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Ei, Zuckerberg! Isto ainda não acabou

Eles processaram Mark Zuckerberg, alegando que o Facebook havia sido uma ideia sua – e perderam. Porém, serão os gémeos Winklevoss os últimos a rir?

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19 de setembro de 2019 | Danny Fortson
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Os gémeos Winklevoss têm, finalmente, algo a anunciar. Lembram-se deles? Eram os teutões de maxilares quadrados que se tornaram famosos devido ao filme de 2010, A Rede Social, no qual se queixavam de que o seu antigo colega de Harvard, Mark Zuckerberg, lhes havia roubado a ideia original do Facebook. Processaram Zuckerberg, retiraram-se discretamente depois de receberam uns míseros 65 milhões de dólares, e nunca mais se ouviu falar deles. Mark Zuckerberg tornou-se o ditador de um império de 2,4 mil milhões de pessoas que vale 500 mil milhões de dólares e tem sido acusado de provocar danos nalgumas democracias ao longo do seu caminho. Tem andado muito ocupado.

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E os gémeos? Desde o filme – que ganhou um Óscar e um Globo de Ouro, e no qual eles eram retratados como "Homens de Harvard" um pouco obscuros, uns nerds que levavam os outros a pensar que eram mais inteligentes do que na verdade eram e que vestiam hoodies – que poderiam bem ter andado a cortar lenha nos últimos nove anos porque ninguém se preocuparia com isso. Como se sabe, não foi o que andaram a fazer. Pelo contrário, os gémeos, que têm 37 anos, envolveram-se em novas travessuras. Consideram que o seu segundo ato, a sua próxima grande ideia (se acreditarmos que o Facebook foi a sua primeira) é ainda mais grandiosa. Os antigos remadores olímpicos usaram o Facebook Payoff para fazerem uma grande aposta nas bitcoins, as moedas digitais que eles dizem que farão desaparecer o dinheiro tal como o conhecemos. Cartões Gold 2.0 ou algo do género. Quando começaram a comprar discretamente o máximo que puderam, em 2012, uma bitcoin valia 7 dólares e hoje atinge o valor de 8.000. Os Winklevii, como são conhecidos em Silicon Valley, afinal ficaram multimilionários. Porém, a forma como deixaram de ser uma piada no caso do Facebook para se transformarem nas personagens centrais da moeda digital, um mundo selvagem povoado por excêntricos, multimilionários, libertários e criminosos é… surpreendente. Talvez ainda mais espantoso do que a história dos gémeos seja a pessoa que a conta: Ben Mezrich, o autor do livro no qual se baseou o filme A Rede Social. É ele o responsável pela infeliz imagem pública dos Winklevii. Em parte, a razão por que escreveu o novo livro, diz, é corrigir o que fizera antes. "Julguei-os mal", diz-me Mezrich, na véspera do lançamento do livro Bitcoin Billionaires. "Eu gostava de ter sido capaz de contar a sua história de uma forma mais completa. Penso que é fácil fazer julgamentos sobre eles, mas acho errado julgá-los."

