado e sociedades instáveis" comentou o professor Ibrahim Abibakar, professor de epidemiologia na University College London, na mesma entrevista.
A estimativa feita por vários países até à data tem a sua origem num relatório feito pelas Nações Unidas em 2017 que sugeria que a população global fosse de 10 mil milhões em 2050 e 11 mil milhões em 2100. O estudo da Universidade de Washington teve uma abordagem diferente, concentrando-se muito mais nas possíveis mudanças dos fatores que influenciam o índice de fertilidade, como os níveis de educação e acesso à contraceção. Os autores consideraram ainda que os impactos da crise causada pelo novo coronavírus não farão qualquer diferença significativa para a população a longo prazo.
Dentro da comunidade académica, há quem conteste a viabilidade destas previsões, dada a dificuldade em calcular de forma exata as futuras tendências socioeconómicas e decisões políticas em torno da dinâmica entre a fertilidade e o acesso à educação e métodos contracetivos.