A ciência diz-nos que uma folha de papel dobrada 42 vezes atinge uma espessura igual à distância entre a Terra e a Lua. Ou seja, não o suficiente para ultrapassar o tamanho do ego de Cristiano Ronaldo. O Catar pode ter organizado um verdadeiro mundial das arábias, mas ninguém iguala a fome de recordes e de golos de Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro.
Dir-se-ia que, à entrada para o derradeiro jogo da fase de grupo deste Mundial do Catar, a seleção portuguesa, no primeiro lugar do grupo e com o apuramento para os oitavos de final já garantido, poderia prescindir da sua estrela maior. Aos 37 anos, Cristiano já não é o futebolista que deslumbrava no Manchester United e no Real Madrid, mas o técnico Fernando Santos preferiu deixá-lo em campo e optou antes por "proteger" os mais jovens Bernardo Silva, Bruno Fernandes, João Félix ou William Carvalho do que o quase quarentão Cristiano.
Assim, e para enfrentar uma seleção coreana que contava com quatro Kim e dois Lee no onze inicial, Santos chamou como novidades o jovem António Silva (Benfica), as alternativas frequentes Diogo Dalot (Manchester United) e João Mário (Benfica) e os menos habituais Matheus Nunes (Woverhampton), Vitinha (Paris Saint-Germain) e Ricardo Horta (SC Braga).
A aposta parecia ganha, logo aos 4 minutos de jogo, quando o avançado do SC Braga inaugurou o marcador a passe do lateral do Manchester United. Aos 27’’ Kim Young-Gwon igualou e, entretanto, Ronaldo caiu num fora de jogo XXL e falhou um cabeceamento a recarga de um remate do irrequieto Vitinha. Dalot mostrou que é uma opção a ter em conta e Matheus Nunes pôs os cabelos em pé a Ronaldo quando preferiu rematar à baliza a cruzar para a cabeça do astro lusitano. 1-1 ao intervalo, Portugal desperdiçava a hipótese de ser a única equipa – até ao derradeiro jogo do Brasil – a conseguir os 9 pontos possíveis e Ronaldo a oportunidade de igualar a marca de Eusébio de 9 golos em Mundiais.
Tal como Churchill, Ronaldo quer escrever a sua história – e quer fazê-lo batendo todos os recordes possíveis, marcando mais golos do que todos os outros, mesmo que a marca de Eusébio tenha sido conseguida num só Mundial e Ronaldo já vá no quinto. A História será gentil para com Ronaldo mas o que fica desta partida são 65 minutos, até ser substituído, de qualidade baixa e o ar abalado – que é o eufemismo utilizado quando um futebolista diz um palavrão ao ser substituído – com que abandonou o relvado e viu o resto da segunda parte do banco de suplentes. Uma segunda parte que seria de pouca história não fosse dar-se o caso de Portugal ter sofrido um golo nos descontos e perdido por 2-1.
De entre todos os desportos de equipa, o futebol é sem dúvida o mais democrático e imprevisível. Com um grupo ainda por fechar (G, de Brasil, Suíça, Camarões e Sérvia) foram várias as surpresas a que os adeptos do desporto-rei assistiram durante a fase de grupos. O top conta facilmente com a qualificação da insuspeita Austrália, em prejuízo da Dinamarca e da Tunísia, a eliminação da Bélgica, que cedeu o seu lugar a Marrocos, e, em consequência de uma jornada imprópria para cardíacos, a saída da Alemanha pela porta pequena, no terceiro lugar, atrás de Espanha e do líder Japão.
Num Mundial sem italianos e, agora, sem alemães, falta cumprir metade do refrão de José Cid: Addio, adieu, auf wiedersehen, goodbye.
O show continua já amanhã, dia 3 de dezembro, com Países Baixos x EUA (15h) e Argentina x Austrália (19h). Seguem-se, dia 4, Inglaterra x Senegal (15h) e França x Polónia (19h) e, a 5 de dezembro, Japão x Croácia (15h) e o jogo entre o vencedor do Grupo G e Coreia do Sul (19h). No dia 6, Marrocos x Espanha (15h) e Portugal enfrenta o 2.º classificado do Grupo G (19h).