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Enquadra a narrativa em torno da história de O Conde de Monte Cristo, descrevendo as características dos gémeos à semelhança das de Edmond Dantès, o protagonista que foge da prisão onde havia sido injustamente posto e que regressa a Paris como um homem rico, pronto para se vingar. Mezrich diz que é indiscutível que Zuckerberg estava "genuinamente apostado em tramá-los". De acordo com mensagens que foram tornadas públicas desde que o seu livro foi publicado, há uma década, Zuckerberg não escondeu o seu plano de "f**** o grupo de pessoas do site de encontros, desistindo do mesmo e abandonando-o, e disse-o muito antes de o ter feito". Os irmãos pediram a Zuckerberg para programar o site de encontros deles, o Harvard Connection, cujo nome foi mais tarde mudado para ConnectU. Ele aceitou, mas não acabou o trabalho. Ao invés, deixou os dois irmãos pendurados e lançou um site rival, o thefacebook.com, o qual incluía algumas das ideias que os gémeos tinham para a sua rede social, como a exigência de um endereço de e-mail da Universidade de Harvard, a fim de verificarem as identidades para construírem uma comunidade convergente. Zuckerberg disse numa mensagem da época:"Pode não ser ético, mas ainda assim é legal – é esta a forma como conduzo a minha vida."   O que se seguiu, mais tarde, é demasiado delicioso para se acreditar. Zuckerberg, outrora o rapaz-maravilha que a Time considerou a pessoa do ano, em 2010, por "ligar metade de mil milhões de pessoas e mudar a forma como vivemos", é hoje acusado de não passar de um autómato que corrói a sociedade. De facto, o cofundador do Facebook, Chris Hughes, no mês de maio passado, virou-se contra o seu velho amigo, argumentando que Zuckerberg era demasiado poderoso e que se devia dividir o Facebook em várias partes. Os gémeos, entretanto, por mais que pareça que acabaram de sair de uma "escaramuça de liceu", estão agora "a evoluir nesta forma revolucionária de dinheiro", acreditando que irá mudar o mundo para melhor, diz Mezrich. "Eles deixaram de ser o arquétipo dos maus rapazes. Tornaram-se revolucionários." O que os move? "Sabe, a vingança pode não ser a palavra indicada", diz Mezrich. "Mas a vida deles está muito entrelaçada com a do Zuckerberg e sentem-se traídos por ele. E essa traição galvaniza-os todos os dias."

Os Winklevii não são parvos. Quando Zuckerberg lhes ofereceu 65 milhões para desistirem do processo contra ele, em 2008, fizeram uma escolha acertada. Em vez de receberem tudo em dinheiro, 45 milhões seriam pagos com ações do Facebook. Os seus advogados, altamente bem pagos, protestaram. Um deles disse, incrédulo: "Estão loucos? Querem investir nessa estupidez?!" E eles investiram. Foi um golpe de mestre. Aqueles 45 milhões transformaram-se em 500 milhões quando o valor do Facebook disparou. Contudo, nos gémeos ainda existia uma chama latente contra a traição, disfarçada de amizade, de Zuckerberg. E estavam determinados a reescrever a narrativa. Eis o seu plano: entrarem no capital de risco para usarem o dinheiro de Zuckerberg a fim de iniciarem uma nova fase de novos-ricos – talvez até algo que matasse o Facebook. O único problema, como descobriram rapidamente, era que ninguém os queria.

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Para muitas start-ups, serem compradas pelo Facebook, as quais também começavam a percorrer o seu caminho para se tornarem monstros globais, era não só possível, mas também provável. Um dos fundadores, de 20 e poucos anos, da famosa Oasis Burger Joint, instalada em Silicon Valley, que vende hambúrgueres e batatas fritas, declarou aos gémeos que nem ele nem os seus pares trabalhariam com eles. "Pensam que os executivos vão deixar que [outros empresários] aceitem um cêntimo dos dois tipos que o Zuckerberg mais odeia?", disse-lhes ele. "Os vossos dólares não são bem-vindos." Frustrados, mais uma vez, pela sua némesis, refugiam-se em Nova Iorque. Desistiram do remo depois de competirem nos Jogos Olímpicos de Pequim, onde não ganharam qualquer medalha. Após ter surgido a notícia de que uma avaliação independente feita pelo Facebook chegara à conclusão de que o acordo feito com os gémeos estava 200 milhões de dólares abaixo do valor que lhes fora pago, os irmãos tentaram que o caso fosse reaberto. Os tribunais recusaram o seu pedido. Tudo o que poderiam fazer, assim parecia, era serem chocantemente ricos e estupidamente bem-parecidos. Amaldiçoados, os gémeos fizeram o que qualquer pessoa com amor-próprio faria nesta situação: foram para Ibiza. E foi aqui, ao som de música de dança eletrónica, no famoso nightclub Pacha, que um nova-iorquino musculado se aproximou deles: "Ei, são os Winklevii?", perguntou. Queria falar-lhes de uma "ideia revolucionária" – "a mais antiga rede social da Terra". Dinheiro. Esta situação passou-se em julho de 2012. Na altura, a bitcoin era uma ideia estranha que atraía pessoas estranhas. Foi o primeiro espécime funcional de uma moeda digital – dinheiro eletrónico que podia ser movimentado entre várias pessoas sem a necessidade de recorrer a um banco e cujas transações eram verificadas e registadas num livro-razão online partilhado, a que chamaram blockchain.

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A ideia que deu origem a esta moeda digital descentralizada e sem estar sujeita aos ditames de qualquer Estado havia surgido, uns anos antes, em outubro de 2008, num obscuro relatório publicado por alguém que assinava sob o pseudónimo Satoshi Nakamoto. O Lehman Brothers fora à falência no mês anterior. O sistema financeiro global parecia ir desintegrar-se. A confiança nas instituições, em particular nos bancos e no governo que os regulava, tinha sido abalada. Esta alternativa mexeu com muita gente à medida que a ideia deste novo tipo de dinheiro ultrapassava fronteiras, ficando fora do controlo de qualquer autoridade central. Os libertários encontravam-se entre as primeiras pessoas a adotar a nova moeda. Também os traficantes de armas e de drogas que vendiam as suas mercadorias em sites, como o Silk Road, existentes na dark web e que não aparecem quando se pesquisa no Google. Muito poucos financeiros sérios prestaram a devida atenção, apesar de a ideia ser, pelo menos teoricamente, interessante. Era este o mundo da bitcoin quando os gémeos tropeçaram nele devido a um natural de Brooklyn num nightclub espanhol. Quando regressaram aos Estados Unidos, esse homem apresentou-os a Charlie Shrem, um diminuto nova-iorquino que vivia na cave dos pais, que fumava erva e que falava muito depressa. Shrem era o fundador da BitInstant, uma das primeiras companhias que estava preparada para levar qualquer apostador a pagar dinheiro por bitcoins, o que era ainda muito difícil de obter. Após meses de pesquisa e de reflexão, os gémeos não só investiram na BitInstant, como usaram a empresa para comprar uma grande quantidade de bitcoins. A sua parceria com Shrem, que era judeu ortodoxo e menos abonado do que os seus novos investidores, era muito singular. Shrem viu neles duas coisas: dinheiro para a sua start-up e legitimidade. O nome Winklevoss pode ter sido arrastado pela lama em Silicon Valley, mas em Nova Iorque os gémeos estavam bem relacionados. Podiam ajudar a fazer sair a bitcoin da sombra. Os gémeos viram algo maior: a hipótese de se tornarem homens fortes. "Eles queriam realmente deixar a sua marca e construir algo grande", afirma Mezrich. "Era assim que se viam a eles próprios, como alguém que construía alguma coisa. Desejavam que as pessoas olhassem de novo para eles e que reavaliassem quem eles eram realmente." E Zuckerberg estava sempre presente nas suas cabeças, provocando-os com o seu sucesso. Era inevitável. O Facebook fora já avaliado em mais de 100 mil milhões de dólares. Zuckerberg havia, inegavelmente, construído algo. A bitcoin era um risco.

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Ao juntarem-se a Shrem, os gémeos também ficaram amarrados a Roger Ver, um investidor da BitInstant e criminoso condenado conhecido como o "Jesus da Bitcoin". Mudara-se para o Japão e, como não crente em estados e nações, encontrava-se no processo de desistir da sua cidadania americana. Roger Ver chamou à bitcoin a "invenção humana mais importante desde a Internet", dado o seu potencial para transformar a ordem mundial e varrer as instituições governamentais. A bitcoin iria "libertar todos os países do planeta". A visão de Roger Ver não era única. O mundo do dinheiro digital atraiu um certo tipo de fanatismo antiestablishment. E os Winklevoss? Eles eram o establishment, acreditando apenas que a bitcoin oferecia uma via mais eficiente de o gerir. E mergulharam de cabeça. Depois de terem arrebatado cerca de um por cento de todas as bitcoins em circulação, em 2012, os gémeos tornaram-se missionários. Falavam com qualquer pessoa que estivesse disposta a ouvi-los acerca das virtudes da moeda digital. Banqueiros de investimento. Grandes industriais. Funcionários do governo. Fizeram uma peregrinação nacional acerca do futuro do dinheiro, fazendo apresentações em jatos privados e salas de reuniões cujas paredes eram forradas a carvalho. A cotação da bitcoin, entretanto, flutuava, mas recuperava rapidamente de 7 dólares para 100, depois para 1000, e por aí adiante. Algumas das peculiares e marginais personagens indispensáveis à fundação do negócio, nos anos iniciais, saíram de cena. A Mt Gox, a maior Bolsa na qual se transacionava a bitcoin, foi à falência em 2014, depois de 450 milhões de dólares terem sido roubados por hackers. Os procuradores dos Estados Unidos fecharam o Silk Road, site no qual a bitcoin era a moeda de eleição. O seu fundador foi condenado a prisão perpétua por lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, entre outras acusações. A parceria dos gémeos com Shrem degradou-se. Depois de este ter gastado o dinheiro dos irmãos e de a empresa ter perdido uma licença essencial, a BitInstant fechou. Os Winklevii ignoraram os pedidos de Shrem de mais dinheiro e, em 2014, ele foi preso. Foi sentenciado a dois anos de prisão por se encontrar envolvido numa empresa, sem licenciamento, de transferência de dinheiro, acusações que estavam relacionadas com o Silk Road. Quando o valor da bitcoin alcançou os 20 mil dólares por moeda, no final de 2017, Wall Street acordou. Até o Goldman Sachs disse que iria criar uma operação comercial. Centenas de milhares de milhões de dólares flutuavam entre a bitcoin e moedas digitais rivais, das quais existem agora mais de duas mil. Os gémeos, aparentemente, não haviam vendido uma única moeda. Do total de bitcoins existentes – 141 mil milhões, segundo se diz –, eles detêm, pelo menos, 1,4 mil milhões. E lançaram a Gemini, que esperam tornar-se o principal meio de troca de moedas digitais. A forma como são lembrados pela História não mudará, a menos que a sua visão se concretize, e a bitcoin "ultrapasse" o ouro para se transformar numa reserva de valor e de meio de troca mais útil. Se tal não acontecer, continuarão a ser os atletas estúpidos que foram gozados por Zuckerberg. É esta a verdade mais chocante que surge na narrativa de Mezrich. Os gémeos, que têm 1,96 metros de altura, umas estaturas cinzeladas em pedra, criados num ambiente privilegiado, que frequentaram Harvard, que competiram nos Jogos Olímpicos e que se tornaram multimilionários, veem-se a si próprios como competidores que têm poucas hipóteses de ganhar uma luta. De tempos a tempos, a questão vem à baila. Querem ser levados a sério, mas são demasiado bonitos, demasiado caricaturas de pessoas privilegiadas para serem vistos como qualquer outra coisa. Mezrich admite: "É difícil olhar para eles e não sentir que, de facto, conseguiram ir tão longe em vários aspetos. Mas é assim que eles se veem a si próprios." Já começou a rodagem do filme, diz Mezrich, com Armie Hammer, que interpretou ambos os gémeos há uma década, e que vai fazer a reprise do papel. A questão é: alguém estará interessado em ver esse filme?

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Exclusivo The Sunday Times Magazine

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